Crítica | Junho: O Mês que Abalou o Brasil
Há muito não se via um registro de cunho esquerdista explícito no Brasil. Há muito. A maioria utiliza-se de metáforas e manobras de marketing pra tapar o sol com a peneira. A famosa produtora O2 Filmes e o jornal Folha de São Paulo de posse de tais circunstâncias uniram fatos e relatos ao útil e agradável, dando voz ao povo, falando em tom publicitário e jornalístico o que o povo quer e fez ouvir, captando o devido caráter subversivo (para um tabloide que apoiou a ditadura e parece se redimir a quem não esquece disso). O efeito multidão, o resgate da repreensão policial (encontrada todos os dias nas periferias), a cobertura sacrificante dos tipos de imprensa dentro da unidade informativa: tudo em Junho representa, da forma mais clara e direta possível, o sentimento e a comoção pela representatividade almejada entre os semestres de 2013. Os responsáveis e as razões são levados tão a sério quanto a credibilidade que a maior produtora e o segundo maior jornal do país conseguem assegurar e manter durante a narrativa com fôlego de cobertura ao vivo.
Em ordem cronológica, Junho se mantém, se expande e aumenta a carga de denúncia e reconstituição na proporção que as manifestações tomaram: um rastro de pólvora, indo muito além dos grandes centros, incluindo dentro do congresso de Niemeyer; a reputação do hino nacional e a reverberação acadêmica que não resistiram ao levante; a ira que profetizou Bob Dylan e fez roubar o destaque da dita “Copa de Todo Mundo” – sério? – e atrair a atenção do mais alto nível do judiciário brasileiro; do quarto poder celebrado nesta expressão em 1955, usada pela primeira vez pelo teórico de comunicação norte-americano James Carey. Utilizando a avaliação de vários outros mediadores da opinião pública e do senso comum geral, percebe-se que:
1. O documentário é um programa político de um canal de televisão disposto a atrair o cidadão que clama por mudanças civis;
2. A investigação das motivações sociais e dos parlamentares, talvez anárquicas em ambos os casos, e próximas em suas afetações complementares, depende única e exclusivamente do espírito crítico de quem assiste e sente esta produção, só assim respondendo suas perguntas, tecendo o mérito da obra;
3. É interessante, porém incompleto, o modo com que causa e efeito são redigidas, constatadas ao longo do material, do eco dos gritos, da contradição de um torneio mundial de futebol ser realizado num país exausto pela falsa confraternização esportiva, como se o paralelo das agruras entre a festa nos estádios vitoriosos e uma saúde/educação/segurança/previdência/população carcerária fracassadas ganhassem síntese pela panorâmica de um drone sobrevoando os protestos e movimentos. Senão pela ideia a partir do poder da imagem, o espectador é mais uma vez submetido à qualidade das informações que recebeu e recebe;
4. Esse viés democrático também se contradiz por não dedicar um minuto à versão da Polícia Militar, por pior ou melhor que esta seja.
Tamanha a certeira injustiça com os méritos das imprensas locais, o documentário e a Folha acertam por não irem além do foco ocorrido em São Paulo. Mas sugerem que em diversos estados e municípios brasileiros, com sensibilidade e prudência exaltadas, revelaram a mesma alma revolucionária que em 2014 não morreu, sobrevivendo por todo o território ainda marcado nas entrelinhas pela ditadura de anteontem. E o que começa como peça publicitária se revela, entre testemunhos e a relevância social de cada um deles, uma aquisição incansável e honesta até o último minuto, mas com forte gosto de vinagre à quem acha que tá tudo bem. Tá tudo tranquilo.
Atualizado: Esta crítica foi escrita um dia antes das eleições de 2014, quando o Brasil ainda acreditava em mudanças estruturais no sistema civil que parece representar, sim, a maior parte do povo. Hoje, 06 de outubro, um dia após o resultado eleitoral, tudo continua igual, e Junho se torna, a partir de então, o manifesto de uma revolução que nunca aconteceu.
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