Crítica | Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio
A história de terror presente em Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (ou Evil Dead: A Morte do Demônio) é bem comum, sem muitos floreios ou invencionices. O roteiro de Sam Raimi é um aspecto secundário, que dá vazão para a inventividade visual de seu realizador, que teria na construção de tensão, clima no manejo da câmera um diferencial não só em relação ao gênero de horror como para todo o cinema contemporâneo.
Evil Dead não é o primeiro longa-metragem de Sam Raimi, antes dele veio It’s Murder, também com colaboração de seu astro e amigo Bruce Campbell, e onde o cineasta já pôde experimentar alguns dos maneirismos empregados no clássico de 1981. A história mostra um quinteto de moços e moças, que vão até uma cabana na floresta. Como é esperado, os hormônios afloram e o tempo inteiro eles deixam suas imaginações fluírem em torno da sexualidade que lhes era reprimida na cidade grande, além de desfrutar de uma imensa curiosidade pelo desconhecido, que se manifesta através de um livro que se encontra no porão da casa, chamado Necromicon.
Mesmo antes de liberar qualquer mal, o filme já usa de closes rápidos típicos dos clássicos de Mario Bava e Lucio Fulci para estabelecer a relação entre Ash (Campbell) e sua amada Linda (Betsy Baker), ao focar nos olhos dele e dela ao tentar descobrir o que está dentro da pequena caixinha de joias que o protagonista carrega. O filme ainda guarda em seu início, passados pouco mais de um terço de filme, uma cena violenta e aterrorizadora para o espectador feminino, usando Cheryl (Ellen Sandweiss) como espécime básico do clichê ‘mulher solteira procura’, sendo ela perseguida pelo monstro que habita a câmera, nos moldes de uma escola de terror tipicamente americana, vista em Tubarão e Halloween: A Noite do Terror, e usada dessa vez para denunciar os maus tratos a mulher, normalmente ignorados por uma grande parcela do público.
O infortúnio de Ash e dos seus se manifesta a partir de eventos inesperados, começando pela localidade da cabana, envolvendo depois as gravações do arqueólogo que era o antigo dono do casebre em que habitam. Apesar do caráter barato da produção, as cenas mais violentas são bem executadas, e os temas discutidos fazem paralelos fortes com a proibição e punição a quem desfruta das formas de prazer inerentes ao desabrochar da líbido, tomando prioritariamente os pares dos meninos, tornando o belo sexo no motivo de tormento dos homens, aludindo a misoginia que se vê em muitos dos contos bíblicos.
A possessão dá vazão a elementos gore diversos, desde a putrefação instantânea da bela pele dos jovens personagens, até o canibalismo como forma de sobrevivência dos contaminados. Uma vez tomados, as vítimas passam a atacar os que não foram tomados pelo mal, obrigando mesmo esses a cometerem o pecado do homicídio, ainda que a culpa destes atos seja plenamente discutível, vista principalmente no receio de Ash em executar Shelly (Theresa Tilly), e na certeza de Scott (Richard Demanincor) na hora de mutilar seu antigo par, percebendo que se não fizesse isso, seria ele a perecer.
Ashley é o típico menino covarde, que se auto engana através da aparência rude que ostenta, unida ao amor que tem por sua namorada e por sua irmã Cherryl, sendo torturado e aterrorizado pelas criaturas espirituais que as dominam. Analisando friamente todo a problemática envolvendo os cinco, fica a dúvida se os dominados pelo demônio não teriam forças suficientes para se libertar das amarras que improvisadas que lhe eram impostas e portanto estavam tentando convencer o herói a se reunir com eles ou se eles realmente tem seu poderes limitados pela humanidade não deturpada.
A ambiguidade habita o longa e o torna ainda mais assustador. A versão estendida do filme possui apenas 85 minutos, mas exibida em condições cinematográficas, aparenta ter uma duração muito maior, dado o desespero causado no espectador. A técnica em stop motion serve muito bem ao filme, exceto em uma das cenas finais onde o mal finalmente sucumbe e se deteriora. O artifício acaba servindo, não intencionalmente, para relembrar ao público que a história se trata de um ficção e que os agouros ali não são reais.
A tranquilidade aparente que acompanha a manhã é falsa e faz enganar o pobre Ash, que termina a tal Noite Alucinante sozinho, desamparado e aliviado por muito pouco tempo, sentimento este que não dura sequer até o início dos créditos. A rusticidade e criatividade de Raimi a frente desse filme serviria como marco para um cinema independente de horror, possibilitando a uma nova geração de filmmakers seguirem os passos de Wes Craven, Tobe Hooper, John Carpenter e afins, unindo elementos do mainstream com o cinema B tradicionalmente rústico, ajudando este filão a sair do gueto e se popularizar entre outras plateias cinéfilas.