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  • Resenha | Clube Vampiro: Unidade de Crimes Vampíricos – Volume 2

    Resenha | Clube Vampiro: Unidade de Crimes Vampíricos – Volume 2

    A plasmagória piorou a maldição de ser um vampiro. Como se já não bastasse viver para sempre, agora nem é mais preciso sair atacando todo mundo: a droga ilícita triplica o volume de plasma sanguíneo no corpo dos dentuços, e a sensação é de pura satisfação, como beber um copo de suco gelado num dia seco de calor. O submundo de Miami agradece isso, já que o tráfico de plasmagória não para de crescer numa cidade repleta de parentes (seminus e tropicais) de Drácula, mas agora que a droga é exclusiva dos mafiosos Del Toro, ela mesma será sua ruína ao acarretar inúmeros crimes à família, e uma perseguição policial implacável. Bem-vindo ao calvário dos Del Toro, como se o martírio dessa gente provasse que ainda há justiça nesse mundo.

    Nesse Clube Vampiro – Vol. 2, a cabeça da (cobra) família ainda é Risa, vampira sem limites mas agora submetida sob a jurisdição de Miami. Isso porque, ao invés da droga reforçar o poder financeiro e político dos Del Toro na cidade, os crimes por causa da substância só aumentam em boates, quartos de hotel e banheiros de botequim. Só que impune Risa jamais ficaria, não com o tenente Fortine e seu detetive MacAvoy na área, ambos investigando a fundo a ligação da mafiosa e sua valiosa toxina com os homicídios e outros absurdos que explodem, a cada noite que passa. Cercada por todos os lados, Risa começa a se desesperar, e acuada, a cobra percebe que seus dias de triunfo e luxúria podem estar contados. Mas é claro, nada é tão simples, e nessa história de gato e rato, uma paixão inesperada pode ser o pivô para tudo se complicar, ainda mais.

    O que começa tal um conto ilustrado de suspense e perícia criminal comandada por Fortine, no melhor estilo C.S.I. encontrando True Blood (os vampiros de Crepúsculo não durariam um minuto perto de Risa), torna-se de uma forma natural, graças ao bom roteiro da estória, numa trama de amores proibidos regada por sangue e promessas impossíveis. Sua semente é logo no primeiro encontro do jovem MacAvoy com a diabólica chefona, quase uma súcubos hipersexualizada em diversos momentos. Ambos se atraem na cadência de uma danação mútua, ela a pimenta e a catarse de MacAvoy na banalidade do dia a dia, e ele sendo o porto seguro e a normalidade de Risa em meio a uma existência de atrocidades em nome do poder herdado do seu pai, como vimos antes no Morra Agora, Viva para Sempre desta saga. Aqui, a história peca em não se aprofundar em certos temas que passam tímidos pela narrativa, que segue interessante até a sua conclusão, violenta e imprevisível como todo o resto.

    Esta segunda parte de Clube Vampiro, série adulta da Vertigo e publicada no Brasil pela Panini, conta com ilustrações delirantes de David Hahn ao emoldurar as sombras e o frenesi de uma realidade atípica, tanto realista quanto ficcional como são os melhores quadrinhos. Com leves toques de horror surrealista e personagens cativantes, não existem heróis nem vilões lidando com suas ordens e seus crimes, seus carmas e seus mistérios, apenas homens e mulheres lutando por poder – e vingança, muita vingança, muito além de quaisquer clichês. Um abusando do outro no limite da decência, às vezes no limiar da humanidade, com MacAvoy sendo um anjo entre monstros, e que, é uma questão de tempo, também será infectado por essa Miami de vampiros e paranoia. A saga de Howard Chaykin,  David Tischman e Hahn clama por uma adaptação live-action, e enquanto essa não chega, sua trama nas páginas dos quadrinhos segue uma ótima pedida.

  • Resenha | Clube Vampiro: Morra Agora, Viva Para Sempre – Volume 1

    Resenha | Clube Vampiro: Morra Agora, Viva Para Sempre – Volume 1

    E se juntassem toda a trama básica de O Poderoso Chefão, com os elementos de luxúria, violência e sarcasmo sem limites da série True Blood (um tanto esquecida, hoje em dia)? Os Corleone sairiam de fato mordendo pescoços, na Sicília e em Nova York? O resultado mais simples seria essa minissérie adulta do fantástico selo Vertigo, da DC, em que vampiros não são mais uma lenda, e sim uma realidade já consumada no submundo conturbado e pervertido de Miami. Se antes o crime organizado local era comandado pela família de vampiros Del Toro, por quase um século de atuação, quando seu centenário patriarca é atirado de um prédio para que todos pudessem ver seu corpo explodir, em praça pública, o culpado agora precisa ser encontrado, e um jogo de poder entre seus filhos toma corpo para ver quem é digno de ser o novo chefão a liderá-los.

