Resenha | Batman: Ano Um
A Crise Nas Infinitas Terras foi a ousada saga que redefiniu as estruturas dos quadrinhos da DC Comics, centralizando acontecimentos e retirando incongruências produzidas por roteiristas ao longo dos anos. Não há quem não cite esta saga com devoção canônica. Porém, após este acontecimento de grandes proporções, era necessário demonstrar ao público uma nova faceta das personagens e, com este reinício, apresentar novas histórias.
A trindade de heróis, formada por Superman, Batman e Mulher-Maravilha, precisava de reformulações coerentes, e autores considerados, hoje, grandiosos foram responsáveis pelas modificações estruturais destas personagens. John Byrne assinou a nova origem do Super Homem, uma aventura que modificava diversas bases da concepção original e, durante outras décadas, foi transformada diversas outras vezes, porém, nunca com a potência desta origem que se tornou a mais significativa popularmente. George Pérez, responsável pelos desenhos da Crise, e Marv Wolfman deram imagem e conteúdo a Mulher-Maravilha, uma Diana forte e, ao mesmo tempo, feminina, com um passado apoiado na mitologia greco-romana. Os próprios editores, incluindo Denny O´Neil, reconheciam que Batman era o personagem com origem mais coesa. Desde sua criação, as histórias apoiavam-se em investigações, e não havia incongruências gritantes como as citadas personagens; a essência do Homem Morcego permanecia. No prefácio da edição de luxo da Panini Comics, o editor explica a necessidade de refinar a origem conhecida. Frank Miller foi voluntário e, na época, trazia no currículo a fama de um dos maiores revolucionários dos quadrinhos, com a bem-sucedida passagem na revista de Demolidor, na graphic novel Ronin e em uma das obras supremas do Morcego: O Cavaleiro das Trevas.
Batman: Ano Um foi uma aventura de quatro partes publicada na revista mensal do Morcego e lançada no país, originalmente em setembro de 1987, em Batman nº 1, sendo republicada quatro vezes, incluindo esta edição de luxo da Panini. As quatro partes da trama são como atos narrativos de uma peça literária, apresentando aspectos diferentes da criação da figura do Morcego. Indo além da origem do herói, a história apresenta a chegada de Gordon a Gotham City, um elemento narrativo que se amarra à fundação da personagem central.
Situada em um período de um ano, a história é bem dosada temporalmente tanto por cenas-chave da concepção da personagem como por cenas breves de treinamentos e do cotidiano policial por parte de Gordon. Miller leva ao pé da letra a concepção de um ano e apresenta o lento desenvolvimento desta dupla. Batman ainda é um homem em treinamento, à procura dos primeiros contatos para testar suas habilidades, enquanto Gordon, recém transferido, observa como funciona a polícia corrupta do local.
Miller desenvolve o roteiro com simplicidade sem perder o requinte narrativo. Equilibra-se bem entre Batman e Gordon, demonstrando que ambos são peças fundamentais que representam um mesmo ideal: a manutenção da cidade e da lei. A obra observa o amadurecimento destas personagens: Batman pela rigidez e disciplina da luta após erros e acertos em campo, e Gordon como o único policial incorruptível da corporação, tendo de arcar com a responsabilidade de ser visto como um pária pela equipe. Em comum, ambos possuem a retidão e admiram-se mutuamente, mesmo sem ainda se conhecerem. Não à toa, boa parte deste roteiro foi inspiração para a concepção de Batman Begins de Christopher Nolan. Não só o encontro com Gordon é idêntico como também o são outras cenas chave desta história.
Se Batman é a figura heroica vista com breve distanciamento por conta da disciplina e do luto que carrega desde a infância, Gordon é concebido como o homem que realiza o possível na medida de suas forças. Batman sempre assemelhou-se com um deus capaz de sobrepujar tudo e todos. Mesmo que o público reconheça-o como humano, seus feitos o elevaram a um olimpo invisível. Enquanto o futuro Comissário é uma figura imperfeita que trai a esposa grávida e sofre violência por parte de seus companheiros, ainda assim demonstra que em seu caldeirão as intenções boas se sobressaem. Não à toa é um dos personagens mais empáticos do universo do Morcego.
Batman demonstra desde o princípio a engenhosidade tática que hoje é admirada por seus leitores. E mesmo inserido em um universo fictício, a história de Miller apresenta uma vertente realista que transforma a loucura heroica da personagem em um elemento mais crível, sendo a base para a visão que leitores atuais têm do Morcego: um humano capaz de sobrepujar a própria morte e eventuais colunas quebradas.
Os extras desta edição especial trazem diversos esboços de David Mazzuchelli, além de uma breve biografia em quadrinhos mostrando como surgiu seu interesse por desenhos. É um material rico para observar a criação desta obra-prima. A arte desta edição foi inteiramente repintada por Richmond Lewis em pinturas feitas à mão, que depois foram inseridas nos desenhos de Mazzuchelli. Sem dúvida, as cores são parte da proposta realista da história e produzem o toque final que faz desta obra uma das aventuras primordiais do Morcego. Uma origem fundamental ao mito que Batman se tornou.
Para ouvir e ler:
Vortcast 09 – Batman Ano Um
[Crítica] Batman – Ano Um (Animação)
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