Tag: cinema bósnio

  • Crítica | Quo Vadis, Aida?

    Crítica | Quo Vadis, Aida?

    Concorrente de premiações pelo mundo, entre elas a categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2021, Quo Vadis, Aida? se passa em 1995, durante a Guerra da Bósnia. O longa de Jamila Zbanic narra um pouco da vida da tradutora Aida, personagem de Jana Djuricic, que vive com sua família em uma pequena cidade na área montanhosa de Srebrenica. Em seu trabalho com a ONU, traduz mensagens da organização junto ao exercito dos países que intervém na invasão do exército sérvio na localidade.

    O cenário é caótico, os cidadãos estão em perigo frequente, procurando abrigo nos acampamentos da Organização das Nações Unidas, agindo como refugiados em sua própria terra natal. O Quo Vadis? presente no título remete a um termo em latim que significa “Aonde vais?” e também dá nome ao épico de Anthony Mann de 1951, um clássico do cinema sobre o reinado do imperador Nero. Tal qual no filme antigo, aqui o tema também se refere a  situações desesperadoras.

    Aida tem uma posição privilegiada, tanto em acesso aos lugares quanto a uma informação mais acurada em relação ao que acontece em seu país, com o infortúnio da percepção do quão calamitoso é o cenário do país. Poucas vezes o ditado popular de que a ignorância pode ser uma bênção coube tanto em uma história. Pois, além do receio da morte, sentimento compartilhado com todos compatriotas, ela ainda carrega a responsabilidade de responder pelas possibilidades de sobrevivência de sua família e de seu povo.

    Os tanques nas ruas, a pressa das pessoas para fugir do conflito são pontos positivos do filme. O apelo a universalidade funciona, pois as plateias do mundo são capazes de identificar em sua própria realidade ao menos um aspecto daquela violência extrema. As cenas são naturais, a criação da atmosfera é real. O problema reside na carga emocional que apela para clichês baratos e de péssimo gosto. Questões pontuais como restrição à banheiros nos abrigos, escassez de produtos básicos de higiene e alimento, enfim, maus tratos dados ao povo que mora em área de conflito bélico não parecem tão graves em cena, pois caem em um melodrama desnecessário, que só vai agravando até o final.

    Quo Vadis, Aida? recebeu elogios no Festival de Veneza. Um feito esperado já que apela para todos os clichês típicos de filmes voltados para o circuito de premiações. Seu maior problema é que o tom de denúncia se perde em meio a extravagância emocional, que desequilibra toda a história e que fica ainda mais flagrante quando apela para os muitos chavões de antigos filmes melodramáticos.

  • Crítica | Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho

    Crítica | Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho

    Vencedor do Grande Prêmio do Júri e Urso de Prata em Berlim 2013, a composição quase documental de Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro, de Danis Tanović (Terra de Ninguém), é a escolha correta para contar uma história que deseja ser um retrato fiel da realidade delicada da Bósnia e Herzegovina.

    Dentro de um cenário desolado, vivendo em um bairro periférico, Nazif (Nazif Mujić) é o patriarca de uma família composta por sua esposa e duas filhas pequenas. Homem trabalhador, ganha seu dinheiro por meio da venda de ferro-velho. Pequenas quantias suficientes para subsistir entre as contas essenciais e o alimento. Diante desde equilíbrio precário, a vida da família se transforma em martírio quando a esposa, Senana (Senada Alimanović), adoece.

    Diante desta dificuldade, Nazif leva a esposa até o hospital, que, embora faça um procedimento paliativo, não pode realizar a cirurgia necessária para evitar a morte  da mulher devido à ausência de registro e plano de saúde. O catador segue uma via crucis pela cidade à procura de quem possa ajudá-lo na cirurgia da esposa.

    E eis a invisibilidade de um cidadão comum e com baixa renda para encontrar o apoio do governo que deveria ampará-lo. Dentro de suas engrenagens, a morte da esposa seria uma baixa qualquer, um número estatístico do país. A família não só vive à margem da sociedade como também foi marginalizada por esta. Um dos diversos problemas que a Bósnia enfrenta há muito tempo. Desde a década de 90, o país vive um sério problema de pobreza, e o mês de dezembro e notícias recentes informam que a crise atual é uma das mais severas do país.

    Nazif e a família são um retrato vivo da desolação local e de como um governo não ampara seus cidadãos. Um exemplo que se ajusta em qualquer situação mundial que não fornece os benefícios básicos para o cidadão viver. À procura de ajuda para a esposa, o catador encontra médicos especialistas particulares e organizações sem fins lucrativos, mas sempre esbarra ou na falta de dinheiro ou em empecilhos burocráticos que impedem a ajuda imediata.

    A resiliência da personagem dá um rosto a uma multidão que vive em carência crônica e precisa sobreviver com unhas e dentes para manter-se vivo diante desta realidade agressiva. Ampliando a intenção de uma realidade documentada, os personagens trazem o mesmo nome dos atores, e o desfecho encontrado para a problemática não poderia ser mais próximo do improviso cotidiano: diante de um governo omisso que não fornece o básico à população, o que restam é encontrar maneiras de burlar as engrenagens e entortar a burocracia para que se tenha o mínimo para sobreviver.

    O filme evoca a triste realidade que nos cerca, feita da maneira mais fiel possível para parecer um retrato fotocopiado de uma história invisível. Sem arroubos cinematográficos, nem exageros cênicos. Feito de carne, osso, fé, desolação e miséria.