O episódio derradeiro do terceiro ano, dirigido por Nick Hurran (do filme Coisas de Meninos e Meninas e de Doctor Who), faz referência óbvia ao conto denominado O Último Adeus de Sherlock Holmes, onde o Detetive contaria o seu último caso cronológico, ao menos até a data do lançamento. Como uma lente sem foco, o espécime começa mostrando um interrogado sem seus óculos, tal sujeito já havia aparecido em sua silhueta em momentos anteriores deste ano. Sua figura finalmente ganha contornos reais e ele faz uso de alta tecnologia para praticar seus “atos”.
Mister Charles Magnussen, interpretado pelo dinamarquês Lars Mikkelsen é um sujeito frio, calculista, e sedutor, a sua maneira, que tem poderes enormes no campo das chantagens, mantendo-se acima de qualquer trivialidade humana, em suspenso, como um inatingível vilão e que só poderia ser vencido por um adversário tão altivo quanto ele, que seria, claro, o detetive de Baker Street, que consegue não ser enquadrado até completar-se mais de dez minutos de sua série homônima.
Encontrado por Watson (Martin Freeman) em um ninho de drogados, Sherlock (Benedict Cumberbatch) dá um sentido gonzo às inserções em seus casos, se drogando e levando broncas dos membros do laboratório onde trabalhava, especialmente Molly (Louise Brealey). Curiosamente, após todo esse imbróglio ele é alocado para o caso insolúvel de Magnussen, passando por cima do membro mais importante da família e antigo nome pelo qual respondia o governo britânico, a inversão de papéis obviamente irrita Mycroft (Mark Gatiss), mas o que mais surpreende é a adição de Janine (Yasmine Akram) à rotina de Sherlock, como parceira sexual. A persona de Holmes ainda guarda muitos mistérios.
Assim como na história primária, a trama do guião envolve a segurança internacional e a grande possibilidade de uma guerra de proporções catastróficas. O elegante nêmese se mostra um rival muito próximo do que chegou a ser Jim Moriarty, mas sem o seu carisma, sem a personalidade magnética. Sua capacidade de dedução chega a superar a de Sherlock, ainda que ele lance mão de itens tenológicos que elevam as suas já grandes capacidades de detecção, simbolizadas pelos óculos, um objeto comum aos homens a séculos e utilizado por qualquer um que necessite corrigir uma falha orgânica referente a um sentido básico. O cuidado do roteiro com seus signos permanece afiadíssimo e se aprimora cada vez mais. No entanto, o maior paradigma da série prossegue, pois Holmes trabalha seus casos em cima da falha humana.
O cérebro do Detetive é tão absurdamente bem desenvolvido que ele é capaz de analisar tudo a sua volta de modo muito veloz, e até retardar o que seria um ferimento fatal, tudo para prosseguir desvendando o mistério deveras incomum que se apresenta a ele. A viagem do protagonista ao porão de sua alma, simbolizado por uma sala acolchoada onde habita o seu rival falecido é uma das melhores sacadas de roteiro do seriado. É a preocupação com seu velho amigo que o faz lutar para não morrer, que ocasiona seu retorno ao mundo dos vivos.
Para o leitor atento ao estudos do cânone de Conan Doyle deve lembrar da teoria de que John Watson teria tido uma segunda esposa, após Mary Morstan ter falecido – tal teoria é subvertida para algo maior, mais dramático e penoso, envolvendo a nova senhora Watson (Amanda Abbington) como parte integrante da misteriosa teia de crimes investigada pelo detetive consultor. Tudo fica mais pessoal, mais íntimo, até o ponto em que tudo que significa algo para a dupla torna-se frio e absolutamente calculado, o que era pessoal torna-se impessoal a partir daí.
O vilão volta com ainda mais força, demonstrando uma onipotência incômoda para alguém que ocupa o cargo de “quarto poder”. O conhecimento vasto de Magnussen se mostra intransponível, até para Sherlock, e diferente dos contos canônicos, dessa vez o protagonista não está acima da trama, mas sim inserido nela, ele não consegue mais desmontar o esquema como antes fazia, ele é falho, como todos os humanos que ele tanto renegou e para vencer teve de descer ao nível dos outros seres e cometer o ato mau mais mundano e comum ao homem – o assassinato. Na triste partida de Sherlock ao exílio, ele dá o seu adeus a Watson dizendo que o jogo nunca acaba, e o que muda são os jogadores, mas antes que ele pudesse finalmente se ausentar, há uma reaparição do maior dos ardis de Holmes, aumentando e muito as expectativas para a quarta temporada, que somente será exibida em 2016.