Resenha | Gideon Falls – Volume 1: O Celeiro Negro
Existem histórias em quadrinhos que são aclamadas por seu texto, existem histórias em quadrinhos que são aclamadas por sua arte. E existe Gideon Falls, que atinge a excelência tanto no aspecto verbal quanto no imagético.
A equipe criativa, formada por Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart construiu em Gideon Falls um verdadeiro clássico moderno, um tratado estético que lida com os limites da narrativa gráfica e os subverte em prol de uma experiência sensorial única, por meio de uma trama envolvente e instigante.
O trabalho conjunto de texto, arte e cor resulta em uma poderosa e intrigante narrativa de horror, que se utiliza da fragmentação diegetica para contar sua história, a partir dos pontos de vista do Padre Wilfred e do mentalmente instável Norton, duas pessoas absolutamente diferentes e igualmente destroçados pela vida.
É uma verdadeira aula de narrativa, a forma como Lemire descortina os mistérios escondidos em Gideon Falls e o enigmático Celeiro Negro que assombra a cidade. Toda a dinâmica entre os personagens é muito bem desenvolvida, de forma que a história não apresenta oscilação em seu ritmo, sem deixar o andamento da trama de lado em nenhum momento. Lemire concebe o terror em Gideon Falls através das entrelinhas de cada cena, cada diálogo, deixando que a tensão sobrenatural escape em alguns momentos, mas sem deixar muitas pistas para o leitor, sobre tudo o que se esconde por trás de toda a angústia que permeia a narrativa.
Lemire foge da abordagem intimista de seus trabalhos autorais anteriores, criando uma dinâmica de relações intrincadas e complexas entre os personagens ao longo da narrativa, sem a necessidade de um subtexto familiar para conduzir as trajetórias de seus protagonistas. Sanidade e fé são colocadas em perspectiva pela escrita do autor canadense, através dos dilemas pelos quais Wilfred e Norton passam ao longo da história.
A diagramação que Sorrentino faz através das páginas é igualmente deslumbrante e demonstra o pleno domínio que o quadrinista exerce sobre a história que se propõe a contar. Navegar pelas disposições dos quadros em Gideon Falls se revela uma viagem quase lisérgica pelos recônditos mais assustadores da mente humana. A alternância entre os requadros padrões e as diferentes configurações de composição de página, típicas do artista, refletem o próprio estado psicológico dos personagens em cada momento capturado no espaço-tempo contido no quadro.
O trabalho em conjunto de Sorrentino com o colorista Stewart confere o tom psicodélico que a obra necessita, sem deixar de se preocupar em criar uma ambientação bem característica para Gideon Falls, em seus mais distintos núcleos. A arte casa perfeitamente com o brilhante texto de Lemire, de maneira que não se encontra uma sobreposição de arte pelo texto ou de texto pela arte, mas sim uma simbiose estrutural poucas vezes vista em uma história em quadrinhos.
Gideon Falls foi de longe a melhor série lançada nos EUA em 2018 pela Image Comics e publicada no Brasil pela Editora MINO, quase que simultaneamente ao lançamento no mercado norte-americano, sendo assim um trabalho editorial digno de todos os aplausos possíveis. O encadernado brasileiro, editado por Janaína de Luna e traduzido por Dandara Palankof, compila o material originalmente publicado em Gideon Falls #01 a #06, totalizando 160 páginas, com papel de excelente gramatura e uma belíssima capa dura.
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