Resenha | Sandman: Noites Sem Fim (1)
Mais uma do Sonhar
Apesar de uma das maiores histórias dos quadrinhos (tanto em extensão quanto em qualidade), ter sido encerrada em 1996, Sandman ainda continua com um universo gigantesco (literalmente) a ser explorado. Noites Sem Fim (Panini Comics), é outra incursão de Neil Gaiman no cenário que o fez famoso mundialmente. O que torna este trabalho mais ambicioso e especial em relação aos outros é o time escolhido a dedo de profissionais gráficos que ilustram as histórias: Glenn Fabry, Milo Manara, Miguelanxo Prado, Frank Quitely, P. Craig Russell, Bill Sienkiewcz e Barron Storey.
Cada história de “Noites sem fim” explora um conto dos Perpétuos (a saber, Morte, Desejo, Sonho, Desespero, Delírio, Destruição e Destino). Os Perpétuos, segundo o universo criado por Gaiman, seriam as essências mais primitivas que posteriormente originariam os deuses de todas as mitologias. Então, é claro, milhões de contos poderiam ser escritos sobre eles.
Mesmo com tamanha vastidão a ser explorada, há certa uniformidade que acompanha os quadrinhos. É muito mais que apenas uma coerência interna ou quase o mesmo número de páginas para cada conto, trata-se de uma harmonia quase subliminar que mantêm as histórias em uma mesma intensidade exploratória. Os traços acompanhando as subjetividades do universo de cada Perpétuo (nem preciso falar que o Manara ficou no Desejo) é outro fator que torna os contos vívidos por si só. Eles compartilham uma singularidade particular fruto do excelente trabalho de cada um dos envolvidos.
Três histórias merecem especial destaque: Desejo, ilustrado pelo Milo Manara, Desespero, ilustrado por Barron Storey e Delírio, ilustrado por Bill Sienkiewcz. Pessoalmente foram as que mais gostei. Desejo cai como uma luva ao estilo provocador de Manara; até a protagonista, uma aldeã que é desejada pelo filho do líder da tribo, mas que não cede aos caprichos dele porque é ambiciosa, parece ter sido decidida em comum acordo entre ilustrador e escritor.
Desespero é um mergulho no caos particular e gore que enreda algumas pessoas. A história, chamada “Quinze retratos de Desespero”, conta com depravações, desejos ocultos, infortúnios malévolos e todo o tipo de coisa que faria o Marquês de Sade sorrir de orelha a orelha. Cada página desse conto é uma obra de arte. Não há uma estrutura fixa de quadro; as marcações de leitura são irregulares; há diversas intervenções em cada imagem como se um grupo de psicóticos tomasse conta da finalização dos grafismos. Uma mixórdia de desesperança, abominações e irregularidades (principalmente corporais), toma conta do texto e dos quadrinhos. Pode funcionar como teste de Rorschach se você quiser.
Delírio é outra obra de arte. Enredo não-linear, grafismos invadindo outros grafismos, panorâmicas multicoloridas com predominância do avermelhado típico da insanidade, figuras humanas disformes e por vezes apenas em preto e branco (sempre em contraste com a pluralidade de cores da página), Freud, misticismo, teses tresloucadas, e uma história de amigos tentando resgatar a “menina” Delírio de um machucado (pesadelo?) íntimo. Não procure respostas nesta história, assim como em Desespero, neste conto é o Perpétuo que dita a inexatidão do enredo.
Não vou dar o currículo dos ilustradores por conta da extensão de cada um deles e porque o livro conta com dois apêndices bem explicativos sobre todos os envolvidos. Um adendo importante: você não precisa ter lido Sandman para apreciar esse livro. E apenas o conto do Sonho expande o universo comum aos Perpétuos, mas nada demais. Um livro excelente tanto em texto, quando diagramação, quanto grafismo, um deleite sem fim aos olhos e à imaginação.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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