    Uma família de crimes, cujos delitos principais vão muito além de tirar sangue de suas vítimas – seus objetivos são bem mais complexos que os de conde Drácula, pode ter certeza disso. E neste primeiro volume de Clube Vampiro, dos escritores Howard Chaykin e David Tischman, o realismo fantástico pretendido pelos seus autores é destilado em uma trama policial introdutória a boa mitologia da história, e aqui dividida entre dois enredos principais: a caça pelo assassino do finado Eduardo, figura lendária em Miami (um vampiro alfa, na hierarquia da raça), e o embate ético entre os seus três filhos: a inescrupulosa mulher de negócios Risa, o explosivo Eddie, uma referência imediata ao truculento Sonny da saga Chefão, e num contraponto direto a imoralidade absoluta dos irmãos, temos o sacerdote Leto (o Michael Corleone da vez), um estranho fora do ninho que busca a salvação de todos em nome da reputação dos Del Toro, e de uma vaga no paraíso para os seus entes queridos.

    Queridíssimos, aliás. Uma gente capaz de tudo, incluindo sua mãe Arabella, que vivem para seus negócios com drogas ilícitas, perversão entre eles e muita prostituição, em nome dos privilégios que precisam continuar tendo após Eduardo ter partido, e deixado como líder o seu filho Leto – cuja honra e serenidade ímpares conquistou a sabedoria do pai. Diante disso, Risa e Eddy mostram-se os inimigos ideais para o jovem padre, um otimista inveterado com síndrome de Superman no meio de uma orgia de pura competição e ganância. Em Clube Vampiro, nota-se aquele clássico conflito shakespeariano em que o sangue nas veias de uma família é envenenado pelo instinto animal de cada um, e é claro que as chances de tudo dar errado já estão postas na mesa desde o início, tendo apenas um elemento na história que se mostra humano o suficiente para merecer nossa atenção, enquanto que os outros gozam de sua imortalidade e dos hormônios sempre à flor da pele que ela oferece (afinal, se temos todo o tempo e juventude do mundo, porque não aproveitar com prazeres sem fim?).

    Com personagens realmente cativantes, devido à personalidade forte de cada um bem apresentadas neste primeiro volume, a minissérie inicialmente carece de um roteiro mais inteligente e empolgante tanto nas suas reviravoltas, quanto em seu final, bastante previsível em torno de um drama e de uma ação maniqueísta demais e fraco, em certos momentos – a conversa no taxi entre Leto e seus novos capangas que começa a liderar – é especialmente apática, e óbvia para quem já leu outras histórias mais sofisticadas sobre grupos criminosos, e a constante paranoia e tensão interna que paira no seu dia a dia. Mesmo assim, o primeiro Clube Vampiro vale por sua premissa bem legal, algumas figuras caricatas mas bem divertidas, e os traços quase eróticos de David Hahn, dando vida a alguns painéis chocantes. Não apenas ousadia, mas há aqui a falta de um esforço maior na construção do enredo que inicia a história dos sanguinários e poderosos Del Toro, ainda que seja irresistível querer saber o que o futuro os aguarda.

    Compre: Clube Vampiro: Morra Agora, Viva Para Sempre – Volume 1.

  • Resenha | Ironwolf: As Chamas da Revolução

    Resenha | Ironwolf: As Chamas da Revolução

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    Como destacado pelo prefaciador Walt Simonson, Ironwolf é um projeto antigo de Howard Chaykin, que discute questões centenárias ligadas ao imperialismo e escravização do homem comum, focado especialmente na prisão ideológica de Ironwolf, que remete a tantas obras clássicas, como Duna de Frank Herbert e Laranja Mecânica de Anthony Burgess.

    Nas primeiras palavras do roteiro de Chaykin e John Francis Moore – que trabalharam em Batman Houdini: A Oficina do Diabo, além de séries televisivas, como Human Target e Viper – já há uma espécie de contrato de desilusão, aludindo ao esquecimento dos remotos tempos de paz e tranquilidade, com as palavras contraculturais de Homer Glint, um assíduo atiçador político, inconformado com os modos excludentes do regime totalitarista vigente no espaço, através do Império Galaktiko, remontando de modo mais taxativo a celeuma vista na clássica trilogia de George Lucas. É curioso como a verborragia textual convive bem com o traço peculiar de Mike Mignola e as cores de  P. Craig Russell, que faz referências que amalgamam o pós-apocalipse de Mad Max junto a expansão espacial suja de Battlestar Galactica. A construção do texto político guarda muitas semelhanças com a versão dos anos 2000 de BSG, ainda que a discussão seja mais relacionada à opressão estatal a todos os homens e afins, deixando a segregação de classe mais ampla do que o apartheid visto entre humanos e cylons.

    Os avatares da revolução são amplamente discutidos, até desconstruídos, diante da representação exemplar que deveriam ter em comparação com o que pragmaticamente são: homens, sujeitos a ferimentos, lesões e a falhas. As batalhas em terra têm brutas semelhanças com o ideário visual das adaptações audiovisuais de Philip K. Dick, ainda que seu conjunto de referências seja muito mais atrelado a história econômica e social da Terra do que qualquer outra inspiração.

    Os modos dos revolucionários compreendem atos violentos, que se revelam também na agressividade do falar, com um linguajar popular como a causa, e torpe como os inimigos do livre agir. Estes aspectos emprestam veracidade ao drama do narrador e Ironwolf.

