Crítica | Sonhos Roubados
Já dizia o filósofo alemão do século XIX, Nietzsche: “Nada lhe pertence mais que seus sonhos“.
Filosofias à parte, o simples bater das asas de um beija-flor, atravessa, de repente, a trajetória de qualquer um de nós, e parece arremessar, para longe, sonhos que começamos a esculpir, transformando-os em fragmentos de desilusões e desânimos.
No entanto, apesar do que possa parecer através do título, Sonhos Roubados é um filme brasileiro que fala da capacidade em manter intactos nossos sonhos, por mais que a vida insista em querer desbotar suas cores. Eles se mostram presentes na sutileza de um shampoo roubado, do retoque do batom sob o reflexo de uma tampa, do desejo de um mp3, de um jeans provado na loja da periferia, ou no prazer do frenesi do baile funk e da serena brisa na areia da praia.
A diretora, Sandra Werneck, insiste mais uma vez em explorar o avesso dos núcleos sociais, como fez com os seus documentários. Já premiada pelo filme Cazuza – O Tempo Não Para (2004), nacional e internacionalmente, e antes desse, com Amores Possíveis, de 2001, como Melhor Filme Latino-americano, no Sundance Film Festival, Werneck arrebata, com Sonhos Roubados, o prêmio do júri popular no Festival do Rio de 2009. Ainda por este filme, o trio que protagoniza a história, Nanda Costa (Jessica), Amanda Diniz (Daiane) e Kika Farias (Sabrina), divide o prêmio Biarritz de Melhor Atriz, em 2010.
Nanda Costa está, mais do que impecável, vibrante, quando mergulha em todos as nuances de uma garota que encara a prostituição com absoluta naturalidade, já que esta atividade se mostra como a única forma de cuidar do seu avô e de sua filha. É assim que Jéssica acaba conhecendo o presidiário Ricardo, que marca a estreia, como ator, do rapper MV Bill.
Também em torno de uma dinâmica que visa a realização de sonhos, sejam eles de sobrevivência ou de consumo (mas que fazem parte do universo das favelas e de tantas outras garotas no mundo todo), Diane e Sabrina se dispõem a ganhar alguns trocados como pagamento de “favores”.
Baseado em um livro da jornalista Eliane Trindade, que conta a história de seis adolescentes, Sonhos Roubados não economiza na qualidade dos intérpretes, e nos presenteia com as ótimas atuações de Marieta Severo (que já havia trabalhado com Werneck, em Cazuza), Daniel Dantas, Nelson Xavier, Ângelo Antônio e mesmo do estreante Bill.
Ainda que a realidade das comunidades carentes se apresente como tema que vem sendo abordado pelos cineastas brasileiros, essa obra nos traz a cadência, a vaidade, a garra e a fragilidade de um universo feminino, visto pelo mesmo olhar, com honesta humanidade. Sonhos Roubados veste-se de uma leveza que suspira o lado dramático da precocidade da vida das três meninas, sem permitir que a alegria de viver as pequenas (talvez imperceptíveis aos olhos dos outros) conquistas, e o direito de sonhar, lhes seja roubada.
Devo confessar que notei uma certa negligência na elaboração dos diálogos. Mas então me pego pensando: e precisa? Afinal, não é assim mesmo (despreocupada, instável e intolerante a desperdícios) a linguagem de quem se debate entre a necessidade de amadurecer e a secreta vontade de conservar a meninice? Não podemos “ler” nos gestos, nas expressões e nos caminhos traçados, tudo aquilo que não é falado?
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Texto de autoria de Cristina Ribeiro.