A era Nova Marvel promoveu uma maciça modificação dentro do estúdio, fundamentando um novo ponto de partida para a leitura, sem a necessidade de um reboot oficial, desenvolvendo novos conceitos a partir das bases tradicionais. Diante deste cenário, Dan Slott foi um dos roteiristas que, devido a um bom trabalho editorial anterior iniciado em 2008, se manteve à frente do mesmo título nesta nova fase.
Quando o roteirista assumiu as edições de Amazing Spider-Man, o aracnídeo passava por uma reestrutura editorial. Diversas revistas do herói foram canceladas para que Amazing ganhasse maior periodicidade, com três novos números ao mês. Enquanto, na trama, parte de acontecimentos recentes, como a revelação pública de Peter Parker na Guerra Civil e um atentado que vitimou Tia May, era anulada devido a um pacto com Mefisto, que em troca exigiu as memórias do casamento com Mary Jane Watson. O argumento controverso e simplista gerou um resultado eficiente, retomando parte da essência do Aranha em sua fase inicial e introduzindo novos dramas e personagens, além de vilões repaginados. Até uma nova reviravolta, cinco anos depois, iniciando a fase Nova Marvel.
Neste novo início, há uma transformação radical em que o grande vilão Doutor Octopus, finalmente, vence o herói e transfere sua mente para o corpo de Parker, deixando-o em seu velho e doente corpo. Publicado originalmente no país pela Panini Comics na nova mensal Homem-Aranha Superior, a trama de Meu Pior Inimigo compila as edições #1 a #5 de Superior Spider-Man em edição encadernada em capa dura.
A intenção primordial desta nova fase é proporcionar ao leitor uma nova visão de um universo conhecido. No arco anterior, Último Desejo, trama de transição entre uma fase e outra, havia a inferência de que, mesmo em corpos trocados, parte da consciência de Peter acompanhava Octavius. Dessa maneira, a personagem se mantém presente neste novo Homem-Aranha como um observador crítico dos passos de Oquinho em sua pele e, consequentemente, sendo a ligação explícita com o leitor.
Neste novo ambiente, Slott mantém o mesmo estilo narrativo anterior, feito que demonstra que, apesar de uma modificação temática, estruturalmente a coerência se mantém. E, pela confiança de boas histórias anteriores, há maior chance desta fase ter credibilidade, ainda que neste primeiro momento não saibamos como o argumento será desenvolvido. A trama opta por inserir pequenas ações demonstrando as diferenças básicas entre o Aranha clássico e este superior. Desde aspectos íntimos sobre origens familiares, como também o comportamento em ação.
Otto Octavius não é um herói tradicional como Peter Parker. Sem uma explícita emoção, trabalha de maneira técnica e científica. Desenvolvendo aparatos e sistemas para que possa monitorar remotamente a cidade inteira e, assim, dedicar tempo a situações que o aracnídeo negligenciava em detrimento do heroísmo: a família e as relações amorosas do alter-ego. Se um novo Homem-Aranha causa estranheza inicial, o roteiro ilumina outra faceta de Octavius, destruindo o senso de um vilão tradicional e plano, para um personagem com dramas internos que começa, a partir da vivência como herói, a ter uma nova visão sobre si mesmo, o conceito de vilania e o próprio Homem-Aranha.
Ainda que o recurso de inserir Parker como um observador de sua própria história seja fantasioso, afinal as personagens trocaram de consciência e não deveriam existir reminiscências, as duas personalidades promovem um interessante contraste que corrobora a favor de Slott, evidenciando que esta nova fase faz parte de um planejamento bem realizado para causar impacto e boas vendas. Afinal, o público sabe que, em um futuro breve, o Homem-Aranha tradicional estará de volta.
Mesmo sem uma grande primeira história, Homem-Aranha Superior se desenvolve com qualidade, e demonstra afinidade de um roteirista que conhece bem o universo da personagem a ponto de modificar certas bases sem retirar a essência.