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  • Resenha | Minha Experiência Lésbica com a Solidão

    Resenha | Minha Experiência Lésbica com a Solidão

    Uma autobiografia sem censura, melancólica, engraçada e confessional, assim é o mangá Minha Experiência Lésbica com a Solidão. A publicação lançada no Brasil pela New Pop mistura momentos de tristeza e humor de constrangimento. É bastante direta e sem receio de chocar seus leitores.

    Na trama, a autora Kabi Nagata fala sobre seu primeiro relacionamento sexual, em contato com uma garota de programa lésbica. Já nas primeiras páginas há uma tentativa  tímida de ação sexual, emulando a condição de personalidade igualmente retraída da protagonista, em que ela assume não ter nenhuma experiência com flerte ou algo que o valha do alto de seus 28 anos idade. Além de sérios problemas de aceitação, a personagem dá sinais de desejo suicida, e como tem grandes dificuldades em dar vazão a sua libido, sente-se assexuada.

    O trabalho de Nagata conversa com o documentário em quadrinhos Virgem Depois dos 30, ao mostrar aqueles que se enxergam ou como assexuados ou como parte de um dos grupos minoritários LGTQ +. Eembora o caráter dos dois mangás seja completamente diferente em abordagem e forma, tendo em comum a repressão sexual dos jovens adultos japoneses.

    O modo como a narrativa trata o transtorno de ansiedade e depressão é acertada sobretudo pela leveza com que é conduzida. Como o tema é pesado, não é preciso apelar a isso em sua narrativa. O estado emocional conturbado se manifesta em feridas no corpo que não saram graças a baixa imunidade da personagem-autora que não subestima essa condição. A ansiedade é mostrada de maneira crua e pesada, assusta o leitor, principalmente, quando se aborda os transtornos alimentares. Unir esse aspecto à condição inquieta da personagem é uma boa alternativa para tornar o drama mais real e tangível. Por mais estranhos que os dramas da mangaká possam parecer, eles são reais.

    Os poucos momentos em que a moça tem alguma sensação que meramente a lembre da plenitude é  quando aceita cumprir seu desejo e obsessão: o corpo feminino. A evolução da admiração pelo feminino transita de uma sensação quase lúdica para uma pulsão sexual. E o uso da carência como estímulo para a tal descoberta é bem conduzida. A chave do humor passa a ser mais presente no último terço da trama. Para a personagem, escrever é uma forma de catarse ainda mais ousada que a tentativa de viver.

    Assim, Nagata expressa sensações e sentimentos travados em si, e observar o retorno emocional de seu trabalho faz sentido para sua alma atribulada, mesmo que essa plenitude não freie por completo os frequentes pensamentos suicídas. De certa forma, sua publicação serve também como uma espécie de terapia de grupo, uma vez que suas angústias compartilhadas servem como um desabafo terapêutico.

    Compre: Minha Experiência Lésbica com a Solidão

  • Resenha | O Jardim das Palavras

    Resenha | O Jardim das Palavras

    O Jardim das Palavras (Kotonoha No Niwa) é um média-metragem de animação dirigido pelo aclamado diretor japonês Makoto Shinkai (leia nossa crítica aqui). Posteriormente, a obra foi adaptada em mangá. É sobre esta adaptação que iremos falar hoje.

    O colegial Takao Akizuki tem o sonho de se tornar um sapateiro. Obstinado por seu objetivo, chega a trabalhar em vários bicos para conseguir dinheiro para comprar materiais e seguir com seus projetos. Em um dia chuvoso, Takao resolve cabular aula e vai a um calmo parque sentar-se em um banco, cercado de natureza. Naquele mesmo local está sentada uma mulher cerca de 12 anos mais velha bebendo cerveja.

    Aparentemente ela está faltando trabalho. Os dois iniciam uma conversa tímida e, por diversos outros dias, irão se reencontrar naquele mesmo local em dias chuvosos. Aos poucos, Takao começa a nutrir um sentimento por aquela mulher. Não sabemos se a recíproca é verdadeira. Mas os dois ficam cada vez mais próximos. E a chuva sempre presente.

