A Verborragia de Joyce – Parte 2
Aqui estão copilados, em onze artigos rápidos e descritivos, fracionados em duas partes, análise acerca da grande jornada decorrida das proporções de Ulysses, provável magnum opus do escritor James Joyce. Digo provável devido à inconstância de vários críticos sobre qual é a maior contribuição à literatura de Joyce: Nosso objeto de estudo abaixo, ou seria Finnegans Wake, livro que poucos se atrevem a ler pela dificuldade do exercício narrativo? Seja como for, abaixo está listada quase uma dezena de marcas que Ulysses deixa no leitor à mercê de sua composição, o que não deixa de ser um resumo honesto e um convite à leitura de quem nunca se aventurou nas entrelinhas de um dos maiores romances do século XX. Você não lê Ulysses, você estuda, e estudá-lo não é um dia no parque, é uma estadia de duas semanas em uma biblioteca. Vale pelo mesmo.
(20/06/2014) 7° DIA – 700 páginas: Como é difícil acompanhar o raciocínio de Joyce na primeira leitura, antes de uma releitura de um parágrafo. Difícil e injusto. É preciso reler e reler e reler, pela terceira e quarta tentativa de compreensão, em prol de um avanço na decodificação da leitura, e de uma provável epifania sobre a intenção no indescritível jogo de palavras, palavras e signos que não parecem clamar qualquer identificação, cada vez menos, aliás. Cada vez mais, a técnica penetra e alavanca o texto como tema e como alma da escrita. Está frio e ando lendo na cama, algo que Stephen Dedalus também o faria, com certeza.
(23/06/2014) 8° DIA – 800 páginas: Joyce vai além das expectativas geradas num impensável e caótico julgamento da vida de um pobre cidadão, de orientação ética duvidosa, enquanto o escritor dificulta o julgamento das atitudes dos personagens através de uma linguagem de dificílimo acesso, justificando assim sua ambição descritiva com a forma demonstrativa da sua versão do julgamento da vida, e suas consequências numa estrutura insana e ofegante, o que me faz lembrar do método de Saramago. James Joyce vai tão longe nas implicações dessas 800 páginas – e nas suas megalomanias na conjetura promocional do conteúdo sugerido numa ousada empresa, com a literatura de Shakespeare e a poesia de Homero e Hesíodo sendo celebradas – que fica difícil imaginar as próximas dimensões que as próximas 100 páginas poderão ter.
(26/06/2014) 9° DIA – 900 páginas: Joyce conclui que a falta de um fluxo definido e constante é menos importante do que o número elevado que contabiliza seus ganhos e méritos além-obra na narrativa mais desafiante até o momento, com uma centena de páginas realmente labiríntica e perturbadora, cortesia mais da trama que da estrutura, por enquanto, e encerra seu conjunto formulaico através de suas próprias resoluções literárias, junto a um bocado de semi-conclusões ainda aéreas, com sentidos e definições ainda a serem totalmente empregados adiante – eu espero! De fato, o melhor verbo para definir Ulysses, se isto for realmente possível, é Englobar! Mesmo com suas viciantes e hipnotizantes ambições, James Joyce parece começar a ter certa piedade do leitor a partir de certo ponto, antes de completar 1000 páginas, e abranda a narrativa, enquanto, todavia, faz borbulhar ainda mais todo o contexto (literalmente) hiper-multifacetado.
(27/06/2014) 10° DIA – 1000 páginas: De fato, nada louvável se não for visto e pesado por uma ótica ativa, eficiente e não-preguiçosa, o décimo e décimo primeiro capítulos são os mais fáceis e acessíveis até o presente marcador de páginas acusar repartição na milésima. As analogias de Joyce com a reles vida humana, meio que rejeitando todas as suas inúmeras pretensões posteriores – irredutíveis da memória de quem as lê –, são espetaculares, no complemento de uma perspectiva sideral, cósmica e astrológica a todo um cinturão de ocorrências humanas forjadas no tempo sobre a crosta terrestre – precisa e orgulhosamente na Irlanda, propriedade intelectual de Joyce. Através de infinitas exaltações culturais e concordâncias a partir do indivíduo, rumo à identificação de um coletivo social, o autor torna sua pátria um matagal de valores, fetiches, peso moral, valor histórico e nomenclatura original – devido às suas percepções exclusivamente irlandesas e conclusões agora definitivas a respeito de uma forte e volátil, porém insolúvel, narrativa necessária às veredas que Joyce assume no decorrer da trama, regida com o máximo de fôlego prestado à regência e que também é requerido para decifrá-la.
(30/06/2014) 11° DIA – 1106 páginas: Hoje termina junho, e eu levei 20 anos para me preparar pra ler Ulysses, com minhas limitações culturais já em terceiro plano após a leitura do livro, após essa experiência cara e transgressora de um antes e depois inevitável. É preciso elevar o nível, se deixar refinar em processo desafiador de desconstrução, um refluxo transformador culminante ao epitáfio travestido de alívio, frescor e de gratidão embutidos no final da obra. Joyce não termina sua odisseia sem apresentar todos os seus réus ao júri que os julga, tão humanos e imperfeitos quanto qualquer outro representante da literatura do escritor, com tamanha miscelânea de perspectivas diante de uma mesma história, além das possibilidades que qualquer narrativa até agora conseguiu alcançar, até agora, em suas abordagem transitórias e com as mesmas responsabilidades na condução desta façanha em forma de livro. O lugar comum nas últimas resoluções é o assombro diante da soberania do artista, é a audácia do realismo destilado e modelado, da honestidade jogada sem qualquer cerimônia ou filtros a favor de um mural diferente e único que cada um do júri – nós – tem o livre direito de traçar, finalmente, as próprias resoluções. Por fim, Ulysses é o último delírio agridoce de uma noite de sonhos e pesadelos a afetar nossas razões, nossos princípios, padrões de comportamento e técnicas de leitura que ficam 100% obsoletas logo nas primeiras páginas deste tijolo em forma de manuscrito confidencial. Última frase marcante: “O sol brilha por você.” – página 1104 na brilhante tradução de Caetano W. Galindo.