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  • Crítica | AI: Inteligência Artificial

    Crítica | AI: Inteligência Artificial

    O começo de AI:- Inteligencia Artificial dá conta de um planeta Terra em colapso, por conta de exploração severa. As calotas polares derreteram e boa parte das grandes cidades estão submersas e para que a humanidade sobreviva, uma empresa, a Cybertronics de Nova Jersey faz experimentos com máquinas super avançadas, que detém intelecto e capacidade de raciocínio, embora o conceito de livre arbítrio não seja pleno nestas primeiras amostras.

    A obra de Steven Spielberg tem esse pontapé, mas também de desdobra por outras questões bastante importantes, como as necessidades pequenas e básicas, como a necessidade de ter alguém para amar, se apegar e que retribua esses bons sentimentos. O roteiro de Spielberg, com argumento de Ian Watson, baseado por sua vez no conto Supertoys Last All Summer Long – and Other Stories of Future Time de Brian Aldiss, lançado em 1969 trata disso, e após um prólogo, que demonstra a capacidade da empresa, com um protótipo que resulta em uma mulher linda, se fala então em fazer copias de crianças. É ai que entra o menino David, de Haley Joel Osment, que viria a ser adotado pelos Swinton.

    Em um espaço de vinte meses as pesquisas avançam tanto que seria possível fazer um autômato de aparência juvenil, que não adoece, que é cheio de ternura e de maneira incondicional, dócil e belo. No entanto, se pensar de maneira fria é cruel também com Mônica (Frances O’Connor), a mãe, que sequer teve como lidar com a morte de seu filho, já que está em fase terminal aparentemente. O futuro não é capaz de salvar todas as pessoas, dada a fragilidade do corpo e da alma dos homens.

    É curioso que David, ao ser apresentado, tem uma silhueta estranha, tal qual a dos Grey, um grupo alienígena que normalmente é mostrado como a raça que adentra o espaço terráqueo em filmes, séries e livros, possivelmente aludindo as partes da filmografia de Spielberg como realizador de filmes no espaço, mas também mostrando visualmente e até antes dele ser introduzido como personagem, que ele é um ser de fora daquele cenário. O menininho, mesmo tendo uma origem robótica causa simpatia e pena, por ser sempre solicito, o hóspede perfeito, o olhar perdido de alguém que quer sempre atenção. A forma como ele se posta em alguns momentos, quando chega por exemplo o momento em que ele come espinafre, ou quando atende telefonemas. Suas reações causam desconforto, ao passo que dão a chance a Osment de brilhar.

    A primeira vez que ele ri é assustador, primeiro pelo susto que se dá quando ele interrompe o silencio, e segundo por ele fazer isso com uma artificialidade tão grotesca que dá receio. Todo o comportamento servil dele faz perguntar se seria aceito por alguma pessoa que não estivesse fragilizada como está Monica e sua família. Mais até do que o mito envolvendo o boneco Pinóquio, o que se vê aqui é um método protocolar de manipulação de um ser inteligente e capaz de pensar. É totalmente natural que as máquinas viessem a se rebelar como ocorre em tantas outras histórias de ficção científica como Matrix ou O Exterminador do Futuro, pois aqui os homens são completamente egoístas e com pensamento centrado exclusivamente em si, ao ponto de usar as máquinas como suplementos de seus sentimentos. Essa definitivamente é a parte mais kubrickiana da obra, comentário esse que complementa a ajuda a entender boa parte das motivações de Hal 9000 em 2001 Uma Odisseia no Espaço.

    A historia é  desenrolada de maneira tão fluída que os primeiros trinta minutos fazem parecer uma eternidade. A quantidade informações, a vivência e a rotina da família tudo é entendido facilmente, a forma como Martin age, sendo o garoto mimado e impertinente, incapaz de dividir seus privilégios com alguém mais ingênuo e carente de amor que ele faz causar raiva em quem assiste, embora ele só esteja sendo humano, uma criança normal, geniosa e inconveniente como qualquer outra. O comportamento humano parece irritante e mesquinho se visto de longe, por terceiros, mas os ciúmes e o maquiavelismo comuns na disputa entre irmãos são amplificados em uma obra como essa que desde cedo antecipa por quem o público deve torcer.

