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  • Entrevista | Alice Riff, diretora de Eleições

    Entrevista | Alice Riff, diretora de Eleições

    Durante o Festival do Rio tive o prazer de assistir Eleições, filme de Alice Riff, que desdobra o cotidiano do período eleitoral do grêmio estudantil de um colégio em São Paulo. A diretora, do também pontual Meu Corpo é Político, conversou conosco e você confere abaixo.

    Vortex Cultural: Eleições é um filme em que as meninas e meninos sãos os próprias porta-vozes da sua vontade, quase não parece que houve qualquer indução a respostas de quaisquer tipos dentro das falas expostas. Como foi o processo da captura dessa opiniões? Houve algum tipo de preparação dos entrevistados ou vocês fizeram “apenas” o registro das falas dos alunos?

    Alice Riff: Foi uma construção que foi primeiro, conversando com eles explicando a proposta do filme e a dinâmica, aos poucos a equipe e os alunos foram se entrosando. Ficamos um tempo grande – 3 meses filmando –, mas desde o começo eles entenderam a proposta, como se fosse um jogo e eles entenderam bem as regras desse jogo. E nós falávamos com eles que “quem sabe melhor o roteiro de uma eleição de um grêmio são vocês (os alunos)”, a gente tinha um pré-roteiro e adaptávamos o texto a medida que as coisas aconteciam, e as coisas foram caminhando dessa forma. A maioria das cenas nós não regravamos, foram bem poucas. O filme parte de acreditar no potencial daqueles alunos e também de deixar livre para saber para que lado eles iriam nos levar.

    Vortex Cultural: Seu filme conversa muito bem com o período de 2018 e com as eleições que correram o país. São Paulo tem tido infelizmente uma tradição de governos à direita, sobretudo no governo do estado, além de uma votação expressiva para Jair Bolsonaro no posto presidencial. No que se vê no filme, não há qualquer menção a político ou partidos, mas quando houve a captura das imagens para o filme existiu discussões dos alunos em quem eles votariam ou campanha mais aberta a qualquer candidato?

    Alice Riff: Foi filmado no começo desse ano, tem até referências a Marielle (Franco, vereadora do PSOL-Rio assassinada durante a Intervenção Federal no estado fluminense) no filme. Os alunos falavam dos candidatos que eles gostavam, mas eu não quis fixar nos adolescentes nem preferência por candidatos e nem por posicionamento político. A construção foi a de entender a personalidade e individualidade daquelas pessoas, e o quanto que isso entra na escola. Há inúmeros indícios de referência, desde gente se inspirando em Marielle até a bancada ruralista/evangélica. De uma maneira sutil e responsável a gente tenta construir um perfil do adolescente, mostrando eles agindo naturalmente, às vezes replicando atitudes de grupos ou partidos. O interesse era entender como todas essas vozes se articulam, dialogam e debatem. Acho que fica até um pouco claro as preferências político-partidárias de cada um.

    Vortex Cultural: Aconteceu alguma interferência ou intervenção de pais de alunos, professores, diretores ou mesmo de movimentos como Escola Sem Partido durante o decorrer das gravações?

    Alice Riff: Nós passamos três meses na escola, quando os pais não queriam que os filhos participassem eles não participavam, foi tudo conversado e nós fomos nos adaptando com as possibilidades. O Escola Sem Partido é inclusive citado pelos alunos e Eleições se posiciona contra esse tipo de projeto, porque se já estivesse ocorrendo, o filme não poderia ser feito, pois ele trata de coisas como esse processo todo ajuda o aluno a entender o mundo, pois não se aprende somente em sala de aula, mas também em debates como os que ocorriam pela eleição do grêmio. Desenvolve oratória, argumentar e contra-argumentar, olhar para a escola de outro jeito, são aprendizados muito importantes para quem está no ensino médio, sobretudo para que as pessoas vivam bem em sociedade, e toda essa cultura o Escola Sem Partido tiraria.

    Vortex Cultural: Há um trecho em que uma das chapas se assume abertamente como cristãos evangélicos. No Rio de Janeiro, há um prefeito bispo (Crivella), dois senadores evangélicos recém-eleitos (Arolde de Oliveira, dono da maior gravadora gospel do país, e Flávio Bolsonaro), além de uma bancada cristã muito forte. Como você vê essas ligações?

    Alice Riff: Eu acho o seguinte, o Brasil passou por uma melhora econômica da classe trabalhadora, por conta dos governos Lula e Dilma, mas também houve um afastamento. As pessoas que se aproximaram do povo não foram as forças políticas, e sim as igrejas, em especial as neopentecostais, então elas associam o aumento de renda, poder aquisitivo e/ou o fato de adquirirem bens de consumo as igrejas e não aos programas sociais e avanço econômico-social do país. É uma luta nossa resgatar essas pessoas, e existem várias igrejas, não há somente igrejas que estão lá para arrancar dinheiro dos fiéis, há gente séria. É verdade que há muito gente intolerante nesse meio religioso, mas o que o filme faz é se aproximar, olhar e colocar tudo isso em diálogo. Uma doutrinação religiosa, se existe, há também outros espaços que esses jovens tem de ouvir, desde pais, professores, televisão, youtubers que eles gostam… tudo isso ajuda a moldar a cabeça desses jovens, e por isso é importante que a gente exista e gere discussões e mais discussões, porque o jovem não me parece não ter inteligência para ser facilmente manipulado como gostam de falar. Muitos adolescentes não vão à igreja que os pais frequentam, tem até no material gravado do filme mas que não ficou no corte final, onde um menino se recusa acompanhar sua mãe e ela o respeita. Mas é claro que há uma ascensão muito grande e a gente precisa entender porque esse discurso é tao doce a elas naquele momento, até para resgata-las. Será que elas realmente estão felizes ali, será que elas tem noção de que é uma ilusão?

