Crítica | The Cloverfield Paradox
No ano de 2008, foi lançado o primeiro Cloverfield, um filme em esquema found footage sobre um grupo de amigos tentando sobreviver à destruição de Nova York por uma estranha criatura que surgiu do oceano. O filme, produzido pela Bad Robot de J. J. Abrams, escrito por Drew Goddard e dirigido por Matt Reeves, beneficiou-se de uma extensa e intrigante campanha de marketing viral que incluiu sites com pequenas pistas sobre a trama, jogos de realidade alternativa e trailers que pouco revelavam sobre o filme. A película de 25 milhões de dólares foi um sucesso, rendeu 170 milhões de bilheteria e recebeu boas críticas da mídia especializada. Em 2016, após anos de intensa especulação, chegou aos cinemas Rua Cloverfield, 10, uma produção que foi cercada de mais mistério do que a sua irmã mais velha. Dirigido por Dan Trachtenberg e estrelado por Mary Elisabeth Winstead, o longa foi um sucesso de público e crítica.
Pouco depois do lançamento de Rua Cloverfield, 10, surgiram os primeiros boatos sobre o que poderia ser a trama do próximo Cloverfield. O filme se chamaria God Particle (Partícula de Deus) e envolveria um grupo de astronautas e cientistas que se veriam às voltas com um acidente em um acelerador de partículas e o posterior desaparecimento do planeta Terra. E só. Depois disso, fora as confirmações de elenco, nada mais foi falado sobre o filme. A data de lançamento foi mudada várias vezes, gerando mais expectativa e também desconfiança. A situação foi ficando mais estranha quando surgiram boatos de que a Netflix tinha adquirido a franquia da Paramount e surgiram informações sobre o enredo do quarto filme, chamado Overlord, mas nada sobre The Cloverfield Paradox. Entretanto, no intervalo do Super Bowl, um trailer surpresa do filme foi exibido com o anúncio de que estaria liberado ao final da partida. Nesse momento todos estão pensando na jogada de mestre aplicada pela Netflix. Seria, se o filme não fosse tão ruim.
Na trama, a Terra enfrenta uma crise energética que irá fazer com que o planeta consuma todos os seus recursos em pouco tempo. Na iminência da extinção, nações colocam as diferenças de lado e lançam um projeto coletivo chamado Shepard, um mega acelerador de partículas que é acoplado na Estação Especial Cloverfield com o fim de gerar energia ilimitada para o planeta. Após dois anos de tentativas fracassadas, a missão finalmente consegue ativar o acelerador, mas algo dá errado durante o processo e nosso planetinha azul simplesmente desaparece. Desesperados, os tripulantes da estação empreendem esforços para entender o que se passa, mas após o acidente com o acelerador, eventos estranhos passam a ameaçar a vida de todos ali dentro.
A premissa é muito interessante, mas o seu desenvolvimento é terrível. Logo no início do filme, há uma participação especial de Donal Logue que praticamente chama o espectador de burro. Quem reclama de Christopher Nolan e o excesso de exposição em seus filmes vai se sentir compelido a escrever um pedido de desculpas ao diretor, porque essa cena de Paradox duvida descaradamente da capacidade intelectual de quem está assistindo. Oren Uziel e Doug Jung falham miseravelmente na concepção do acelerador Shepard. A única coisa que fica bem estabelecida é que estamos diante de um acelerador de partículas. Fora isso, nunca fica claro qual efeito o objeto é capaz de produzir. Pior, os efeitos colaterais são extremamente discrepantes. De um objeto capaz de causar rupturas dimensionais, feridas no espaço-tempo contínuo e surgimento de estranhas criaturas, o acelerador produz efeitos semelhantes aos de uma casa mal assombrada, com direito até mesmo a uma mão inteligente e temperamental ao estilo da mãozinha da Família Addams. Seria caótico (no bom sentido) se não fosse estúpido. Entretanto, o pior é a tentativa de forçar o filme a amarrar as pontas e responder grandes questões da franquia. Não que as perguntas sejam facilmente respondidas, mas as respostas são as piores possíveis e fica a noção de que essa integração é gratuita e forçada.
Narrativamente o filme não possui impacto, visto que logo que o planeta some, somos apresentados a uma sub-trama que se passa simultaneamente na Terra, fato esse que diminui o impacto do filme e acaba com qualquer atmosfera de mistério. Essa sub-trama também faz parte da forçada de barra em integrar The Cloverfield Paradox parte de uma franquia e de um universo cinematográfico interdimensional (vou patentear essa expressão) compartilhado. Se essa trama fosse omitida em troca de uma surpresa final ao estilo de M. Night Shyamalan, é possível que esse Cloverfield provocasse uma breve sensação de satisfação. Outro problema grave é que a direção frouxa de Julius Onah falha até mesmo em criar uma atmosfera de suspense para as mortes na tripulação, tripulação essa que é composta de tipos genéricos e que não despertam nenhuma empatia, à exceção da protagonista vivida pela ótima Gugu Mbatha-Raw.
Em resumo, The Cloverfield Paradox não funciona em nada. Não se estabelece como suspense, erra na ficção-científica sendo somente um filme que se aproveitou de uma campanha excelente de marketing e que cuja a única razão de existir é pra integrar e amarrar mal um universo cinematográfico interdimensional compartilhado.
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