Resenha | Topografias
Ao se deparar com uma coletânea gráfica de contos, tal como essa Topografias, com suas seis histórias curtas, o leitor deve se achar incumbido de uma corajosa missão, a frente: submergir em um mar de sensações inconfessáveis e deixar-se contaminar por um silêncio tão revelador, quando íntimo. Empresa esta que se alastra por meio de toda uma leitura lúdica, afim de aproveitá-la como se deve, sucumbindo então aos estímulos sensoriais propostos por seis autoras num esforço coletivo, cada uma a sua maneira. Cada uma com sua visão.
Com estilos e narrativas gráficas absolutamente distintos, eis uma obra imponente em meio a sua sensibilidade exuberante, suas cores e formas tão contemplativas. É notável como o sexteto de autoras aqui se impôs ao nobre desafio de serem absolutamente honestas às suas próprias perspectivas essenciais, e estéticas, na composição de contos acerca do papel e dos efeitos das mudanças, das descobertas, e das transformações na experiência humana dos seres – em especial, o ser feminino.
Para tanto, o apelo surreal é forte. De primeiro, sentimos (e o verbo é esse) o impacto da mudança de ambientes para duas jovens mulheres; em seguida, e não muito além, experimentamos visualmente as transformações inevitáveis que moldam nossa consciência, e o que construímos ao redor, nos traços e matizes espetaculares das autoras Bárbara Malagoli, Julia Balthazar, Mariana Paraizo, Lovelove6, Puiupo e Taís Koshino. De mutações biológicas bizarras, a transição do ciúme ao amor entre duas garotas (o primeiro tido como um sentimento primitivo de pertencimento predatório, e o segundo já encarado pela visão mais altruísta e ágape do mesmo), o leitor é conduzido a um mar de sensações catárticas em cada história na qual se permite afundar, desde a primeira e sugestiva página.
O delírio de um traço promove aqui a epifania pretendida em certos momentos, ou ainda, a melancolia poética de outros instantes, sempre invariavelmente vibrantes como se o desejo desses seis contos fosse o de explodir, página afora, com vida, alegria e tristeza próprias, e sem precisar de muitas palavras para isso. É fato que a pujança desses contos nos chega intacta, impressa e acessível até aos menos sensíveis de nós (e acredite, são muitos), mas também nota-se o quanto a falta de harmonia não apenas visual, mas na falta de uma concordância narrativa mais forte, e contínua, consegue impactar negativamente na transição de uma história para a outra.
Assim, a sensação final (logo após a última história, talvez a mais poderosa, bela e sensual de todas) é a de que Topografias, lançada em junho de 2016 pelo Selo Piqui, mesmo que fadado as mais extensas interpretações simbólicas, quase conseguiu ser tão marcante quanto talvez pretendesse ser, desde o início. Se o projeto gráfico de 2016 não atinge plenamente tal objetivo, de certo chega próximo, bem próximo, em suas claras e francas ambições de potência sensorial e pura exuberância estética para todos os gostos – e sensibilidades.
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