Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.
Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.
O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.
A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.
Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.
Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.
Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.