Em 2006, estreava Superman – O Retorno, obra de espírito antigo com um salvador bem diferente do Deus que intimida de 2016, antes incapaz de matar uma mosca, hoje análogo a um demônio quando atira seus raios-laser… O pano e o corte da capa invocam, mais do que nunca, a ostentação de um deus grego soberbo. Mas o que tudo a seguir tem a ver com os dois Superman, se da postura até a roupa tudo mudou? A resposta mais uma vez chega escondida na história.
Steve Ross, um empresário americano, adquiriu uma Warner Bros. que ainda engatinhava nos negócios, ainda em 1969. Em dois anos, bem produtivos, o cara já fazia suas aquisições para aumentar ainda mais o fluxo de grana – em meio a competição da Fox, Disney, etc. Entre empresas de videogame (Atari) e times de futebol americano (New York Cosmos), Ross fez uma bela de uma aliança com a DC Comics, vendo no elo entre a gigante do cinema, e dos quadrinhos a chance do primeiro filmão de super-heróis do Cinema: Superman, de 1978 (um homem que voa, nossa!), rendendo 300 milhões de dólares. 30 anos depois, a Disney comprava a Marvel e tudo volta ao presente…
Só que enquanto a empresa do Mickey foi a pioneira em registrar suas histórias em várias formas de marketing (parque, camiseta, canecas), a Warner do Patolino iniciou o modelo de negócios mistos, misturando suas apostas em videogame, futebol e quadrinhos para equilibrar os grandes riscos que a indústria do entretenimento traz: Duas técnicas quase ultrapassadas se feitas separadamente, sendo que hoje, com modelos já consolidados de negócio, nada mais importa que uma boa relação com os valiosos personagens de mídias vizinhas. Todo mundo quer um pedaço do grande bolo.
O que a arte (e o coração dos fãs e críticos) custa pra entender é a lógica da carteira: O que vale mais, uma história bem contada ou um Transformers que vende milhares de produtos em vários tipos de negócios, muito além do ingresso do cinema? O modelo da Disney e da Warner casaram – e continuam muito bem – graças a um mercado que não dá a mínima se a gente prefere Marvel, DC ou Turma da Mônica – ou se essa lógica prejudica adaptações como a de Watchmen, mais preocupada com suas figuras que na fantástica histórica de Alan Moore. Isso é briguinha de cachorro pequeno no fundo do quintal, inaudível aos pitbulls da casa grande, ainda que uma briga saudável em todos os pontos: Faz bem pra eles, e bem pro senso-crítico do público domesticado de shopping.
Esquadrão Suicida estreou com críticas que fizeram Homem-Aranha 3 e Batman e Robin parecer obras-primas de tão ruins (e com justiça), mas a polêmica o fez lucrar muito mais que o esperado, da mesma forma que o anestesiante Guerra Civil da Marvel lucrou pelas críticas positivas. No final, todos conseguiram pagar o aluguel, e no quintal o AU-AU continua, previsivelmente, com a certeza ainda que subconsciente por parte dos fãs (e do grande público) que Marvel, DC e seus estúdios estão migrando cada vez mais para uma operação de licenciamento de personagens, ou seja se importando mais com o que queremos assistir, do que aquilo que, em tese, precisamos consumir, do que rumo a um empreendimento a favor de novas e diferentes histórias de acordo com o economista Edward J. Epstein.
Um ótimo exemplo disso é observar como o público de hoje não tem mais paciência de assistir ou ler uma boa narrativa, se nela não estiver um vampiro bronzeado, ou um pervertido branco e milionário… Portanto, se você é super Marvete, mega DCnauta e não gosta de Transformers porque “o filme não tem história”, seja bipolar o bastante e dê um tapa na sua e na minha cara: Todos nós ajudamos a criar esse terrível monstro do “não tem história, mas tem gente diferentona”. Na verdade, são tempos difíceis quando, pra refletir sobre uma realidade, fica quase inevitável não se fazer uma crítica sobre ela… Mas se até um feriado prolongado acaba, calma que as histórias um dia voltarão a reinar. 2007 foi o ano-chave do fenômeno, com o Aranha, um pirata, um ogro, um robô e um bruxo mandando o recado: O cinema mainstream é mais das sequências, dos bonecos, e menos das narrativas boas de verdade. Ninguém quer correr grandes riscos, ninguém…
… exceto a DC – graças a Deus. Se Hollywood hoje dorme com Stan Lee e Jim Lee, deuses da nona-arte, a DC impede que um monopólio ideológico de opiniões massificadas e mais fascistas a cada ano se forme, numa indústria voltada aos mais jovens, recusando-se de “vestir” seus deuses gregos quase onipotentes com as “roupas” mais bem-sucedidas da Marvel, devido sua máquina de marketing. Por isso, nota-se em 2016 que a Marvel faz tudo para o bem dos negócios e do marketing (fazendo filmes que o público quer assistir, lucrando mais que empresa de água no Saara), e a DC para o bem da tradição dos seus personagens (mantendo sua identidade ao custo de entregar filmes de pegada ainda experimental, mas que fazem justiça tanto a identidade original da marca, quanto ao avanço dos novos tempos, daí o contraste do Super de 2006 com esse, dez anos depois) – duas iniciativas respectivamente quase opostas daquilo que Disney e Warner um dia, já apostaram. Tudo mudou, e vai mudar ainda mais, mas relaxa que vai ser difícil não mudar ao nosso favor… Nas nossas relações sociais, mimo demais só é bom pra quem precisa controlar o gado; deixar bem mansinho…
Portanto obrigado, DC, por mostrar o Batman tirando sangue dos criminosos, e valeu Marvel, por não mostrar o Capitão América fazendo a mesma coisa. E por que eu não agradeço a Deadpool? Porque apesar de estar longe de ser um filme perfeito (e existe alguma obra perfeita, oráculo?), de acordo com Tim Wu e o ótimo livro Impérios da Comunicação, da editora Zahar, “perfeição e liberdade nunca foram totalmente compatíveis”. Então valeu Marvel, e principalmente, DC. Continuem longe uma da outra, dando a falsa impressão de competição, girando a roda, cada uma na sua estrada, mesmo que nenhuma delas leve ao verdadeiro Cinema que nos oferecem e nos vendem, sem medo de promover bonecos dos Vingadores em prol de alimentar grandes propagandas enganosas.