Todas as resenhas que li sobre um quadrinho do Alan Moore tinham uma irritante mania de dizer sobre o autor e suas mais variadas obras e como ele mudou o mundo dos quadrinhos. Sinceramente, se alguém se interessou por ler uma resenha sobre um quadrinho chamado Promethea é que já tem a noção de quem é Moore e o que ele produziu, enfim, vamos parar de puxar o saco dele.
Porém, não estamos aqui para ficarmos no lugar comum e falar do óbvio, mas sim de um gibi que justamente foge disso, e nos proporciona uma leitura sensacional e também complexa em determinados momentos. Promethea se trata de um quadrinho sobre as aventuras e descobertas de uma heroína que tem por principal característica a possibilidade de se manifestar de tempos em tempos e de diferentes maneiras, cada qual com a sua própria personalidade e peculiaridades próprias.
Aliás, este se trata do primeiro ponto a ser tratado aqui, os poderes e a manifestação do personagem são muito interessantes. Imagine como uma lenda que é revisitada de tempos em tempos, como que redescoberta pelas pessoas, ou melhor, pense como nos quadrinhos de heróis e como eles se manifestam de acordo com aqueles que o estão interpretando. O Batman do Frank Miller é bastante diferente daquele apresentado pelo Neal Adams, ou mesmo do próprio Alan Moore, que já deu a sua contribuição para o personagem. Cada qual trabalha sobre uma essência comum, mas contribuindo com especificidades. E de acordo com a força crença da pessoa na lenda de Promethea, ela pode se tornar a própria encarnação da mesma. Porém, a partir de algum tipo de arte, poetas, desenhistas, estudiosos, enfim, todos estes artistas que contribuem para a construção da lenda e da sua personificação, podem vir a sê-la. Como um tipo de escolhido. Essa origem incomum já se trata de algo especial e muito interessante para a HQ, que busca trabalhar esse conceito e mostrar a adaptação do “novo hospedeiro” para a heroína, além de nos apresentar as outras Prometheas do passado.
Mas não pensem que a HQ para por aqui, apenas na exploração de um interessante conceito, mas tem na diversificação de temas e abordagens outro ponto forte. Como, por exemplo, a mostra de outras culturas, apresentação de assuntos ligados ao ocultismo e até mesmo personagens ligados a magia (sim, o barbudinho não podia perder a oportunidade). É impressionante como o quadrinho trata a questão da simbologia e o significado de vários elementos místicos em toda a sua trajetória. Inclusive, aqui se deve destacar a primorosa arte de J.H. Williams III e também do colorista Mick Gray, que estão em estado de graça. Fundamental entender a sintonia com que os três trabalharam para proporcionar um produto final exemplar. O quadrinho perderia muito com uma arte menos requintada.
Além disso, também se deve destacar outras questões bastante relevantes como o papel que as mulheres desempenham em toda a história. Em tempos de discussão sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, Promethea nos apresenta uma série de mulheres de personalidade forte que são as protagonistas da trama. Não espere donzelas em perigo, pois não há esse tipo de situação aqui. Aliás, esse é um dos pontos fortes, uma vez que o tema e a presença feminina são feitas de forma natural, em outras palavras, não são mulheres artificiais, mas mulheres comuns que se tornam Promethea.
Há que se levar em consideração também como Alan Moore estabelece uma crítica e faz uma viagem pela própria História dos quadrinhos neste primeiro volume, pois uma parte da narrativa é conduzida para a Era de Ouro, tanto em termos literais quanto figurativos, e a outra demonstra uma violência e atitude mais década de 1990, lembrando a Image daquele momento. E a pegada e ritmo da narrativa ficam parecidas com cada uma dessas temporalidades que ele aborda, o que faz com que fique muito curiosa e variada a forma de se perceber a construção e velocidade com que as coisas se desenvolvem na trama.
E também é bastante interessante como Alan Moore quebra a quarta parede (confesso não gostar dessa expressão, mas na falta de algo melhor fica essa mesmo) e estabelece uma ligação com o leitor, pois ele faz isso de forma sutil e quase imperceptível, o que é bastante louvável. Em tempos que pessoas elogiam Deadpool por supostamente fazer isso, digo supostamente, pois é tão grosso, ruim e descarado que perde o sentido de diálogo e aparenta ser mais um monologo, seria fundamental que leitores conhecessem essa abordagem de forma mais elegante e decente. Trata-se de mais um ponto extremamente positivo.
Enfim, confesso que há muito não era surpreendido por uma HQ que merece várias releituras e que apresenta uma enormidade de temas e possíveis abordagens, a leitura e aquisição é mais do que recomendada. E ansioso pelo segundo volume.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.