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  • Crítica | Sleeping Beauty (2014)

    Crítica | Sleeping Beauty (2014)

    Hollywood é conhecida como o ponto máximo da elevação do sonho de fama, dinheiro e talento. Essa questão se estende para todo o cinema, e a busca incessante por tais coisas faz com que produtores lancem qualquer obra, especialmente quando esta pode ter seu nome atrelado a uma produção dantesca. Como 2014 seria o ano de lançamento do blockbuster de Angelina Jolie, Malévola, a produtora Asylum decidiu então usar do conto dos Irmãos Grimm para apresentar a sua ostentosa versão de A Bela Adormecida, ainda sem nome no mercado nacional, que conta com a direção do possante ator Casper Van Dien, a estrela de Tropas Estelares, que além de dirigir, ainda faz o Rei David.

    A história não guarda qualquer mistério para os que conhecem o clássico da Disney, ainda que o curioso roteiro de R. Dessertine e Van Dien contenha algumas ótimas mudanças. Para cortar custos, o anúncio do nascimento de Dawn foi ao ar livre, a mercê de qualquer ataque dos inimigos. A opositora, Rainha Tambria (Olivia d’Abo), se ofende por não ter sido convidada e ataca as mulheres que seriam as fadas madrinhas. As tais mulheres evaporam.

    Logo após a épica batalha, a princesa é mostrada na adolescência, onde é vivida por Grace Van Dien, (sim, o sobrenome não é uma coincidência), em uma cena onde a moça analisa o próprio quarto e toda a mobília barata (e pintada de dourado) que a compõe, nota-se a mão do diretor, com cenas filmadas em travelling, sendo o recurso algo banal, completamente desnecessárias à trama, mas que demonstram todo o domínio da linguagem que ele tem.

    Em um baile como outro qualquer, um jovem menino pede para dançar com a princesa e os felizes pais a deixam ir, sem qualquer reprimenda, e como todos os signos óbvios demonstram, ela é engodada pela feiticeira maligna, que além de fazer a mocinha dormir, ainda consegue fazer toda a corte cair em sono profundo. Após tentar assassinar seus desafetos, ela é impedida, pelo contra-feitiço que as fadas mortas deixaram. Tudo faz sentido, quando o guião é bem construído. Como esse não é o caso, as situações tornam-se engraçadíssimas, o que poderia ser atrelado a algo involuntário, mas se analisado o currículo da Asylum, todo o estratagema insano é justificável.

    Uma outra subtrama é apresentada após apenas 20 minutos de filme. O relógio avança cem anos no futuro, sem qualquer necessidade ou construção dramática – até por que esta não é a prioridade do conto. Barrow (Finn Jones) um camponês maltrapilho é mostrado como um homem sempre humilhado por sua majestade, até que tropeça em um mentor, que lhe conta a lenda da princesa adormecida e do seu reino, largado às traças e à maldição das fadas e das rainhas. Um novo chamado a aventura é logrado, de uma forma extremamente esdrúxula, unindo uma força tarefa totalmente heterogênea e incombinável.

    O que poderia ser um fiasco tremendo, se mostra um momento épico, pois o grupo, ao tentar passar por uma lagoa, cujas bordas estão pavimentadas, é atacado por um monstro reptiliano marinho gigante, feito com o melhor CGI que poderiam construir. A cena de combate é tão ruim que se torna o melhor momento da película até então. A partir daí tudo vira pretexto para combates loucos. Monstros camaleônicos cortam a cidade, a Rainha Tambria (que não envelheceu um dia, afinal, ela é poderosa) conclama zumbis de cavaleiros templários, e as ruas viram o cenário de uma tremenda batalha campal, ao estilo dos quadrinhos de Robert Kirkman. Mas nada impede o ganancioso Príncipe Jayson (Edward Lewis French) de avançar rumo ao cumprimento da profecia mal urdida.

    Repentinamente, o príncipe mal intencionado torna-se um zumbi-hunter de primeira categoria, vencendo seus inimigos e até instruindo seus asseclas. Quase dá para acreditar em sua integridade de espírito, até que, diante da possibilidade de pegar um tesouro, ele mostra seu real caráter, de um ganancioso senhor. Após isto, ele é pego em uma armadilha – seu status de anti-herói jamais é provado por completo, o plot é completamente esquizofrênico.

