Após a tentativa fracassada de golpe de estado vista no volume anterior, a poeira parece ter se assentado em Woodbury. Lilly Caul se mostra resignada com sua vida nesse terrível mundo novo e, talvez, até disposta a acreditar e aceitar a visão de seu líder. Phillip Blake, por sua vez, exerce tranquilamente seu comando sobre a cidade, já que é amado pela maioria da população, e seus poucos opositores baixaram a bola. Porém, tal tranquilidade é a clássica calmaria antes da tempestade. Publicado pelo selo Galera da Editora Record, A Queda do Governador – Parte Um é o início do fim para o mais icônico vilão do universo de The Walking Dead.
Neste terceiro capítulo da saga literária, os autores Robert Kirkman e Jay Bonansinga apresentam uma espécie de fusão dos dois anteriores, resultando numa história de altos e baixos, ligados diretamente aos dois protagonistas. Diferente de O Caminho para Woodbury, todo baseado no conflito entre Lilly e o Governador, desta vez os dois mal se cruzam e seguem, na verdade, jornadas paralelas. E mais uma vez os segmentos do segundo são infinitamente mais interessantes.
Lilly surge mais decidida, mais durona, deixando de lado a faceta insossa e choramingante vista antes. E o fato dela cogitar a possibilidade de Blake estar certo, afinal, não deixa de ser uma triste ironia, pois ela não vê o tirano gradativamente perder o controle e passar dos limites. Mas essa “nova Lilly” dura pouco: logo ela realiza autoquestionamentos tediosos e superficiais, motivados por seu namoro água-com-açúcar com o jovem Austin Ballard. Argumento e condução dignos de romances juvenis e que destoam da tensão e brutalidade presentes na outra trama do livro.
O volume anterior terminou com a mensagem de que a psicopatia é algo necessário para a sobrevivência no cenário pós-apocalíptico. Agora, este conceito é expandido e, de certa forma, quebrado. Fica claro que não há como confiar numa imprevisível mente perturbada; qualquer suposto controle é ilusório e temporário. O Governador se mostra disposto a tudo para preservar seu poder. Alegando agir em nome da “segurança da comunidade”, basta a mais leve suspeita, ou simples aborrecimento, para levá-lo a matar inocentes. Ou pior: se antes seus atos eram justificáveis, ou quase, agora esta linha foi irremediavelmente cruzada. E o karma chega rapidamente, na forma de uma figura muito conhecida pelos fãs de The Walking Dead.
Com o aparecimento de Rick, Glenn e Michonne em Woodbury, o livro cruza com a mídia principal da franquia, os quadrinhos. Alguns eventos já conhecidos são mostrados sob outro ponto de vista, enquanto outros são apenas rapidamente mencionados. Isso pode ser confuso para quem não leu as hqs, ou mais ainda para quem tem como referência apenas a série de TV, dadas as consideráveis diferenças na adaptação. De qualquer forma, o cruzamento funciona a contento. Como o foco é o Governador, os novos personagens são aqui breves coadjuvantes. Exceção feita, naturalmente, à Michonne.
A carismática personagem é muito bem retratada no livro, que acentua suas principais características. Ela é misteriosa, inquietante, passa um ar selvagem, é quase uma força da natureza. E, a seu modo, tão assustadora quanto Blake. Além disso, vingança é uma das motivações mais simples do mundo. Para a maioria das pessoas, é fácil de entender e concordar com atos extremos praticados em nome desse sentimento. Pois, através da interação entre Michonne e o Governador, essa noção do olho por olho como algo aceitável é testada.
Detalhando em descrições macabras aquilo que o quadrinho deixou subentendido e o seriado ignorou, o desfecho do livro é um torture porn de causar inveja em filmes como Jogos Mortais e O Albergue. Nada gratuito, porém. O contexto para os eventos é bem desenvolvido – o que não diminui em nada o impacto da coisa. Ao final, fica a perturbadora certeza de que a linha entre mocinhos e bandidos é muito tênue naquele mundo, quase uma questão de simples ponto de vista.
Agradando e irritando na mesma medida, A Queda do Governador – Parte Um é uma leitura rápida, até por ser mais curto que seus antecessores (265 páginas). Servindo essencialmente como aquecimento para o grande final, o livro prova mais uma vez que The Walking Dead é uma história sobre pessoas (tanto que é possível concluir uma análise sem mencionar a palavra com Z). E que, para narrativas desse tipo funcionarem, é preciso que os personagens sejam cativantes. Resta conferir se Lilly Caul aproveitará a nova chance para mostrar a que veio, ou se a conclusão da saga valerá a pena mais uma vez por causa de Phillip Blake, vulgo O Governador.
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Texto de autoria de Jackson Good.