Se à primeira vista contar uma nova versão de uma história, tão amplamente difundida quanto a de Tarzan, possa parecer desperdício de tempo e dinheiro, bastam os quinze primeiros minutos do novo filme dirigido por David Yates (Harry Potter e as Relíquias da Morte) para entender que este novo produto não se trata de um reboot – tão pouco de um remake – mas de um novo episódio da história do personagem.
A Lenda de Tarzan narra um retorno do herói às terras do Congo, onde foi criado por uma civilização de primatas e, posteriormente, cresceu em uma tribo humana local. O longa inicia com uma bela construção e apresentação do antagonista, vivido por Christoph Waltz. O ator interpreta um mercenário que cria um plano para levar o herói de volta ao Congo com o objetivo de trocá-lo por pedras preciosas. É interessante notar aqui o momento em que o roteiro aproxima o protagonista da figura animal. A ideia de uma espécie rara ser trocada por ouro ou pedras preciosas é bastante comum, sobretudo no continente africano. A escolha por essa saída como motivação para a vilania, apesar de óbvia, acaba se encaixando muito bem neste universo específico.
Chama atenção o carinho com que o personagem de Waltz foi tratado: a cena introdutória nos revela muito sobre este homem. Seu jeito de andar, de falar, a maneira hábil com que transforma um rosário em uma arma letal, tudo está presente com um requinte que raramente é aplicado aos antagonistas.
Alexander Skarsgärd, que levantou muitas suspeitas ao ser escalado para o papel principal, entrega um trabalho honesto, mas nada além disso. É fato que a estrutura física imponente do ator facilita um pouco o seu trabalho, mas não é justo menosprezar a empreitada inglória de dar vida para um personagem tantas vezes retratado anteriormente.
É preciso mencionar o belo trabalho desempenhado por Dijimon Hounsou (Diamante de Sangue e Gladiador) como chefe de uma civilização congolesa que “encomenda” a emboscada para capturar o herói. O ator há anos vem mostrando um excelente desempenho em papéis pequenos, e não é diferente aqui. É curioso como nesses momentos Hollywood sempre recorre a este “lugar seguro”, mas falta reconhecê-lo oferecendo um papel em que possa ser mais que um mero coadjuvante.
Tecnicamente falando, o longa-metragem sofre dos mesmos problemas apresentados por obras anteriores do diretor. David Yates tem uma predileção irritante por imagens excessivamente escuras. Vimos isso nos últimos filmes da saga Harry Potter. A questão é que A Lenda de Tarzan possui imagens tão escuras que chegam a ser granuladas. Junte isso à tecnologia 3D e o resultado é uma experiência visual desastrosa.
A trilha sonora do filme não chega a ser ruim, mas também não empolga. As músicas, apesar de boas individualmente, não constroem uma identidade. Existem alguns erros grotescos de continuidade que não comprometem o andamento da trama, mas que sangram os olhos dos espectadores mais atentos. O tempo de tela, apesar de longo, não incomoda. Como o roteiro trabalha em uma crescente, a experiência acaba sendo agradável.
Os principais pontos positivos são as atuações de Samuel L. Jackson e Margot Robbie. O primeiro cumpre com maestria a função de alívio cômico. É impressionante como L. Jackson consegue gerar empatia em qualquer papel que caia em seu colo. Já Robbie é de longe a melhor em cena. A atriz, de fato, está muito além de ser só um belo rosto. São dela as melhores sequências e as melhores falas. Ponto para o roteiro que fugiu do óbvio ‘donzela em apuros’ e entregou uma heroína badass, como vem acontecendo nos últimos anos em Hollywood.
O maior problema do filme é o fato de ele reforçar algo que há muito precisa ser quebrado na sociedade. Temos a África como cenário, tribos africanas como personagens, mas o dia é salvo por um herói branco. É claro que Tarzan segue a premissa original do personagem criado em 1912 por Edgar Rice Burroughs, mas é impossível não reparar que em pleno 2016 temos mais uma obra que reforça esse arquétipo da supremacia branca.
À parte isso, o longa-metragem não merece um lugar de destaque e dificilmente será lembrado com muito carinho num futuro próximo, mas está longe de ser um produto ruim, não merecendo a péssima bilheteria de entrada que fez nos EUA.
–
Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.