A tarefa de criar e manter uma série, na qual engloba, por inteiro, o mundo multipolar do jornalismo atual, deixa de ser tarefa no primeiro segundo de concepção e passa a ser um desafio a ser vencido por poucos, a favor do apreço de muitos. Sendo que a pessoa por trás dos roteiros insanos de The West Wing não pode ser muito normal da cuca, Aaron Sorkin, o único que sabe misturar Shakespeare e Arthur C. Clarke sem nos dar enjoo e/ou frustração, fez sorrirem os seguidores da hiper-democrata HBO ao expandir o estilo de A Rede Social e Moneyball, através da sensação de entrar numa redação de jornal televisivo, na tensão ao longo do breaknews, ao longo de The Newsroom.
Para o aspirante a jornalista, uma bela metalinguagem. Ao jornalista, de fato, uma versão inofensiva dos fatos. Defronte ao leigo do mundo onde polêmicas são servidas no café-da-manhã, a série ganhou uma primeira temporada primorosa que fez o Titanic avançar, e uma segunda que fez a embarcação sofrer um corte tão feio na base que sua terceira leva de episódios já foi anunciada como naufrágio iminente. Mesmo no atual conjunto de ótimas produções televisivas, como True Detective e Orange Is The New Black, é chato perderem-se de vista projetos de potencial afim.
A sensação ao adentrar a rotina da mídia pela porta de trás é o equilíbrio de forças, o respeito básico entre elas, e o atrito eventual de interesses em prol da sobrevivência de quem fabrica a opinião pública. De temas flexíveis, ao focar a equipe de Will McAvoy, o âncora do jornal News Night na pele de Jeff Daniels, a apuração leve e objetiva que a série faz de vários tipos de jornalistas vivendo e morrendo em bando, e das manobras vitais da profissão a partir de uma simples redação, é um verdadeiro brainstorm para quem consegue acompanhar a dinâmica do show e a rapidez de reflexão que o ritmo exige.
A “leve e objetiva” abordagem se deve, então, à técnica-chave de Sorkin: apontar o dedo e desviá-lo no momento em que olhamos na direção. Ironia do destino ou por decisão do canal, devido a isso veio justamente a desarmonia da segunda temporada e a gradual diluição da identidade, antes muito bem assegurada. O declínio foi leve, mas doeu e teve um preço.
Ainda nessa primeira fase, The Newsroom demonstra-se incapaz de reproduzir em qualidade, em razão da irritante troca de diretores, entre episódios e temas. A realidade se mantém fixa e linear numa espiral de dramatização, na verdadeira criação do seu roteirista: um dossiê técnico do jornalismo do século 21 realizado através da atualização energética de Rede de Intrigas e da conversação moderna de Doze Homens e Uma Sentença – nas cenas de debate, por exemplo –, ambos filmes de Sidney Lumet, unidos no formato Mad Men de promoção.
Acontece que Sorkin, metralhadora de palavras, apontou seu dedo ao alvo, que desde a primeira cena da segunda temporada noticiamos que é o errado. Se em momento similar a série começou num palco de entrevistas com uma resposta ácida de McAvoy sobre a dura e real razão da América não ser a maior nação do mundo, não mais, o segundo pontapé chutou pra atmosfera o lado pessoal e parcial dos personagens sem sustentar o interesse dos mesmos fora do ambiente de trabalho.
O interesse da série, por sua vez, estava na contradição de ter um contexto de informações em plena era da desinformação, ou era do exagero, tanto pela imprensa, tanto pelo freguês. Tanto faz.
E, de profundo, o nível ficou médio; só Deus sabe o nível do que vem até o final de 2014. Ainda assim, reciclar ou inaugurar opinião sobre a série em post de Facebook ou notas de rodapé é injusto sob a reputação que as intenções traduzem – ou traduziram. No final, Newsroom ainda está para o jornalismo ético atual como House of Cards se encontra para a ética política de hoje, entre democratas e republicanos. Produtos culturais de seu tempo, imparciais ao que já passou, mas fiéis às intrigas e sentenças promovidas em nome do futuro.
Já o que se fez constante foi o não uso dos temas abordados como forma extrema de publicidade, ou polêmica, para atrair a audiência – uma artimanha barata usada pela mídia que a série defende, mas nunca passa a mão na cabeça. A série não termina como fracasso, mas uma promessa – capaz de ter sido muito mais e rendido inúmeras temporadas – que se vendeu sozinha, internet afora, apenas com um merecido empurrãozinho de marketing da HBO – o SBT dos Estados Unidos –, um canal onde Todos parecem ter vez e sob todos os efeitos.
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