Durante grande parte da primeira década do novo milênio, a DC Comics investiu em novas formas de reformular seu universo de super-heróis sem necessariamente zerar sua continuidade, como já havia feito antes com a saga Crise nas Infinitas Terras. Assim, o recurso utilizado com frequência era o retcon, histórias que contavam detalhes “esquecidos” das origens dos heróis ou alteravam completamente alguma coisa que fosse necessária. Com a saga Crise Infinita a editora deu uma explicação de dentro do universo para esses retcons: uma versão do Superboy de uma Terra paralela literalmente esmurrava as paredes da realidade, mudando assim a continuidade de tempos em tempos sem precisar passar uma borracha em tudo. Sim, era uma explicação bem esdrúxula, mas parece ter funcionado. Com isso, Superman teve sua origem pós-Crise alterada várias vezes, tornando a narrativa de John Byrne, O Homem de Aço, obsoleta.
Geoff Johns foi responsável por grande parte dessa fase, deixando sua marca de “reparador de danos” nos gibis do Superman. Assim, dentre muitas coisas que escreveu, o arco Brainiac tem um grande destaque por resgatar elementos clássicos das histórias do herói.
Assim como a Supergirl havia sido reintroduzida nas histórias do Azulão, com uma história de origem mais próxima da sua primeira aparição, na Era de Prata, Johns reapresenta o vilão Brainiac tal qual sua primeira aparição. Assim, fica estabelecido através da Supergirl que ele já era uma ameaça no passado, e que as outras versões do tirano confrontadas pelo Superman não eram “reais”. Brainiac era um conquistador de mundos, que absorvia toda a informação possível sobre civilizações planetárias, miniaturizava suas principais cidades e destruía o resto. Assim, em uma terrível lembrança de seu tempo em Krypton, a prima do Superman revela como a importante cidade de Kandor foi subjugada e engarrafada, com seus prédios e habitantes em forma diminuta, e armazenada na nave do vilão.
Quando Brainiac ataca a Terra, diminuindo e engarrafando a cidade de Metrópolis, Superman o enfrenta em uma batalha épica para trazer de volta aqueles que ama. O enredo é basicamente o mesmo da história de 1958 na qual o vilão surgiu, porém trabalhado de forma quase cinematográfica, explorando diferentes facetas de personagens já há muito conhecidos do público.
A arte de Gary Frank é de uma riqueza de detalhes impressionante. Seu Superman e Clark Kent realmente parecem pessoas distintas, e visivelmente emulam os traços característicos do ator Christopher Reeve, que imortalizou o herói nas telas do cinema por quatro filmes. Sua Lois Lane é uma versão mais jovem de Margot Kidder, que contracenou com Reeve nos filmes clássicos, e os personagens do Planeta Diário também apresentam traços marcantes que refletem suas personalidades. Cat Grant lembra muito a sua representação na série noventista Lois & Clark, com uma atitude ao mesmo tempo sexy e vulgar, muito diferente da mãe solteira que teve o filho de oito anos assassinado, na versão anterior dos quadrinhos. Grant não parece carregar a perda nos ombros como antes, e até mesmo Clark parece perceber isso. Assim, sua nova atitude seria decorrente do trauma, uma forma de abafar a dor. Infelizmente, isso fica apenas subentendido pela fala do repórter e não é explorado na história. Steve Lombard é o repórter de esportes, e se nos anos 70 era retratado como um galhofeiro que vivia pregando peças em seus colegas, aqui ele se torna um “tiozão do pavê”, completamente deslocado com suas piadas sem graça em um mundo que não mais admite seus preconceitos. Ron Troupe, Jimmy Olsen e Perry White permanecem basicamente os mesmos que já conhecemos de versões anteriores. Frank se utiliza de seu fino traço para fazer com que as expressões faciais desses personagens nos mostrem cada sentimento, cada interação entre eles, cada pequeno gesto, de forma a esquecermos um pouco dos vilões intergaláticos e possamos nos identificar com as “pessoas normais” da história.
A relação de Clark com seus pais é explorada de uma forma como jamais viria a ser novamente nos quadrinhos posteriores. A vida no campo moldou a personalidade de Kent, e vemos em flashbacks momentos de sua educação que o levaram a ser quem ele é. O final trágico da história remete justamente a isso: Superman precisa fazer duras escolhas pelo bem maior, mesmo que isso pese sobre seus ombros por não conseguir salvar a todos ao mesmo tempo.
Se as cenas de ação são muito bem desenvolvidas, as cenas do cotidiano não ficam longe. Em uma época em que as relações entre os personagens de Metrópolis estavam sendo quase que ignoradas, Superman: Brainiac as traz de volta de forma simples, porém certeira. Talvez seja isso que faz desse arco algo digno de figurar, no Brasil, duas versões encadernadas de capa dura ao mesmo tempo, por editoras diferentes.
A importância dessa história também está em suas consequências nas revistas do Superman nos anos seguintes, já que o destino de Kandor e de seus habitantes kryptonianos seria o fio condutor da grande saga Nova Krypton, que tomaria as páginas das revistas de aço no meses posteriores. Também virou filme animado da DC Entertainment, com o título de Superman Sem Limites. Ainda assim, Superman: Brainiac apresenta uma grande aventura, com aquilo que pode ser considerado a essência do Homem de Aço, de uma forma moderna e ao mesmo tempo, clássica.
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