    A medida que avança, o grupo de aventureiros vai diminuindo, como se estivessem em uma partida de RPG das mais fracas. Barrow torna-se o paladino e líder do grupo, muito antes deles se reduzirem a apenas duas pessoas. Quando finalmente encontram Tambria, a questão da Princesa é completamente esquecida, para mostrar um casalzinho de vilões se unindo, para praticar toda a ruindade que as suas almas podres podem impingir a humanidade boazinha.

    A tosqueira segue solta. Quando Barrow se depara com um dinossauro maneta, ele ataca o bicho com uma pira acesa, que consome toda a pele de CGI do bicho, mas que é arremessada a metros de distância, enquanto é mostrado o monstro sendo queimado como se o impacto fosse a queima-roupa. A atuação do Paladino ao lado de sua alteza (que muda de lado outra vez) é brilhante, só é mais surpreendente do que a revelação de que Barrow é o Escolhido – e não, isso jamais havia sido aventado antes, é simplesmente jogado.

    A batalha final ocupa tanta a atenção da Rainha má, que ela sequer percebe o rapto da princesa enfeitiçada – Van Dien parece ter lembrando da linha principal do roteiro. Mais zumbis são levantados, e o dragão queimado e maneta volta a atacar, sem queimaduras e com seus braços de volta. Em um minuto, Barrow tem de enfrentar os monstros e até seus parceiros de jornada. Nenhum deles é capaz de enganá-lo, somente Tambria o faz, e depois de toda a luta, a malvada mulher ainda consegue arruinar seu próprio plano falho, ao não ficar de olho no seu opositor e ao abordar um inimigo, armado com uma espada, pelas costas.

    Após todo o aparato do final feliz, o reino inteiro ressuscita, os zumbis tornam-se homens, a família real, tudo volta aos conformes, como se não houvesse passado um dia sequer. O tempo avança em um ano, com o nascimento de mais uma criança, fruto do “amor” de Dawn e Barrow, para mais uma vez ter a entrada de uma intrusa. A Asylum é pródiga em trazer a luz filmes como este, geralmente com filmes de ação, mas nesse Sleeping Beauty o passo em direção a escrotidão suprema é bem maior, pelo descompromisso com toda e qualquer obra pregressa, pela presença de personagens insípidos e claro, pela péssima qualidade da história contada. É uma lástima que esse filme não ganhe as telonas brasileiras.

  • Crítica | Malévola

    Crítica | Malévola

    malevola

    Originários da tradição oral, os contos de fadas caracterizam-se um dos gêneros mais antigos da literatura. Histórias consideradas, hoje, como infantis foram, em séculos passados, carregadas de violência e eram transmitidas culturalmente como parte do folclore local, motivo que justifica diversas versões para uma mesma narrativa. Durante os séculos, escritores como Charles Perrault, Jean de La Fontaine e os Irmãos Grimm foram responsáveis por documentar a tradição popular da época em que viveram, modificando as histórias conforme suas particularidades regionais ou alterando suas estruturas, deixando-as mais amenas e familiares.

    Nas telas, o estúdio de Walt Disney produziu diversos clássicos animados com base nestas histórias, originando novas versões narrativas – que muitos consideram definitivas – de contos como Branca de Neve e os Sete AnõesA Pequena Sereia, Cinderela e A Bela Adormecida. Filmes que trouxeram prestígio à empresa e formaram as modelares princesas Disney.

    Seguindo o sucesso de Alice No País das Maravilhas, cuja adaptação cinematográfica em live-action trouxe à produtora um retorno financeiro alto em 2010, a obra A Bela Adormecida, de 1959, ganha uma nova versão. Dessa vez, a história foca o lado da fada Malévola, que amaldiçoa a princesa Aurora.

    A história de Malévola utiliza a base do clássico citado, pervertendo-o ao mostrar a visão da antagonista. Malévola é uma pequena fada poderosa que vive em uma floresta encantada situada ao lado de um reino. Em sua infância, conhece o garoto Stefan, com quem mantém a amizade até a adolescência, quando se afastam um do outro.

