Crítica | Álbum de Família
Tracy Letts é um escritor pouco ortodoxo. Suas peças já renderam ótimos roteiros de filmes, como Possuídos e Killer Joe: Matador de Aluguel, ambos de William Friedkin. Em Álbum de Família, o autor parece querer grafar uma afeição em trocar farpas com a instituição família, pervertendo o tempo inteiro os seus conceitos e tradições só para demonstrar o quanto o circo é anacrônico e hipócrita em sua essência.
Cada um dos rebentos possui o seu próprio código ético e um conjunto de perversões com peculiares e curiosidades. Eles fazem questão de ser assim: seus pecados são a marca registrada de suas vidas, o que os diferencia do mundo e, claro, uns dos outros. A casa da matriarca Violet, interpretada por Meryl Streep, é sempre muito movimentada, e quando está cheia transpira incômodo e sufocamento, produzindo calor em quem a adentra (exceto aos os que lá vivem), além de parecer uma mansão de filme de terror. Violet é amarga, ácida, opressora com todos que a cercam e pouco preocupada com as pessoas na maior parte de tempo. Ainda assim, ela mostra-se interessada em cuidar dos seus, demonstrando a dicotomia que é ser mãe e sofrer do mal misantrópico.
O momento em que Barbara, a filha mais velha (interpretada pela veterana Julia Roberts), atravessa é muito semelhante ao da mãe. A estética das duas serve como avatar do estado depressivo que atravessam, simplificado pelos cabelos maltratados de ambas. Diante das tristezas que elas possuem, não há muita lógica em cuidar-se ou transpirar feminilidade. No lugar disso há o cansaço e o enfado em ter de prosseguir uma vida sem muitos objetivos. O único momento em que a primogênita escova os cabelos e demonstra amor próprio é quando está tomada pelo desespero, assim que descobre que pereceu — seu superego assumira e, no estado de emergência, ela age, baseando em seu instinto de preservar o melhor que consegue. As semelhanças entre as duas também se dão na personalidade passiva-agressiva e, obviamente, opressora com as figuras masculinas.
O trabalho com os personagens utiliza-se do uso de estereótipos cômicos, até mesmo para tornar a louca história mais universal possível, maximizando a sensação de sufocamento e claustrofobia, tanto dos caracteres quanto do espectador.
Demonstrações pequenas de ódio, como o desprezo pelos mais jovens, é um argumento também mostrado, mas a praxe durante as brigas é o amargor, que segundo Violet, tem a ver com a forma como a mulher envelhece, deixando a leveza e graça para se tornar algo feio, não só externa como internamente. A verdade torna-se uma arma branca que fere os familiares, explicitando de forma cruel como a decadência destrói a auto-estima. O canhão de ofensas de Violet consegue atingir a todos, e ela se usa dos segredos de toda a vida para humilhá-los, mesmo os que não disputam rivalidade com ela.
O roteiro de Letts é cruel e pródigo em causar terror, mostrando, nas relações familiares doentias, os sentimentos que variam entre o ódio completo e o cinismo exacerbado, contrastando com a solidariedade mútua. Todos os personagens são repletos de defeitos, não há por quem torcer, tampouco existe redenção moral; mesmo os que aparentam fragilidade e quietude, escondem uma carga de ofensas e um potencial destrutivo, condição esta que parece inerente ao clã. O que Barbara faz, em relação às mágoas impingidas sobre suas irmãs para supostamente protegê-la da verdade, a faz perceber que ela não está tão distante do lodo da geração anterior. O signo da peruca de Violet funciona como uma máscara no intuito de esconder a fragilidade da alma da mãe, que só é agressiva quando veste a cabeleira postiça; quando não a usa, se mostra vulnerável e semi-morta, como sua alma prossegue.
John Wells conduz o filme com a maestria de não atrapalhar as ótimas atuações de seu elenco e nem manchar o belo roteiro que tem em mãos.