    É preciso salientar a enorme beleza da arte do mangá. Para quem assistiu ao filme, sabe que o aspecto visual é de cair o queixo, algo comum nos filmes de Shinkai. O traço de Midori Motobashi honra essa qualidade com folga. Além dos personagens muito bem retratados, os cenários recebem um cuidado excepcional. E mais, não se poupou esforços para que grande parte dos quadros tivesse cenário, ponto muito positivo. O cuidado e delicadeza da arte fazem jus à história em si, que retrata de forma bonita e sóbria o relacionamento de duas pessoas comuns. E ao longo da obra, podemos conhecer um pouco mais a história daquela mulher desconhecida.

    O mangá optou por ter poucos balões de fala em cada quadro, mantendo um ritmo fluido de leitura para se aproximar do filme. Mesmo que sua leitura seja rápida, ela provavelmente será interrompida inúmeras vezes para admirar os belíssimos quadros  que Motobashi desenhou com tanto esmero.

    O cerne da história é simples, consistindo em um relacionamento. Porém,  a habilidade de Shinkai em trazer histórias simples com diversos elementos interessantes e alto nível de sensibilidade dão um charme todo especial à obra. Os dois personagens centrais são muito bem retratados, cada um em seu nível de maturidade, problemas pessoais e aspirações futuras. Takao será uma espécie de luz na vida dela, que há tempos perdeu a motivação profissional.

    Esta adaptação em mangá mostrou-se um excelente produto que vale a pena ser conhecido, mesmo por quem já assistiu ao filme. Publicado no Brasil pela NewPOP em volume único, papel branco de ótima qualidade e páginas iniciais coloridas.

    Compre: O Jardim das Palavras.

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  • Resenha | A Rica Indecente (Vertigo Crime)

    Resenha | A Rica Indecente (Vertigo Crime)

    A Rica Indecente - Azzarello

    A fantasia de Richard Junkin começa por seu passado, um tempo somente citado pela memória história de Brian Azzarello. O clima noir é cortado pela narração em primeira pessoa, exibindo luxúria e desgosto pela atual rotina, distante demais dos tempos áureos de quando o personagem tinha uma promissora carreira esportiva a queimar.

    A chegada ao local de trabalho é melancólica. Segue-se uma reprimenda que o afasta das imagens sexuais e o faz retornar ao seu lugar de direito, como um capacho, péssimo vendedor que era. Seu patrão Helm Soeffer pede para que ele se exiba para um possível cliente, um fã ávido por futebol americano que narra as marcas e recordes que ele tinha no desporto, esmagando sua moral em virtude do seu presente. O joelho, peça quebrada em sua equação, é tão esfolado e esmigalhado quanto sua alma, quebrada, sem uso, somente funcional para a sustentação de um homem que tão cedo já se vê como um alguém decadente, que vê na esbórnia um modo de aplacar sua depressão.

    A cercania de Junk é formada por indivíduos medíocres e sem planos muito elaborados além das banais vendas de carros para suburbanos. Isso faz com que o protagonista piore sua perspectiva de existência, afirmando que a vida parece não lhe reservar mais qualquer coisa. A propensão para o suicídio parece querer saltar de seus lábios antes mesmo do chamado à aventura. Após quase ser demitido, Junk tem mais uma chance de se redimir, sendo designado para um inglório serviço: cuidar da mimada (e boêmia) Vicki, que mais frequenta as páginas de coluna social do que qualquer outra roda de conversa, o que claramente atrapalha as vendas da concessionária.

    A missão de Junkie é a de evitar que Vicki seja matéria da imprensa e para que ela não se meta em apuros ou indiscrições. As ordens dadas por seu pai exibem as baixas expectativas do personagem em relação a uma mudança de comportamento da garota. Ao frequentar a primeira das baladas de Vickie, o encarregado esbarra em algo que odeia; todo aquele cenário repleto de subcelebridades e personagens presentes em colunas de fofoca exalavam futilidade e vazio, e eram exatamente da parte informativa do jornal que ele propositalmente ignorava, ainda que não pudesse negar o conhecimento da identidade de algumas delas. De todas as socialites, Victoria se destacava por ser herdeira do maior negócio de carros do nordeste estadunidense, e também por sua persona.

