Já iniciando de modo dramático, ao exibir a rotina estranha de Mitchell Gant – vivido pelo diretor e astro Clint Eastwood – Raposa de Fogo evoca o comum estado de paranoia dos veteranos que combateram no Vietnã, aludindo de modo caricato e crítico o comportamento das forças armadas estadunidenses, que não titubeiam ao utilizar suas instalações e métodos armamentistas para recrutar novamente o protagonista, que era um piloto aposentado.
A trama vista no roteiro é fruto da comum desconfiança que permeava a Guerra Fria, mostrando a nova missão de Gant, ligada ao roubo de um caça aéreo soviético, onde o aviador seria o sujeito perfeito para a missão, já que seus pais eram russos – como se somente esse fato fosse o suficiente para que um homem há muito longe da ação, pudesse se infiltrar em meio a um ambiente hostil e desconhecido.
Uma vez na URSS, o herói usa um outro nome, e Sprague passa a ser sua identidade. Imediatamente a fotografia chapada e repleta de luz dá lugar a planos escurecidos, onde o predomínio é da noite, remetendo a falta de lucidez e claridade de uma época onde tons em breu predominavam. Perto de completar quarenta minutos, já uma reviravolta em relação a pátria de Gant/Spraguel, onde o próprio se vê confuso graças a tentativa de seus opositores de ludibriá-lo. O artifício aparente simplicidade num primeiro momento, mas se analisado minuciosamente, serve de símbolo para uma época onde as inimizades não eram de identificação tão fácil.
Já em território de inimizade, Gant ao investigar os procedimentos que deveria tomar, percebe que o comando da aeronave se dá por vínculo mental, sendo este mais uma das muitas alegorias a confusão mental pela qual o protagonista sofre. É por meio da mesma psiquê confusa, que não sabe ao certo distinguir devaneios traumáticos da realidade e que tem dificuldades em se posicionar nacional e ideologicamente, que o objeto de desejo deverá ser moderado.
Um bocado do caráter presente no roteiro de Raposa de Fogo, é calcado nos filmes de 007, especialmente no clima aventuresco, ainda que o cunho escapista seja voltado para outros aspectos, não ligados a sedução gratuita ou ao exacerbo de tecno bable, excluindo claro o manuseio mental do dito avião. Exceto pela estado de pandemônio intelectual e espiritual, baseado no veterano – que seria reprisado mais tarde em Rambo, Bradock e tantos outros – o filme baseado no livro de Craig Thomas não possui momentos épicos, nem na construção do personagem, tampouco nas cenas de ação, mas remete bem o seu tempo, com todos os bordões típicos de uma época nebulosa, onde o preconceito imperava até sobre o bom senso.
A nona e derradeira temporada de How I Met Your Mother se passa nos preparativos do casamento de Robin (Colbie Smulders) e Barney (Neil Patrick Harris). Com isto definido, aparentemente Ted Mosby (Josh Radnor) desiste de Robin de uma vez por todas, com tal máxima sendo discutida o tempo inteiro na temporada. A famigerada Mãe (Cristin Milioti) encontra Lilly (Alyson Hannigan) no trem já no primeiro episódio, e, ao longo do ano, esbarra com outros tantos personagens, até por esta ser a baixista da banda matrimonial.
Mais uma vez a história mais interessante não é a de Ted, e sim dos personagens secundários. O fracasso no casamento de James (Wayne Brady) assusta Barney. Faz dele inseguro, reacendendo o instinto de se manter solteiro e longe de compromissos maiores. O protagonista decide mudar para Chicago, fugindo da tentação do amor impossível para recomeçar em outro lugar. Decide, aos poucos, despedir-se das coisas que gostava e a tônica da temporada certamente enfoca nas perdas de Mosby e de como aprendeu a viver com elas. Além, é claro, de sua volta por cima. O sentimento do noivo pelo seu padrinho muda radicalmente ao descobrir que Ted ainda guarda sentimentos por sua alma gêmea. Porém, Barney crê veementemente no código entre os “bros” e os nove anos certamente preconizavam isto: a inabalável amizade entre os cinco personagens principais, acima das dúvidas existenciais individuais. Quanto ao grupo, não sobram interrogações, somente afirmações de um relacionamento eterno entre os iguais.