    A história se materializa em um grito revoltoso por meio da multifacetada variação de pessoas aliadas ao grupo de insurgentes e inconformes com os poderosos. A simbologia presente na troca de classes feita por Ironwolf serve de inspiração, fomentando muitos ideais para a batalha de classes, sem deixar de lado o viés mais fisicamente combativo. A mensagem de Chaykin ganha força ao categorizar a crítica ao capitalismo predatório, reforçada pelo posicionamento do personagem título como ponta de lança, resultando numa mensagem de imortalidade inexorável da parte do ideal de contestação, ainda mais atual na contemporaneidade.

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  • Resenha | Batman: Pulp Fiction

    Resenha | Batman: Pulp Fiction

    Batman - Pulp Fiction

    A série Túnel do Tempo costuma colocar os personagens canônicos da DC Comics em diferentes linhas temporais, mostrando a rotina de suas aventuras em uma nova ambientação, algumas vezes no mesmo local, mas sempre em épocas diferentes. A terceira (de quatro) edição do especial Batman 70 Anos contém duas boas aventuras: Gotham City 1889, em meio a Era Vitoriana, com a sensacional arte de Mike Mignola, explorando o personagem com figuras históricas, como Sigmund Freud e Jack Estripador, e Batman Pulp Fiction, ambientada nos anos 1960, em meio a Guerra Fria. Basicamente, esta é mais um demonstração da atuação do Morcego em seu cenário, fazendo de Gotham City o palco perfeito para as suas atuações de amedrontamento dos criminosos e malfeitores supersticiosos.

    Batman – Pulp Fiction foi publicada em Thrillkiller 1 a partir de janeiro de 1997, e conta com roteiros de Howard Chaykin e arte de Dan Brereton. A história explora uma Gotham situada no ano de 1961, época pós-geração beat, pós-macarthismo, e recém retirada do período de Einsehower na presidência da América.

    O narrador da história desdenha do otimismo psicodélico que envolve os habitantes da gótica cidade. Os tempos eram outros, sombras pairavam sobre a nação e ainda mais sobre Gotham City. O ultramoralismo predominava no pensamento geral, mesmo no comportamento da classe criminosa. Os homossexuais eram restritos a guetos e os bandidos eram organizados. Duas Caras — que supostamente não é Harvey Dent, visto que ele age como promotor da cidade — trabalha como um mafioso que extorque dos comerciantes locais uma substancial parcela dos lucros, até que é impedido por dois vigilantes fora da lei: Robin e Batgirl. Uma nova ideia de dupla dinâmica e com visual bem mais adulto que suas contrapartes do universo DC regular.

    O departamento de polícia é composto pelo rebelde e antiquado James Gordon, que neste universo paralelo também tem de lidar com a corrupção dentro do batalhão, e seu (praticamente) único aliado é a “mosca branca” anti-corrupção avatarizada na figura do detetive Bruce Wayne, herdeiro da tradicional e falida família Wayne. O mesmo senso de justiça é presente nesta contraparte, mas, graças também à falta de recursos, sua forma de combate ao crime é uma aposta mais baixa e modesta.

    A corrupção atinge os maiores pontos da alta roda da cidade. Há um conluio dos mais escusos entre o prefeito e alguns dos malfeitores e ex-detentos do Arkham. O envolvimento entre eles esconde crimes como assassinatos de pessoas influentes, quase sempre visando culpar os poucos “cavaleiros brancos” de Gotham. Como nas histórias noir, há um triangulo amoroso entre os heróis envolvendo Barbara Gordon, em sua dúvida entre ter como par Dick Grayson ou Bruce Wayne. O curioso é que mesmo com os antagonistas famosos presentes, ainda que em versões diferentes, é notório o envolvimento do prefeito Ryan na conspiração, que concentra muita influência política e, claro, muito poder dentro do cenário de vilania do município.

    Uma reviravolta após o fim da terceira edição rearranja os principais personagens. Wayne torna-se fugitivo, graças à falsa acusação de assassinato de Selina Kyle, e abraça o manto do morcego finalmente. A dupla dinâmica muda, e as coisas começam a ficar mais cruéis e sinceras, além do aumento da violência. É curioso o retorno de Bruce à mansão e a escolha pelo vigilantismo, pois estes revelam o retorno ao seu estado de espírito preferido e é uma reafirmação de sua natureza. Apesar de ter sido um policial, não poderia negar o próprio ethos e seu entendimento de justiça singular, muito mais intervencionista do que o de um tira comum.

    Apesar de ser repleto de boas referências, o roteiro torna-se secundário diante da arte surrealista de Dan Brereton; a anarquia de seu lápis combina demais com as cores, e as curvas femininas ficam muitíssimo bem grafadas, sensualidade essa que é uma das mais importantes na tônica de toda a trama. O fim da história principal guarda alguns fatos interessantes, mas não faz da revista algo totalmente indispensável ou acima da média. Além do já citado desenho de Brereton, Batman: Pulp Fiction pouco acrescenta ao leitor experiente das aventuras do Morcego.