A fantasia de Richard Junkin começa por seu passado, um tempo somente citado pela memória história de Brian Azzarello. O clima noir é cortado pela narração em primeira pessoa, exibindo luxúria e desgosto pela atual rotina, distante demais dos tempos áureos de quando o personagem tinha uma promissora carreira esportiva a queimar.
A chegada ao local de trabalho é melancólica. Segue-se uma reprimenda que o afasta das imagens sexuais e o faz retornar ao seu lugar de direito, como um capacho, péssimo vendedor que era. Seu patrão Helm Soeffer pede para que ele se exiba para um possível cliente, um fã ávido por futebol americano que narra as marcas e recordes que ele tinha no desporto, esmagando sua moral em virtude do seu presente. O joelho, peça quebrada em sua equação, é tão esfolado e esmigalhado quanto sua alma, quebrada, sem uso, somente funcional para a sustentação de um homem que tão cedo já se vê como um alguém decadente, que vê na esbórnia um modo de aplacar sua depressão.
A cercania de Junk é formada por indivíduos medíocres e sem planos muito elaborados além das banais vendas de carros para suburbanos. Isso faz com que o protagonista piore sua perspectiva de existência, afirmando que a vida parece não lhe reservar mais qualquer coisa. A propensão para o suicídio parece querer saltar de seus lábios antes mesmo do chamado à aventura. Após quase ser demitido, Junk tem mais uma chance de se redimir, sendo designado para um inglório serviço: cuidar da mimada (e boêmia) Vicki, que mais frequenta as páginas de coluna social do que qualquer outra roda de conversa, o que claramente atrapalha as vendas da concessionária.
A missão de Junkie é a de evitar que Vicki seja matéria da imprensa e para que ela não se meta em apuros ou indiscrições. As ordens dadas por seu pai exibem as baixas expectativas do personagem em relação a uma mudança de comportamento da garota. Ao frequentar a primeira das baladas de Vickie, o encarregado esbarra em algo que odeia; todo aquele cenário repleto de subcelebridades e personagens presentes em colunas de fofoca exalavam futilidade e vazio, e eram exatamente da parte informativa do jornal que ele propositalmente ignorava, ainda que não pudesse negar o conhecimento da identidade de algumas delas. De todas as socialites, Victoria se destacava por ser herdeira do maior negócio de carros do nordeste estadunidense, e também por sua persona.
A mulher fatal acumula o papel como alvo da proteção do anti-herói. A principal tentação aos olhos e tato de Junkie dentro de sua jornada é a moça, que teima em praticar suas indiscrições e ainda se exibir a ele, mostrando seus dotes que se distanciam da figura de menina pintada por seu pai. Os encantos da moça excedem o arquétipo de ninfeta e de presa sexual para apresentar uma manipulação mental atroz em que se reúnem o senso de proteção e o desejo por sua carne, como se ambas as sensações fossem sinônimas, o que acaba saindo do campo de ideias para invadir a realidade.
O desenho de Victor Santos consegue exibir a violência de modo simples e bastante gráfico. O realismo do asfalto é bem enquadrado, permitindo ao leitor uma imersão quase impenetrável.
Uma gangorra de emoções, Junkie dá vazão ao seu desejo, servindo aquela a quem deveria proteger em instâncias bem maiores que sua obrigação contratual. A vontade em prosseguir usufruindo do corpo da moça o embevece, deixando-o cego ante os desejos de Victória e perdendo o critério ao vê-la ferida. Mesmo os seus instintos básicos eram enganados. Os atos finais mostram o papel subalterno que ele escolheu para si, evidenciando uma ilusão travestida de auto-engano. O engodo interno criado para que a sensação de rejeição e certeza de estar sendo usado caracteriza-se por sensações aplacadas numa tentativa pobre e fracassada de fechar os olhos para realidade, inventando uma nova para si mesmo.