    AI é dividido em dois tomos, sendo o primeiro a gênese da ativação de David, com adaptação e os traumas que o fazem ser quem ele é, e depois a vida fora da redoma de proteção, onde ele e seu amigo Teddy – o ursinho eletrônico chamado de Supertoy em atenção ao nome do conto original e que tem a voz de Jack Angel– andam.

    Entre os Mecas (termo utilizado de maneira pejorativa para referir aos seres mecânicos), há trabalhadores braçais, gigolôs e demais profissionais do sexo. Logo é introduzido Joe (Jude Law), um Meca especializado em prazer, que tenta se auto preservar após armarem para ele parecer culpado pelo assassinato de uma mulher. Em comum com David, Teddy e demais seres mecânicos, há o DAS, que é o sistema de amparo a dor, o literal, que  faz a máquina se defender da dor e o não literal, resultado da perseguição e injusta imputação de culpa a si, a vontade de sobreviver os faz correr, e a ingenuidade e pureza acaba protegendo de certa forma o menino artificial.

    Os perigos que os “robôs” sofrem variam, entre milícias, sucateiros e gangues, que nesse momento fazem lembrar clássicos do cinema de décadas antes, como Easy Riders, Tron e fitas de horror. Incrivelmente, por mais que seja cruel a descrição, de gente interessada em perseguir seres pensantes, entre eles um garotinho, não há nestas partes nem um terço do amargor e melancolia da pouco menos de uma hora inicial de filme.

    É da parte dos humanos que a intolerância e malignidade é apresentada, seja nos shows de pão e circo que desviam a atenção do povo em geral, ou na mesquinha demonstração perene do Complexo de Frankenstein, no Flesh Fair. O profano prostituto e a criança inocente se embrenham pelo mundo, como uma união sagrada e que faz sentido, apesar das claras diferenças, já que tem aparentemente o mesmo desejo, de voltar aos braços de suas amadas, passando então, a perseguir uma nova amada, a Fada Azul.

    Toda a questão da descoberta de sua origem, de quem o criou e quem o fez, todos os preâmbulos lógicos e científicos não são nada perto da obsessão do garoto em ser quem ele não era. David é uma versão mais nova e menos desenvolvida de Data, bem mais sentimental que o Comandante de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, mas os dois compartilham muito mais que apenas o cérebro possivelmente positrônico.

    O final, onde o rapaz encontra a versão futura do seu próprio povo esbarra na sensação nostálgica, no desejo infantil dele de viver mais um único dia, ao lado de sua mãe de carne  e osso. Por mais conveniente que seja essa curva do roteiro, de apenas um dia dessa convivência, cai como uma luva no que seria o único desejo de qualquer recém órfão, de poder uma ultima vez passar 24 horas com a pessoa mais importante da sua vida, com a perda mais significativa que ele teve. David cumpre esse sonho, consegue saciar sua fome e sua sede, que não são nem de comida e nem de água, e sim da presença a quem ele desde sempre dedicou amor incondicional, e é na ilusão que ele sente contemplado. A pouca alegria que ele viveu em toda sua milenar existência é recompensada, em uma medida pequena, mas suficiente para aquecer seu coração mecânico, suficiente para fechar os olhos e se entregar ao lugar onde os sonhos nascem, sempre vigiado pelo seu amigo Teddy, o mesmo que sofreu tudo com ele e que o ajudou a ter esse último momento.

