Saudosismo é um sentimento que deveria remeter a bons momentos, normalmente vividos por duas ou mais pessoas, mas também pode compreender a imaginação do que seria uma vida ideal, ou uma postura que deveria ter sido tomada há muito. É baseada na segunda hipótese em que está a trama de Será Que?, a nova comédia romântica fofinha/indie/hipster de Michael Dowse, que apresenta um casal de jovens, Wallace e Chantry, que se conhecem de modo curioso e que produzem uma amizade platônica a partir dali, claro, com uma evidente tensão sexual, mas que prossegue sem ser concluída.
O carisma dos personagens é garantido de modo quase automático, graças aos seus interpretes – Daniel Radcliffe e Zoe Kazan – reunindo até alguns ecos de alguns de seus personagens anteriores. A falta de ação de Wallace lembra muito a persona eternamente adolescente de Harry Potter, ainda que de sua boca saiam mais palavrões e sacadas mais maduras que a do bruxinho, mas a falta de traquejo com seres do sexo feminino prossegue, tanto que o personagem permite que seu próprio potencial caia indiscriminadamente na mítica friendzone.
O modo como os dois “pombinhos incompreendidos” agem corre inteiro pelo modus operandi dos superestimados e inconscientemente pretensiosos membros de nicho, que usam armações de óculos gigantescas e camisas xadrez, amando objetos artísticos não populares, louvando um modo de vida alternativo unicamente por ser alternativo, praticamente nem discutindo a qualidade do que consomem. E depois de 500 Dias Com Ela, uma comédia romântica para homens, e de tantas outras voltadas a outros nichos, essa agora tenta alcançar os fãs vazios de Pedro Almodôvar e quiche, emulando os diálogos hiper-verborrágicos de Woody Allen para dar volume a obra, mas sem banalizá-la por completo, apesar do vício linguístico claro.
A aproximação dos dois é lenta por causa do compromisso de Chantry, apesar que desde antes do filme começar, já ficar evidente que o guião tratará de juntar os dois jovens. Todas as interações dos adolescentes envolvem muita química e uma inevitável vontade de que as peles se toquem e que todo o circo de sensualidade e inter-curso sexual finalmente ocorra, sempre esbarrando na condição de namoro a distância e de um comprometimento que nunca consegue se concluir em si. A carência une e atrai os dois, como mosquitos em direção a uma luminária mata-insetos.
A situação vai se complicando com a intimidade chegando sem a possibilidade de coito. Os amigos começam a ser confidentes, adentrando numa intrínseca narrativa de segredo com alta confiança, e cada vez à distância do tão esperado enlace entre os dois. O paralelo visto entre o medo de se entrelaçar com o par – lê-se casamento – e o modo pomposo de se vestir em um casório, dito por Nicole (Mackenzie Davis) serve como alegoria a um dos maiores temores da vida adulta, inclusive cooptando as inseguranças de Wallace em finalmente se lançar em direção ao sentimento que tem por sua musa, e, claro, a evasão dos namoros sempre que as coisas começam a dar errado.
As agruras pelas quais Wallace passa para reencontrar sua alma gêmea envolve uma série de fatos bastante nonsense, com provas de amor que cortam o globo terrestre e envolvem pensamentos e atitudes inconsequentes, que não são encaradas com a expectativa que ele tinha. A vida adulta mais uma vez exibe sua face cruel, frustrando seus desejos de finalmente ser um com sua amada.
Será Que? Possui uma necessidade menor de paciência por parte do público masculino, que não fica completamente estafado com o resultado final, mesmo com todas as fórmulas e estratagemas repetidos de filmes como Ruby Sparks. O modo singelo como tudo é tratado neste microuniverso exala sensibilidade, medo e receio de que a modernidade e a rotina matem a possibilidade de romance, ainda que no desfecho haja um momento açucarado, como o gênero mesmo pede, até por motivos comerciais. A sensação após o ao apagar inicial das luzes é semelhante a da letra de Provas de Amor, dos Titãs, que em seus versos, afirma que “Existem provas de amor… Não existe o amor“, remetendo ao sentimento de Chantry, que sempre tenta ir até o final de seus relacionamentos, mas acaba optando por seguir sua vida com o outro protagonista da fita, na demonstração de evolução mais palpável de ambos personagens.
Quando assisti até pense que a Zoe também fez o roteiro pela semelhança com o Ruby Sparks. Talvez se fosse seria até melhor, mostraria uma proposta dela como roteirista.
É, tem algumas semelhanças no romancezinho, ainda que este seja bem menos metalinguistico que Ruby Sparks, além de ser mais docinho e um pouco mais adulto, apesar de tudo.