Nas manhãs da Globo dois desenhos animados se destacavam bastante, os X-Men (que inclusive fizeram boa parte da garotada finalmente pronunciar corretamente o nome do grupo) e claro, Homem-Aranha. O segundo programa, originalmente chamado de Spider-Man: The Animated Series também foi veiculado aqui no Brasil pelo canal da TV a cabo Fox Kids, emissora que passava boa parte do conteúdo de animações com heróis e seus produtores Avi Arad e Stan Lee, que inclusive, faz uma bela participação ao final da série.
O programa teve cinco temporadas, e um total de 65 episódios, e mostra Peter Parker como um sujeito já adulto, que trabalha para o Clarim Diário tirando fotos mas também se dedica demais aos estudos, tanto que ele auxilia sua amiga Felicia Hardy com questões ligadas a ciências, ajudando ela no curso da faculdade que não fica exatamente claro de qual curso se trata.
O traço da animação era feio na maior parte do tempo,os personagens era em sua maioria extremamente fortes, fazendo pensar que nessa versão todos eram marombeiros e tinham costume de malhar bastante. A abertura tinha alguns elementos em 3d – além é claro da música de Joe Perry, guitarrista do Aerosmith – que permeavam também algumas das cenas do programa e sua utilização era um bocado gratuita, só ocorria nas cenas em que o aracnídeo se balançava pelos prédios, e parecia só ser feita porque os produtores podiam fazer.
Ter tantos episódios ao menos ajudou em uma coisa, boa parte dos vilões do Homem Aranha foram mostrados no programa, tal qual ocorreu em uma de suas concorrentes, Batman A Série Animada, mas diferente do desenho produzido por Bruce W. Timm, esse tinha participações meio gratuitas. A primeira temporada começa mostrando o drama do Lagarto, o professor Curt Connors que se submete a auto experimentos para recuperar seu braço, transformando-se então em um monstro. A condição de vilão trágico aliás era um clichê bem explorado nos episódios e era lugar comum boa parte desses personagens que viraram malignos contra sua vontade serem manipulados por alguns dos chefões do crime, sendo o principal deles o Rei do Crime Wilson Fisk, mas também o Cabeleira de Prata e o Cabeça de Martelo, esse ultimo o menos explorado deles.
Antes terminar esse primeiro arco, é mostrada a roupa alienígena, trazida por J. Johnah Jameson Jr – o filho do patrão de Peter, J. Johah Jameson que obviamente sempre tenta incriminar o Homem Aranha – com sua nave de astronauta que aterrissa na Terra de maneira brusca, aliás, nenhuma versão áudio visual do vilão simbionte alienígena que se une a Eddie Brock foi tão bem construída quanto essa, incluindo aí o filme recente Venom de Ruben Fleischer. Apesar do programa não ser profundo, há muitos acertos, uma pena é que logo depois de ter esses bons momentos onde Venom é assustador, se desenvolve um mini arco com o Duende Macabro, o que é estranho, pois ele não era exatamente popular nas Hqs, além de se dar uma enorme importância ao transmorfo Camaleão, talvez como eco da Guerra Fria que havia acabado há pouco, pois nas revistas ele também sempre foi um vilão de segundo escalão.
Na segunda temporada há a menção ao Sexteto Sinistro – aqui chamado de Os Seis Traiçoeiros – o grupo que quase ganhou um filme da Sony após O Espetacular Homem Aranha 2: A Ameaça de Electro, mas o foco emocional claramente é maior no Homem Hídrico – no desenho era chamado de Hydro-Man, a dublagem cansava de colocar os nomes dos personagens em inglês – que aqui, é um ex-namorado de Mary Jane Watson e que trava com Peter a preferência da ruiva que é vizinha da Tia May. Apesar de ser extremamente infantil, boa parte do romance de Peter e Mary Jane é bem explorado e construído, as idas e vindas do casal fazem sentido e são bem fieis a fase clássica das historias de Steve Ditko e Stan Lee.