    Vortex Cultural: O filme tem previsão de estreia para o grande circuito?

    Alice Riff: Estreia em março do ano que vem, bem no período de volta às aulas. A ideia é que nós circulemos em escolas, cineclubes e igrejas, para espalhar a palavra.

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  • Crítica | Eleições

    Crítica | Eleições

    De Alice Riff, mesma diretora de Meu Corpo é Politico, o longa-metragem documental Eleições mostra a rotina da Escola Estadual Doutor Alarico da Silveira, no centro de São Paulo, mais focalizada nas falas dos alunos do ensino médio que se encaminham para um simples pleito do grêmio estudantil, e nesse ponto se vê como a aproximação do período de candidaturas mexe com os ânimos e com as rivalidades internas, seja no âmbito pessoal, convicções ou na expectativa de futuro que cada um dos personagens retratados possuem.

    Não há qualquer jovem idealizado. A câmera flui de maneira muito natural pelas salas, pátios e corredores da escola, registrando de maneira bastante tranquila as falas dos entrevistados, variando normalmente entre os sonhos dos meninos e meninas que estão em fase de decidir o que prestarão no vestibular, além de mostrar a tensão com a proximidade da eleição.

    Em tempos em que se fala em bobagens como Escola Sem Partido, assistir a obra de Riff serve até de inspiração, tal qual o que ocorreu com o recente Escolas Em Luta, que também mostrava a resistência de alunos que ocuparam escolas, embora claramente haja uma diferença de caráter e espírito entre os dois filmes.

    Iniciativas como essas deveriam ser exibidas em escolas, fato que se torna quase impossível com o avanço agressivo de grupos que buscam fiscalizar se há discurso ideológico em sala de aula ou nos ambientes escolares, ainda que obviamente a preocupação não seja exatamente com as crianças serem doutrinadas ou não, mas sim com a desinformação.

    O filme é extremamente divertido, e é incrível como o micro-cosmo estabelecido ao longo dos pouco mais de 100 minutos consegue representar bem o cenário das eleições de 2018. Por mais que a maior parte da toada de Eleições seja ligada a comédia, há uma profunda reflexão a respeito do analfabetismo político que toma conta do brasileiro, além de levantar questões a respeito de chapas que fazem alianças com religiosos e uma discussão bem contida sobre identidade de gênero, tudo isso mostrado de uma maneira simples e palatável.

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  • Crítica | Meu Corpo é Político

    Crítica | Meu Corpo é Político

    As primeiras cenas do filme de Alice Riff remetem a uma naturalidade extrema, com cenas de banho, de pessoas tomando café da manhã com seus familiares e realizando a arrumação matinal logo após acordar. Meu Corpo é Político tem uma voz ativa e ideologicamente definida, mas não se restringe a ser ou ter um discurso que só funciona para quem é parte do nicho dos investigados pelo documentário, ao contrário, seu objetivo é mostrar que as pessoas transgênero que são analisadas possuem uma vida comum a de todos os outros tantos.

    A intimidade e cotidiano são registrados quase a exaustão, para fortificar a ideia de normalizar os personagens analisados, deixando claro que os humanos que habitam esse mundo são feitos de carne e osso e que nem o “local” em que esses vivem é um mundo distante da população. A palavra-chave dita por quase todos os entrevistados é empoderamento, e apesar do termo ter caído muito na banalização, o sentido primordial dele é resgatado nos discursos defendidos.

    O que mais causa comoção dentro do começo do filme, certamente é a questão médica, uma vez que as pessoas trans precisariam de cuidados especiais em caso de uma internação por qualquer motivo, uma vez que a taxa hormonal e outros detalhes de saúde seriam normalmente mais alterados dos que o de uma pessoa dita cisgênero. Da parte de Paula Beatriz a preocupação mais urgente é essa, de como seria ela tratada caso fosse internada em um hospital usual, não poderia ter o cuidado necessário consigo para quaisquer eventualidades.

    Os relatos de alguns dos biografados contém um cunho de desconstrução da religião e da aceitação das gerações anteriores com as pessoas que decidiram por se assumir de fato. O detalhe de que todos os objetos de análise são provindas de favelas e comunidades é algo sui generis, para se entender como funciona o preconceito dentro das camadas mais populares da sociedade, longe das facilidades burguesas, que são pretensamente mais abertas ao diferente, ainda que isso jamais tenha sido comprovado de fato.

    As palavras de ordem, que são proferidas nas frases e letras de músicas tem um cunho ideológico e político muito bem definido. Por mais que para boa parte do elenco de Meu Corpo é Político não se tenha embasamento teórico em literatura progressista tão evidente, sobra pragmatismo e vontade de se mudar a realidade castradora e cerceadora de direitos que está vigente. Talvez essas mudanças e transformações sociais não cheguem para as próximas gerações, mas certamente não é por falta de ativismo destes que se apresentam.

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