Barney consegue superar alguns de seus medos, e passa a entender que o casamento é a relação que faz da esposa e ele um time. Obviamente que isto se apresenta da forma mais exagerada, desmedida e esdrúxula que Carter Bays e Craig Thomas poderiam pensar. Aos poucos, as tramas paralelas se resolvem, exceto a de Ted. E quando a personagem resolve muitas questões de sua vida, suas ações são substituídas por atos de Marshall (Jason Segel), Lily, Barney e Robin.
Elementos revelados na temporada final dão um tempero a mais às paranoias de alguns dos personagens. Exemplo disso é a aproximação de Loretta Stinson (Frances Conroy) e de Robin. Evidencia a ausência da figura materna na vida da noiva, o que ajuda a explicar o porquê de sua preferência pela solidão e consequente fracasso na maioria de seus namoros anteriores. Robin é confrontada sobre esta questão e sua reação é das mais maduras, mostrando que a construção de sua personagem é muitíssima competente e verossímil.
O nono episódio é uma fuga do cenário do casamento, e mostra Barney conhecendo a Mãe. Ela o convence a parar de correr atrás de todas mulheres e dar o seu melhor por aquela por quem está apaixonado. “Você quer continuar jogando ou quer ganhar?” – em outra demonstração de evolução dentro do quadro de maturidade dos personagens, Barney tem a sua própria versão de uma epifania. A partida de cada uma das pontas do quinteto de protagonistas é dolorosa e dá mostras de que após o “sim”, as personagens poucas vezes estariam juntas de novo. Sem proferir qualquer palavra a esse respeito, os amigos fazem um juramento de aproveitar cada momento juntos para produzir ótimos momentos de memórias, sem foco na tristeza, mesmo que a solidão seja a maior possibilidade para o grupo.
No 14º episodio há uma boa referência à Kill Bill. O capítulo é pródigo em transformar Ted em motivo de piada toda vez em que é mencionado, já que sua persona funciona melhor como escada. No 16º é feito um belo mergulho no passado da Mãe. Além de momentos tocantes, compreendemos um pouco do seu passado e os motivos que fizeram se apaixonar por seu futuro esposo.
As melhores ocasiões da temporada são as que fogem do ambiente do casamento de Robin e Barney. Tais momentos ajudam a poetizar o enlace, tornando um momento épico (e lendário) com propriedade. A parte em que o urso finalmente traz as alianças tem diversos significados entre eles, como a vida dos dois sendo tão caótica que literalmente tudo pode acontecer e que a existência dos dois enquanto casal é somente uma porção de elementos movidos ao acaso.
O series finale começa em um inédito flashback com Robin chegando ao grupo de amigos. A ação varia entre diversas passagens de tempo, em anos distintos, em momentos chaves na vida da nova família dos cinco, nos quais o grupo está em comunhão, embora nem todas às vezes reunidos por completo. A surpresa foi guardada para o final em um episódio com muito humor, mas também sobre a dificuldade em manter viva a amizade compartilhada mesmo com a distância e os erros de todos. O desenrolar da trama é interessante por mostrar um futuro agridoce de cada um dos cinco elementos, especialmente o nebuloso destino de Barney e Robin. O garanhão não consegue negar sua natureza, mas se dá ao luxo de apreciar momentos de iluminação, como a chegada de sua filha. Já a solitária jornalista passa o tempo viajando para negar a si mesma os fracassos que a sua teimosia causou à sua triste vida.
A temporada foi insossa para preparar o público para os eventos finais e para todas as desculpas possíveis na questão do fim da trajetória. Ted Mosby, idoso, discute com os seus filhos sobre o que fará de seu futuro e até mesmo eles dizem para o pai não mais negar os instintos e desejos, sugerindo que se entregue finalmente à inexorável vontade negada por tantos anos. O efeito é o oposto do final de Seinfeld: em How I Met Your Mother a cereja no bolo é posta no final e toda a carga emocional acumulada durante nove anos de exibição finalmente é extravasada em um desfecho um tanto inesperado, mas bastante condizente com a lógica da série e com o anseio dos que a acompanhavam. A trajetória de Ted sempre foi secundária por ser menos interessante, mas até ele consegue atingir o seu desejo supremo e por fim ser feliz com o seu tesouro, guardado e reprimido por tanto tempo.