Quando anunciado pela Disney, que estaria refilmando um de seus clássicos de animação, Mogli – O Menino Lobo, de 1967, em uma versão live-action repleta de efeitos computadorizados e dirigida por Jon Favreau, poucos foram os que não tiveram ressalvas com a decisão do estúdio, afinal a animação clássica permanece bastante viva no imaginário das pessoas como um dos filmes mais queridos do estúdio, além de ser uma das grandes obras do estúdio nos anos 1960 ao lado de 101 Dálmatas – também adaptado em live-action em 1996.
Convém lembrar que a decisão de refilmar esses clássicos tem sido uma constante do estúdio Disney nos anos de 2010: Cinderela, de Kenneth Branagh, Malévola (releitura de A Bela Adormecida), de Robert Stromberg, e Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton. Apesar do sucesso de bilheteria, todos os filmes dividem opiniões da crítica, e por muitos soam como uma tentativa cínica de arrecadar dinheiro à custa da nostalgia de muitos. Mogli: O Menino Lobo, apesar de ter esse objetivo, felizmente é um desses exemplos de obra que, apesar de seus imperativos comerciais, pode ser repleto de originalidade, criatividade e paixão em sua realização.
A história do longa-metragem é uma adaptação de um dos contos do livro de Rudyard Kipling, O Livro da Selva (compre aqui), que traz a história de Mogli (Neel Sethi), uma criança que tem como protetora a pantera Bagheera (Ben Kingsley) e é criada por uma matilha de lobos após ter seu pai morto nas selvas da Índia. A história ganha novos contornos quando a selva indiana passa por um período de seca e todos os animais se reúnem em um pequeno vale, onde ainda se encontra água. Por conta disso, é evocada uma das leis da selva que obriga uma trégua temporária naquela região onde nenhum animal precisaria temer em se tornar uma presa de outro animal.
No entanto, a chegada do tigre Shere Khan (assustadoramente dublado pelo grande Idris Elba) coloca em risco a vida de Mogli, e Bagheera não vê outra escolha a não ser levar o menino de volta a uma aldeia de homens para que ele possa crescer em segurança. A partir de então, o filme ganha contornos de um “road movie“: a jornada de Mogli até a aldeia dos homens. Como nos típicos filmes de estrada, há um ponto de chegada pré-definido, no entanto não definitivo, já que a própria jornada do protagonista se torna mais relevante. A jornada é mais importante que a chegada, e a verdadeira finalidade das personagens.
Em sua jornada, Mogli se depara com vários animais, e cada um deles oferece ao protagonista um caminho diferente a ser traçado. Bagheera é marcado pela preocupação benevolente, prezando unicamente pela segurança de Mogli e deixá-lo entre os seus; Kaa (Scarlett Johansson) oferece um desfecho rápido através de seus olhos hipnotizantes e sedutores; por sua vez, Baloo (Bill Murray) entrega uma visão de mundo inicialmente escapista, mas que ao longo da trama se mostra repleto de ternura, enquanto o Rei Louie (Christopher Walken) surge como a demonstração da ganância e a ambição humana. Além disso, dentro da matilha de lobos, Akela (Giancarlo Esposito) e Raksha (Lupita Nyong’o) são as representações das figuras paterna e materna de Mogli.
Os efeitos visuais abrangem quase que exclusivamente não só todos os personagens -exceção feita a Sethi interpretando Mogli – mas também todo o ambiente do longa-metragem. O filme se mostra extremamente bem-sucedido nesse esplendor tecnológico, apesar de, em alguns momentos, o nível cair e deixar um pouco a desejar. O trabalho do diretor de fotografia Bill Pope ao lado de Favreau é consistente, evocando cenas belíssimas e dando um clima mais sombrio se comparado à animação de 1967, mas de maneira alguma deixa de ser um filme bem-humorado.
Diferente da animação clássica, Mogli: O Menino Lobo, conta apenas com dois números musicais, o já clássico The Bare Necessities, canção de Baloo e interpretado com a leveza de Murray; e I Wan’na Be Like You, em um belo bepop interpretado por Walken em sua personagem Rei Louie; e aos não-adeptos de musicais, importante dizer que ambas as canções interpretadas são dois grandes momentos do filme, não se tratando de casos que retirem o espectador da imersão do filme, mas muito pelo contrário.
No final das contas, Mogli: O Menino Lobo é um longa repleto de ternura, sensibilidade e intensidade. Curiosamente, um filme praticamente desprovido de seres humanos, mas repleto de humanidade.