    A mulher fatal acumula o papel como alvo da proteção do anti-herói. A principal tentação aos olhos e tato de Junkie dentro de sua jornada é a moça, que teima em praticar suas indiscrições e ainda se exibir a ele, mostrando seus dotes que se distanciam da figura de menina pintada por seu pai. Os encantos da moça excedem o arquétipo de ninfeta e de presa sexual para apresentar uma manipulação mental atroz em que se reúnem o senso de proteção e o desejo por sua carne, como se ambas as sensações fossem sinônimas, o que acaba saindo do campo de ideias para invadir a realidade.

    O desenho de Victor Santos consegue exibir a violência de modo simples e bastante gráfico. O realismo do asfalto é bem enquadrado, permitindo ao leitor uma imersão quase impenetrável.

    Uma gangorra de emoções, Junkie dá vazão ao seu desejo, servindo aquela a quem deveria proteger em instâncias bem maiores que sua obrigação contratual. A vontade em prosseguir usufruindo do corpo da moça o embevece, deixando-o cego ante os desejos de Victória e perdendo o critério ao vê-la ferida. Mesmo os seus instintos básicos eram enganados. Os atos finais mostram o papel subalterno que ele escolheu para si, evidenciando uma ilusão travestida de auto-engano. O engodo interno criado para que a sensação de rejeição e certeza de estar sendo usado caracteriza-se por sensações aplacadas numa tentativa pobre e fracassada de fechar os olhos para realidade, inventando uma nova para si mesmo.

  • Resenha | Metrópolis – Osamu Tezuka

    Resenha | Metrópolis – Osamu Tezuka

    Metropolis - Tezuka - NewPop

    Leitores de mangá que surgiram em meados de 2000, com os lançamentos da Conrad e JBC, aguardaram muito tempo para conhecer a obra de Osamu Tezuka. Seu nome era citado como referência máxima dos quadrinhos japoneses, mas, na época, salvos A Princesa e o Cavaleiro e a coleção em livros de Buda, pouco material recente do autor havia no mercado.

    Desde 2010, a editora NewPOP vem lançando os trabalhos deste grande escritor e desenhista. Se hoje o estilo é conhecido pelas revoluções de Tezuka, é necessário retornar ao princípio para compreender quais foram as mudanças.

    Publicado em 1948, Metrópolis é um exercício futurista do mangaká. Embora haja um filme homônimo de 1927, o mangaká nunca o assistiu. Mas a imagem de um cartaz da produção foi o suficiente para inspirá-lo a produzir sua história.

    O ano é 19xx. A ausência de um número específico oferece um sentido universal à história em qualquer futuro. O Dr. Yorshire Bell faz a introdução da trama por meio de uma aula sobre a evolução das espécies desde os dinossauros. Aponta avanços da ciência durante os anos e como estes podem ser destrutivos ao homem.

    Em Metrópolis, a polícia procura o temido Duque Red, líder de uma gangue infiltrada em uma conferência de cientistas. Red conhece o Dr. Charles Lawton, pesquisador de formas de vida criadas a partir de células sintéticas, e obriga-o a gerar uma criança a fim de transformá-la em criminosa. Após produzi-la, ciente do potencial destrutivo de sua cria, o cientista ateia fogo em suas instalações e foge com Michi, uma criança artificial com superpoderes.

    O futuro é apresentado pelo autor de maneira bem-humorada. O apelo é mais voltado ao público infantil do que ao juvenil, como uma história para os infantes adentrarem o mundo da ficção científica. A presença do humor nonsense traz leveza ao argumento, demonstrando a intenção de Tezuka em, mesmo em se tratando de um assunto sério, permeá-lo com linhas suaves.

    A narrativa tem estilo dinâmico e a composição de seus quadros e desenhos, hoje tão comum em qualquer mangá, foi um grande diferencial na época de seu lançamento. O escritor e desenhista não se preocupa em realizar cortes abruptos entre uma página e outra, dando um dinamismo invejável à história. O traço simples e eficiente é composto por muitos quadros em ângulos diferentes do tradicional, e, além de produzir estranhamento no leitor, favorece a percepção quase cinematográfica do enredo.

    Ao contrário de diversas publicações seriadas intermináveis, Metrópolis foi lançado em um único tomo. A brevidade da obra e o talento evidente de Tezuka são pesos que fazem desta obra mais atrativa do que muitas outras no mercado editorial.