No final da década de 90, o mundo foi infestado de reality shows de tudo quanto é espécie, mas foi ao final da primeira década dos anos 2000 e posteriormente em seus anos seguintes que um determinado tipo de reality ganhou bastante notoriedade: os de culinária. Pode-se dizer, com certeza, que programas como Hell’s Kitchen, Kitchen Nightmares (ambos estrelados pelo difícil Chef escocês Gordon Ramsey) e ultimamente Masterchef (com edições em centenas de países), foram, sem dúvida, inspirações para Pegando Fogo, que, com o perdão do trocadilho, é um prato cheio para quem gosta desse tipo de programa. Embora não haja informações a respeito, nota-se claramente a influência desses programas por toda a concepção da fita, e é justamente esse o maior demérito de Pegando Fogo. Tudo que você já viu, pelo menos uma vez, está lá, e pior, como se fosse um compêndio dos realities, porém com uma história de fundo, porque, vamos lá, se trata de um filme, certo?
Bradley Cooper vive o renomado, mas esquecido, Chef Adam Jones. Jones fez muito sucesso sendo chef em Paris, o que lhe rendeu duas estrelas Michelin, o ponto mais alto da carreira de um chef. Acontece que as drogas, a bebida e uma vida desregrada acabaram por jogar Jones na sarjeta, fazendo com que ele retornasse à América com o intuito de começar de novo. Para tanto, aplicou uma penitência em si mesmo: trabalhar num restaurante onde ele pudesse abrir um milhão de ostras, para, depois, retornar à Europa, buscando sua terceira estrela.
O primeiro ato é marcado por cenas interessantes e que rendem bons momentos, já que chegando à Europa, Jones percebe que angariou muitos desafetos e até as pessoas mais próximas o odeia, o que lhe força a fazer um tour por ambientes gastronômicos nem um pouco renomados e sem nenhuma pompa em busca de pessoas talentosas com a finalidade de montar uma equipe que lhe ajude a voltar a ser o que era. Mas primeiro, o protagonista precisa convencer o filho de seu antigo mentor, Tony, (Daniel Brühl) a lhe dar um restaurante. E mais, provar a todo custo que está livre da bebida e das drogas. A partir daqui, o filme se perde muito em sua qualidade e enredo.
Pegando Fogo retrata de forma precisa situações vividas em reality shows de culinária. Desde o chef procurando falhas nos pratos de outros restaurantes, assim como em Kitchen Nightmares, passando pela maneira grosseira de tratar seus subordinados, as incontáveis explosões de raiva de Hell’s Kitchen, até a maneira didática de Masterchef. E isso cansa, uma vez que o público já está acostumado com esse tipo de coisa. Até as tomadas de câmera são idênticas, exceto por um único momento, onde a cozinha trabalha em um belo, mas rápido, plano sequência.
O diretor do longa, John Wells, é produtor por ofício e trabalhou em diversas séries conhecidas do público, como E.R., West Wing e, mais recentemente, Shameless, mas na cadeira da direção atuou somente em alguns episódios das duas primeiras. Sua pouca experiência dirigindo programas voltados para a televisão não foi suficiente para se aventurar no cinema, e justo em um filme que aborda o tema mais comum e famoso no meio televisivo, o que é extremamente irônico. Ainda que a direção tente criar um ambiente confortável ao espectador, o roteiro de Steven Knight traz uma reviravolta no início do terceiro ato que ajuda a superar em parte tudo que o filme teve de ruim até então, uma vez que passa a prender a atenção do espectador. Porém, infelizmente, tal recurso apresenta um anticlímax e apenas tem o intuito de amenizar toda a situação ali vivida por Jones e trazer um final feliz para a história, o que é uma pena.
E não podemos esquecer as atuações de Bradley Cooper, sempre competente, ainda que em filmes fracos, e de Daniel Brühl, que, infelizmente teve seu talento desperdiçado. E o filme ainda conta com Sienna Miller e com participações especiais de Alicia Vikander e Uma Thurman.
De qualquer forma, Pegando Fogo claramente é um filme que não busca inovar um assunto tão bem retratado na televisão. É como se fosse aquela banda que sempre toca as músicas que os fãs querem ouvir. Olhando sob esse prisma, você não irá se revoltar. Vai até apreciar. Mas para o cinema, é apenas mais um filme. E só.
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Texto de autoria de David Matheus Nunes.
Da mesma forma que “Whiplash” e “Cisne Negro” são filmes que retratam um estudo de personalidade voltado à obsessão, “Pegando Fogo” também o é. A pressão e o esforço que beiram a insanidade visando a conquista do objetivo, permeado ainda pelas características mais específicas da realidade de quem trabalha com a alta gastronomia, a alta exigência técnica e a pressão constante que levaram o personagem à megalomania e culto ao individualismo. Não com tamanha profundidade e visceralidade quanto “Cisne Negro”, como dei o exemplo acima, mas ainda assim não abandona a temática.
Enfim, gentilmente discordo dessa visão “reality show com história” que você depreendeu do filme.