Crítica | Na Próxima, Acerto o Coração
Fruto da união do diretor Cédric Anger com Guillaume Canet, Na Próxima, Acerto no Coração adapta o livro de Ivan Stefanovich, aludindo a questões primordiais de suspense e a veracidade dos fatos criminais mostrados em tela. A trilha instrumental dá leveza e sentimento aos momentos de extrema violência mostrados pelas lentes de Anger, e embala a crueldade humana de uma forma bastante poetizada. Olse é palco de uma série de eventos grotescos e expõe uma face violenta do local, em contraponto ao romantismo que impera sobre o imaginário da cidade.
Canet vive o guarda policial Franck Neuhart, que sofre ao assistir os atrapalhados atos de seus colegas, que se ferem gravemente ao não se atentarem para armadilhas de criminosos. Seu código ético faz ele se punir por nutrir em si desejos homicidas e por também se culpar pelas desgraças que o cercam. Com dificuldades sérias para se relacionar com outrem, o homem da lei apresenta traços em comum com os sociopatas que costuma prender.
As dificuldades em conviver com outros humanos incluem uma extrema timidez, fazendo com que – supostamente – tenha profundas restrições quanto a pares amorosos, mesmo que estes estivessem tão perto de ceder aos seus encantos. Sophie (Ana Girardot) é uma figura que lhe causa espanto, o estopim para a primeira demonstração de desequilíbrio e ação destemperada do sujeito, que mostra sem pudores sua intenção homicida e sua rotina comum, ainda que a cena tenha no sentimento de culpa seu centro emocional. Franck sente remorso não só por seu “ato mau” e intempestivo, mas também pela sua desnecessária sujeira.
As manchas de sangue, que insistem em habitar o rosto e o para-brisas do carro, são signos visuais de uma realidade que o pseudo homem da lei tenta esconder, obviamente fracassando. Assim como o vermelho facilmente prevalece sobre o branco da pele do intérprete, os policiais encontram o rastro do protagonista em um misto de incompetência de Franck, em um ato falho mais uma vez evidenciado pela sua culpa. Os métodos de fuga são demasiado simples, até rústicos, como se a escapatória fosse a última alternativa para o seu destino.
Mesmo incógnito, e sem pagar por seus pecados, Franck não consegue livrar sua psiquê e fantasias das figuras mórbidas que produz. Até a nudez lasciva que lhe atrai reúne elementos cadavéricos e signos mortuários, fazendo alegorias pouco utilizadas e bastante sutis aos estigmas e desejos que cercam a personagem.
É fato conhecido – e até anunciado antes do início da trama – que o roteiro seja repleto de acontecimentos inventados, para que a narrativa fizesse sentido junto aos fatos. Mas os acontecimentos mostrados fazem parte de uma sequência de pura verossimilhança, especialmente nas reações dos policiais ao perceberem a traição. Ao mesmo tempo em que a direção de Anger faz questão de aproximar o psicopata da humanidade, takes e sequências inteiras onde a câmera é posta em um ponto longitudinal, normalmente de cima, fazem referência ao Divino, a figura que comumente julga os atos dos humanos. O suspense de Na Próxima, Acerto o Coração não se localiza nos eventos trágicos, e sim nas reações culposas do homem, que não encontra perdão sequer nos braços de seu deus, possivelmente por não ver na figura uma alternativa de salvação, já que o mal faz morada em seu corpo. O roteiro de Anger não faz concessões morais, pelo contrário, aponta a crueldade humana com normalidade, afastando a figura do vil e frio matador de arquétipos demoníacos ou utopicamente maléficos. Ações do perfil comum de um psicopata.