
Habibi é o trabalho mais audacioso de Craig Thompson desde que ele começou a nos deleitar com Graphic Novels que são verdadeiras obras de arte.
Depois de seu último trabalho em 2004, Craig encarou uma jornada de 7 anos de pesquisas e experiências no mundo árabe para conceber Habibi e nos transbordar com muito conteúdo histórico, mítico, religioso, filosófico e sobretudo humano.
Acompanhamos aqui a história de dois escravos, Dodola e Zam, unidos por circunstâncias nada aprazíveis para ambos. Estes são os pilares da nossa viagem e servem de base para Craig explorar os variados temas aqui abordados. A história se passa nos tempos atuais, em uma cidade mítica de origem arábica, mas isso pouco importa, pois grande parte da obra tem um tom muito mais mágico e antigo, remetendo a sabedoria oriental e as práticas antigas que muitas vezes fará você se perguntar realmente em que época a história se encontra.
Uma das marcas em suas obras são as belíssimas metáforas casando perfeitamente o seu texto com os desenhos. E aqui a influência da cultura arábica se mescla sem igual, pois os intrincados mosaicos, caligrafia oriental e os belíssimos textos fluem em uma cadência de páginas e mais páginas muitas vezes deixando o leitor em transe com tamanha sensibilidade.
Sempre com uma relação bem comedida entre o racional e o intangível, como por exemplo, as diversas conexões entre a milenar matemática oriental e a sua simbologia dentro da cultura islâmica.
Outra particularidade interessantíssima de Habibi, a influência islâmica. Encontramos aqui muito do Corão e da “obra das histórias”, As Mil e uma Noites. Um dos grandes prazeres ao se ler Habibi é justamente esse, histórias dentro de histórias. Isso abre um leque de opções ao autor e o faz passear pelos variados temas aqui tratados, além de não seguir uma linha narrativa linear com os protagonistas, algo que já havíamos experienciado em Retalhos. Em tempos onde o extremismo sobre os árabes se destaca e apenas a visão reduzida e maniqueísta tem lugar, Craig volta às origens dos principais mitos dos três grandes livros (Torá, Bíblia e Corão) para mostrar a beleza poética ou narrativa de muitas de suas histórias.
A sexualidade está bastante presente na obra e se alguns críticos torceram o nariz para o fato das metáforas muitas vezes associando o desejo sexual a algo pecaminoso, vale notar que em outros momentos encontramos também a visão mais hedonista, simples e bela de como lidamos com a nossa sexualidade. Para quem leu Retalhos (obra autobiográfica), sabemos o quão complicado foi a questão do erotismo acoplados a sentimentos de culpa durante o crescimento de Craig.
O mais impressionante quando se lê Habibi é o modo como a consumimos. Os desenhos são muitas vezes absorvidos além de uma compreensão que possa ser colocada em palavras, ou mesmo dentro de um “contexto consciente”. Sua arte é inebriante, suas formas, linhas e “cores” parecem forjadas para serem impressas em nossas mentes e ao mesmo tempo tocar o nosso cerne. As imagens formam uma linguagem ininteligível, mas ao mesmo tempo completamente compreensível de alguma forma quase que metafísica. Os diversos momentos nos quais ele flerta com a caligrafia arábica e seu intrincado desenho, associando as palavras ao âmago dos sentimentos primordiais, à natureza e a nossa relação com ela. Sim, há espaço na obra para também se discutir como a nossa insaciável luxúria se alimenta do que o planeta pode nos entregar.
No fim, fica claro que as 672 páginas parecem pouco para a magnitude das histórias aqui contadas, para os sentimentos aqui sentidos e para os pensamentos aqui refletidos. Você com certeza revisitará as histórias de Dodola e Zam e notará os detalhes despercebidos em uma primeira leitura, ou mudar de opinião ao refletir mais sobre os muitos temas de Habibi. Afinal somos também mutáveis e parte da água que flui como as letras de uma bela caligrafia, das ondulações que acompanham o inspirar e expirar rítmico, do sexo e do amor que queima, e do poder das histórias que nos eleva da terra.
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Texto de autoria de Amilton Brandão.