    Malévola torna-se uma das fadas mais poderosas do reino e guardiã da floresta dos ataques humanos que desejam destruir o local, tido como ameaçador. Após uma dessas batalhas, o Rei, ferido e prestes a morrer, exige o aniquilamento da fada e coloca o trono à disposição de quem matá-la. Almejando o cargo de rei, o outrora menino Stefan reencontra-se com sua antiga amiga e usurpa-lhe as asas.

    Como uma costumeira produção Disney, faltam elementos que explorem a transformação da personagem de maneira adequada. Ao ser traída pelo amigo memorial da infância, não há nenhuma personagem em cena que produza um diálogo com a futura vilã. Ao público, cabe inferir sua transformação na estranha cena em que, caminhando pelo reino outrora brilhante, o local começa a se tornar lúgubre e ameaçador. Até a transformação que alinha a personagem com a história oficial, o roteiro de Linda Woolverton  que também roteirizou a recente adaptação de Alice no País das Maravilhas, e as animações O Rei Leão, A Bela e a Fera, entre outras  parece apressado, apresentando um apanhado ocasional de cenas que não justifica o porquê Malévola foi uma fada injustiçada.

    A personagem acrescenta tonalidades ao costumeiro preto e branco do estúdio. Uma constatação de que os tempos de outrora  com o costumeiro maniqueísmo Bem versus Mal   estão extintos, o que prova que o público não deseja mais ver uma tradicional fábula sobre a princesa que espera o amor perfeito. Sob este aspecto, a Disney luta para evidenciar que reconhece as mudanças da sociedade, modificando o paradigma narrativo e rindo de si mesma  como Encantada —, tornando-se capaz de produzir histórias de princesas que atendam às novas exigências dos espectadores.

    O sentimento de traição que se manifesta em Malévola é o elemento que causa a maldição  sono eterno até que um amor verdadeiro a desperte — à recém-nascida Aurora. Uma das mais grandiosas cenas das animações Disney que a nova versão honra com pompa e mantém a mesma dimensão épica, fato que comprova que Angelina Jolie é a parte mais consistente da produção.

    Ainda que o roteiro seja mediano, sua interpretação passa  nuances necessárias de uma transitória personagem dúbia. Sem exagerar nos trejeitos de vilões  que os deixam caricatos —, a atriz demonstra que entrou em cena para se tornar uma bela encarnação da antagonista.

    Se a fotografia e o ambiente à meia-luz são esteticamente belos a cada fotograma, o contrato feito com o público, em relação à veracidade narrativa, falha na maior parte do roteiro. Tentando enfocar em demasia o lado sombrio de Malévola, outras personagens importantes à trama se tornam simplistas. As três fadas-madrinhas, que criam Aurora até os 16 anos da princesa, parecem despropositadas tanto como personagens quanto com importância à história. O exagero dos efeitos especiais fazem as fadas  vistas na maioria das vezes em tamanho diminuto — parecerem pequenas bonecas voadoras e não seres de um mundo maravilhoso. Um desequilíbrio que lembra o excesso estético e agoniante da Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton.

    Quando a personagem Aurora encontra-se com Malévola, não há nenhuma empatia pela mocinha. Em parte porque Ellen Fanning não tem a  mesma presença cênica de Jolie, e também porque nem em cenas solo consegue roubar um pouco de atenção para si.

    A própria carência narrativa revela uma questão maior que equipara o desfecho dessa produção com o de Frozen – Uma Aventura Congelante. Tal semelhança faz questionar até onde a Disney estaria disposta a modificar sua estrutura narrativa, visto que, em menos de um ano, entregou duas produções com a mesma lição moral que substitui o suposto amor entre príncipe e princesa e faz do sentimento fraternal ou maternal o gatilho que quebra a maldição. Mesmo ciente de que o público atual exige um novo conceito nos filmes de princesas e reinos encantados, a empresa não parece desejar o desenvolvimento de novas saídas que não uma outra fórmula a ser repetida mais de uma vez.

    Com um roteiro fraco diante de um rico material, não há consistência na história que produza um ótimo filme familiar. Pena para Jolie, que entra em cena com vontade de fazer um grande desempenho, mas não encontra o ambiente necessário ao desejo de ser a Malévola definitiva.