Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver
Apontando a desistência da vida como mote para a mudança de postura, o filme de Daniel Barnz mostra um grupo de apoio mútuo formado por mulheres, em sua maioria depressivas, que sofrem dores intensas devido a doenças raras. Juntas, elas lamentam o suicídio de uma das integrantes mais novas, Nina (Anna Kendrick). O ato quase teatral é valorizado através das ações de uma desfigurada Jennifer Aniston, que abre mão de sua intensa beleza para interpretar Claire Simmons, uma mulher desesperançada, que guarda em sua face marcas e sinais de descuido próprio, que em suma representam as muitas feridas que ainda manifestam-se dentro de si.
Assistida somente por sua serviçal Silvana (Azana Bezerra), Claire não tem qualquer alento em sua rotina. Mesmo os poucos sentimentos passionais a que tem direito são frutos do comércio, com visitas noturnas de um amante que sequer entra pela porta da frente. Do alto de seu desespero sentimental, a protagonista não aparenta dar muito valor à mulher que a ajuda, suprimindo até seus vícios ilícitos. O momento primário em que a heroína, falida e monotônica, demonstra qualquer reação destemperada é quando esta assiste à própria piscina. A despeito de seu ateísmo, a protagonista vê boiando a figura de Nina, trajada de maneira sensual, conversando com ela através do além-túmulo.
Sem ter certeza se a aparição era fruto de um delírio após o uso das substâncias das quais lançava mão, Claire começa a se interessar pelo dia a dia de Nina, chegando a ponto de dar vazão à agressividade que já era anunciada anteriormente ao ameaçar a organizadora do grupo, pedindo os dados e o endereço da menina que viu. Na antiga casa da moça, ela encontra Roy, interpretado por Sam Worthington, o marido da falecida, o qual permite que a depressiva mulher dê vazão ao seu comportamento tresloucado.
Toda a compreensão que Claire não achava nas forçadas reuniões, ela passa a achar nas interações com Roy, unidos pela dor, desespero e também por interesses sexuais – que, ao próprio entender destes, significam intenções escusas – de ambas as partes. Trabalhando a culpa pelos atos ainda não praticados, um vê no outro a chance de finalmente se reabilitar, trabalhando os traumas de uma forma que, em algum dia, ambos possam finalmente dar prosseguimento a sua existência.
O que se vê na segunda metade do filme é uma jornada de combate ao medo, onde a confiança de ambos é posta à prova, envolvendo os seres que dependem deles, como o filho de Nina e Roy, o pequeno Casey (Evan O’Toole). É bastante curioso observar o quão tacanho é o flerte entre ambos e o quão pesado é o modo de lidar com seus fantasmas. Quando está começando a mostrar alguma melhora, Claire tem um terrível encontro com a figura de Leonard (William H. Macy), que seria o catalisador de sua angústia existencial. O dramático reencontro faz a protagonista ter uma recaída nos seus antigos erros.
As “visitas” de Nina seguem crescentes, manifestando, entre outros sentimentos, a vontade de suicídio, além do profundo remorso por estar roubando da defunta a possibilidade de uma boa vida, sentimentalmente plena, apesar das dores. O desespero aumenta de tal forma que os espíritos, da delirante mulher e da personagem espectral, quase se encontram.
A trajetória vista no roteiro de Patrick Tobin é de total reconstrução, de moral e autoestima através de ações espontâneas. Um panorama que não demonstra compadecimento de suas personagens, tampouco aplaca ou suaviza a mensagem para o espectador, ainda que todo o conteúdo se baseie em conceitos do senso comum. O mérito maior certamente está na atuação de Jennifer Aniston, ainda que não seja algo tão digno de nota quanto foi alardeado, especialmente pela proximidade de outra obra em que se destaca o desempenho de Juliane Moore, em Para Sempre Alice. Em Cake – Uma Razão Para Viver, sobressai uma atuação de sua maior estrela conduzida na monotonia de um espírito único, sem liberdade para nuances.