Também há um crossover com os mutantes dos X-Men e que aqui no Brasil teve uma dublagem esdrúxula, onde chamavam o Wolverine de Lobão, aliás, a dublagem no Brasil era repleta de pérolas (Demolidor era Atrevido, Justiceiro foi Punisher mas também era chamado de Vingador em alguns episódios) e até havia um charme nisso, mas a parte mais importante de fato nesse segundo tomo é a trágica historia do vampiro de Morbius, o ex-namorado europeu de Felicia, e é a partir da queda dele e do resgate do passado de seu pai que a moça decide se tornar a Gata Negra. Nesse período também aparece o Blade, antes até do filme com Wesley Snipes como caçador de Vampiros, aliás há um bom número de personagens clássicos da Marvel que aparecem nessa e em outras temporadas, como Doutor Estranho, Mordo e Dormmammu, Demolidor, Justiceiro etc.
No terceiro ano aparece o Duende Verde Norman Osborn, que nos quadrinhos era o duende original e depois viriam os outros. Nesse ponto a parte mais emocional mora na relação dúbia de Peter com Harry Osborn que no material original eram muito amigos, mas que aqui claramente rivalizam mais do que tem amizade – em Homem-Aranha de Sam Raimi isso é muito melhor trabalhado, Tobey Maguire e James Franco parecem de fato parceiros, aqui nem tanto. Há também o retorno de Venom também, basicamente para explorar um novo plot, envolvendo sua cria, Carnificina. Nessa época a luta entre simbiontes era muito popular, não só nas revistas, mas também nos vídeo games, pois perto daquela época em 1994 o Maximum Carnage era extremamente consumido, sendo uma febre no Brasil sobretudo, por conta do porte do jogo Beat up para Super Nintendo e Mega Drive.
Se nota que a serie é sempre lembrada por conta dos eventos e acontecimentos externos a ela, por conta de um jogo popular, dos quadrinhos que eram igualmente populares, ou mesmo os brinquedos derivados da série, que aliás eram muito bem feitos para época e também monopolizavam as vendas de natal, dia das crianças e demais épocas festivas. Batman – TAS também tinha uma quantidade de produtos enormes, jogos, bonecos, lancheiras, mas o texto por trás das lutas entre heróis e vilões tinham um projeto mais grandioso, e introduziram elementos que transcenderam a mídia, a Arlequina se tornou um bom personagem após isso, a versão do Senhor Frio do desenho é a definitiva, já o roteiro de Spider Man – TAS era bem elementar e básico, eram lutas meio bobas e motivações fracas de personagens e vilões com um ou outro momento mais inspirado.
A quarta temporada é talvez a mais fraca e quase indigna de lembranças e na ultima temporada, veiculada em 1997 e 1998, e o roteiro brinca de adaptar Guerras Secretas, claro, de uma maneira um bocado diferente, reunindo heróis da várias eras em lutas bem genéricas. Os últimos dois episódios mostram a Guerra dos Aranhas, envolvendo a Madame Teia (que era uma personagem bem misteriosa) reunindo várias versões do aracnídeo, incluindo um que utilizava os tentáculos de Octopus (sendo uma bela coincidência se comparar este com o Homem-Aranha Superior) semelhante ao que foi feito mais tarde, nos quadrinhos em 2014 com o Aranhaverso e no filme da Sony de 2018, Homem Aranha no Aranhaverso. Apesar da animação aqui ser ainda mais porca que no início o final de séria animada do Homem Aranha deixou saudades, e pontas soltas sobre quais os rumos que os produtores queriam levar o programa. Para muitos esse foi o primeiro contato com o amigão da vizinhança, ainda mais para quem era criança nos anos noventa e por mais que a serie não traduzisse maravilhosamente os textos que Ditko, Lee, John Romita e tantos outros artistas traziam nas historias clássicas do Aranha, ainda havia algo aqui, um charme que passava por cima até dos gráficos feios e mal pensados, afinal, havia alguma fidelidade ao menos a mitologia do herói, ainda que perdesse em narrativa para a serie do Batman e em temática igualitária para X-Men.