Após sentar-se na cadeira de diretor, 6 anos atrás, em Trovão Tropical, Ben Stiller volta comandando a história de Walter Mitty. Interpretado pelo próprio ator, Walter é um funcionário da Revista Life que, com a reestruturação da empresa, está prestes a perder o emprego. Há 16 anos responsável por revelar os negativos do aventureiro fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), agora Walter terá de sair de sua vida monótona e sem grandes realizações para ir ao encontro do velho parceiro de trabalho; a incumbência é a de garantir o que supostamente será a última capa da revista, que deixará de existir em sua forma física permanecendo apenas no formato Life Online (desde já, uma boa piada).
Diferente das outras obras que dirigiu, aqui Stiller decide rumar em um caminho mais dramático. Para isso conta com ninguém mais ninguém menos do que Steve Conrad (À Procura da Felicidade) como roteirista. E, se mais simples, talvez a película convencesse. A direção presunçosa consegue diminuir o que de humano e sensível os 114 minutos de projeção têm a oferecer.
Já estamos acostumados a ver histórias de pessoas superando os seus limites, principalmente em se tratando de grandes telas. O próprio Conrad fez isso magistralmente na consagrada obra com Will Smith. Mas, para que a narrativa funcione, é necessário que haja naturalidade, uma sensação de que os indivíduos se encaixem de forma orgânica em tais situações, ou então que sejam movidos a elas de forma lógica, racional. O que temos em A Vida Secreta de Walter Mitty é uma confusão de estilos, ou até mesmo de Stiller’s. De um lado, o diretor paródico que se sai bem na crítica do gosto pop ou dos estereótipos cinematográficos. De outro, o cineasta que punge falar sobre a quebra da inércia e a busca pelo verdadeiro propósito da vida, nem que para isso seja necessário bater de frente com tubarões, vulcões, montanhas congeladas, medos vencidos sob a motivação das canções que compõem a trilha sonora, aliás muito boa, com David Bowie, Arcade Fire, Of Monsters and Men, Junip, entre outros artistas. Há diferentes tons no longa. O personagem, que às vezes foge da realidade ainda acordado e devaneia situações cômicas, flutua entre o pastiche de cenas como a que remete a O Curioso Caso de Benjamin Button, e o realismo da realização naturalista, estilo Na Natureza Selvagem; ou quando realmente explora recônditos do universo, como a Groenlândia ou o Himalaia. Esses diferentes tons fazem com que até o objetivo da narrativa seja questionado, pois se há um “quê” de paródia nesse próprio fazer dramalhesco de Stiller, este se desfaz quando ocorre a constatação de que o roteiro se leva muito a sério, vide cenas como a que Mitty foge em disparada (algo que faz dezenas de vezes no filme) quando acredita que sua parceira de trabalho, Cheryl Melhoff (Kristen Wiig), voltou para o ex-marido, ou o próprio final da obra.
O filme não é cansativo. O roteiro consegue guardar e espalhar surpresas interessantes e que trazem, de volta, o espectador de uma provável distração. Uma das melhores é a presença de Penn, quase nos instantes finais da película, soando até como uma possível piada, já que o próprio dirigiu o, já citado, Na Natureza Selvagem. Mas o problema é que, se por um lado vemos uma atualização da clássica obra protagonizada por Peter Sellers, Muito Além do Jardim, por outro vemos um esforço colossal de direção em explicar ou dizer, a partir de frases de efeito escritas no cenário ou outras inserções, tudo o que, na verdade, era para que víssemos em tela, de forma fluída e sem máculas. Soma-se a isso o excesso de cenas em slow-motion e o grande número de publicidades na produção e chega-se ao resultado de um filme que poderá até arrancar sorrisos marotos do espectador, mas no fim deixará uma sensação de discurso dito, redito e não dito ao mesmo tempo.
Em seu cerne, porém, mesmo que frouxamente, A Vida Secreta de Walter Mitty nos faz voltar a tocar num calo social pós-moderno: a ausência de vida. Talvez o personagem mais cômico do filme seja o carinha da rede social que sazonalmente questiona Walter acerca de suas realizações, o que tem feito da vida, a que locais ele tem ido. É uma voz que, enquanto onisciente e onipresente, pode representar a nossa própria consciência nos questionando sobre o que temos feito com a nossa própria vida. Sério que realmente queremos passar anos e anos atrás de um balcão de escritório sem ao menos experimentar um décimo de por cento do que o mundo nos oferece lá fora? Sério que nossa atitude mais radical, em séculos, será cutucar alguém no Facebook? Sério que viveremos, para sempre, sérios e reclusos a tudo o que nós mesmos pedimos desesperadamente, dentro de nossa cabeça, e simplesmente optar por nos silenciar? Indiretamente, ou não, a obra de Stiller nos faz pensar em nós, pena que não seja tão eficaz como cinema quanto talvez o seja como palestra psicossocial.
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Texto de autoria de Rodrigo Rigaud.