  • Crítica | Endiabrado

    Crítica | Endiabrado

    Harold Ramis ficou famoso como ator, mas também conduziu algumas boas comédias, entre elas, Endiabrado, um dos filmes protagonizados pelo carismático Brendan Fraser, no ano 2000 no auge de sua fama. Esse pode ser considerado um objeto subestimado de sua filmografia, a adaptação do clássico britânico O Diabo é Meu Sócio, acompanha o nerd de baixa auto estima Elliot Richards, um cara tímido, com dificuldade de socializar, mas que tem um coração bom. Um dia ele tem a oportunidade de tee seus desejos atendidos, mas de um modo diferente do visto em Aladdin.

    Nesse início é estabelecido o elenco que estaria em todas as realidade alternativas, formado pelos colegas de escritório de Elliot, que por sua vez, fazem bullying com o herói.  Cansado de tentar fugir da condição de rapaz patético perante os amigos, e após ser rejeitado mais uma vez. Sua obsessão por uma mulher linda, que também trabalha com ele – Alison Gardner, vivida por  Frances O’Connor – ele diz que daria qualquer coisa por uma única chance com ela. É aí que aparece a fogosa Elizabeth Hurley, no auge de sua beleza, como a figura sedutora do Inimigo da religião cristã. A grande questão é que Elliot tem uma alma diferenciada, tal qual o Jó que Deus e o Diabo tentaram, e ele é tão (auto) castrado não se permite ter prazeres, nem com a femme fatale de sotaque inglês, além de ser uma das mulheres mais bonitas dos anos 2000.

    Antes de ter acesso aos sete desejos, Elliot é capaz de fazer piadas qu na época fizeram sucesso e que hoje soam ainda mais atuais, recusando a fala da moça achando que ela é da cientologia. A ideia de mostrar um diabo sedutor e enganador mistura elementos anteriores do cinema, há um bocado de Coração Satânico e até Advogado do Diabo na composição do personagem, além de Mestre dos Desejos, no sentido da mulher sedutora perverter os pedidos do contemplado, além de fazer claras referências ao que fez sucesso nos anos 90, Elliot lembra muito Stanley Ipskis, de O Máskara, até a chegada dele a casa de show do demônio lembra o Kokobongo, e a motivação da garota ideal é a mesma.

    A musica de David Newman é sensacional e faz acreditar em toda aura dos capítulos inspirados em paródias, de Pablo Escobar. Fazer dos desejos uma fonte de novas realidades, com o mesmo elenco é uma ideia maravilhosa, e produz momentos incríveis, hilários e até originais. Em comum, todas as realidades tem um peso sexual grande, fazendo o diabo se perder a analogia do pecado inicial ter a ver com a luxuria, e nessa versão, esse parece ser seu pecado favorito, ao contrário da Vaidade, que é o da versão de Al Pacino.

    Mesmo sendo um cara idealista, Elliot continua egoísta, com o pensamento centrado em si, percebendo enfim que mesmo sendo bonzinho ele não é perfeito, ainda insistindo na pecha de que foi enganado. Ele não entende que não há dialogo com a antiga serpente, nem há modo de perverte-la, embora essa seja uma versão menos maniqueísta do clássico inimigo das almas cristãs. Mesmo Deus/Yhwe é mostrado de um modo estranho, como um presidiário, mas que prega que a alma do homem não pertence ao homem, e sim ao ser primordial de poder infinito, que anima todo o cosmo e universo.

    Apesar da mensagem cafona e piegas, de que “não há nada que você possa me dar que eu queira “, e da clara mensagem de superioridade de Deus sobre o Diabo, já que o segundo não consegue descobrir que Elliot conversou com o primeiro, pois além de não ser onipotente, também não é onisciente, não entende todas as coisas. Mesmo que sexualize Hurley – que aliás, parece gostar muito disso, ficando extremamente a vontade em trajes sumários- Endiabrado soa como uma comédia pró cristianismo, mas não castradora, não virginal, tanto que o herói que passa pela jornada cresce, e evolui para alguém mais ativo, e como prêmio, ele encontra uma vizinha linda, Nicky também feita por Frances O’Connor, em um final meio adocicado para toda a acidez antes apresentada, mas ainda cabível dentro da proposta viajandona e amalucada que Ramis propõe nessa versão.

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