Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria
Tomando como base uma ordem mundial diferenciada, pautada no exacerbo do capitalismo e exibindo uma face ainda mais selvagem dos escritos de Marx e Engels, Mad Max: Estrada da Fúria resgata o cinema de George Miller, refundando a franquia que o fez famoso, renovando-a para uma nova geração de aficionados, mas sem ignorar os fanáticos pela antiga trilogia.
A primeira cena inicia-se com um discurso inflamado de Max Rockatansky (Tom Hardy), lembrando-se de sua condição de cavaleiro solitário, como na outra encarnação de Mel Gibson, intensificada ainda por um trauma que proporciona a si um fantasma, seu tormento, recaindo sobre sua cabeça como uma cachoeira que lava seus pensamentos, inundando sua mente de culpas. A adrenalina destas sensações ataca-o de modo irônico, deixando-o mais uma vez desatento, a ponto de ser capturado, ficando uma boa parte dos primeiros momentos sem sequer ser citado.
Miller mostra um novo fôlego em sua direção, se distanciando do que fizera na franquia Happy Feet: O Pinguim, apresentando o universo que estreou em 1979 no primeiro capítulo, e fundamentado em 1982 com A Caçada Continua, acrescendo, claro, a estética videoclíptica, não deixando dever nada à direção de realizadores “massavéio”, mas abordando de modo adulto a fita. As cenas de ação têm uma continuidade em estrada impressionante, não devendo em nada tanto aos recentes À Prova de Morte de Quentin Tarantino, quanto a Bullit. As cenas e câmera retrasada têm muito mais significado que os takes adorados por Zack Snyder, remontando a influência de Sam Peckinpah, tanto no ritmo quanto na visceralidade dos momentos violentos do filme.
A abordagem lembra a de um road movie, por apresentar cenas titânicas– e em sequência – sobre quatro ou duas rodas, em terrenos arenosos, relembrando o eco da predação humana em relação ao seu próprio habitat. As conclusões e reflexões estão espalhadas pelos cenários, e servem a uma análise mais profunda por parte do público, que ainda tem uma miscelânea de sequências interessantíssimas, incrivelmente agressivas, mas sem tanta profusão de sangue ou gore.
Outro aspecto interessante é a ausência de verborragia, fazendo do roteiro algo sucinto em matéria de falas. Estrada da Fúria é um filme essencialmente visual, seja pelas planícies belas, pelas falésias ou pelo visual grotesco dos antagonistas. O fetiche, tanto das personagens belas, como das parideiras que sofrem a ação de um déspota tirânico trazendo o sex appeal para uma figura grávida, contrasta com a beleza quase infinita de Charlize Theron, que mesmo masculinizada em sua Imperator Furiosa, consegue arrancar um misto de força e sensualidade, concentrando em si quase todo o conteúdo homoafetivo de todos os episódios da cinessérie, sem ter nada de caricatural. A riqueza dos personagens periféricos consegue compensar – mais uma vez – o fato de Max ser um coadjuvante de luxo, na fita.
A trajetória de Rockatansky é mais uma vez de subida, passando da eterna solidão para a solidariedade capaz de gerar nele um complexo suicida. Max prossegue um pária, possivelmente por ainda não ter superado a perda dos seus no filme setentista, algo agravado, é claro, pelos espectros que o perseguem. O deslocamento dele é notado a todo momento, mesmo quando encontra sobreviventes, pessoas que estariam próximas de sua condição singular, inclusive quando os aventureiros retornam ao lugar onde foram oprimidos.
A solução final abarca uma mensagem de compartilhamento, que, em análises mais conservadoras, pode ser associada à mensagem de Jesus, que exigia a divisão de riquezas dos que pediam para segui-lo, assim como também abraça uma prática mais socialista, acenando até para alegorias ao texto de Gene Rondenberry na franquia Star Trek. Miller apresenta um blockbuster maduro, inteligente, cuja trilha sonora e edição de som são absurdas e acrescentam demais à trama, ajudando a construir a atmosfera de pavor e enigma. Estrada da Fúria possivelmente abrirá uma sangria com novos rumos para a franquia, apresentando um mundo rico, cujas aventuras e desventuras têm tudo para captar a atenção de espectadores pelo mundo inteiro, e com um protagonista que não deixa nada a desejar à abordagem que Gibson havia inaugurado.
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