Crítica | Psicopata Americano
Psicopata Americano não foi um sucesso notável de bilheteria, mas acabou se firmando como um dos filmes mais cultuados do cinema contemporâneo. O misto de violência, cultura pop e a atuação memorável de Christian Bale tornaram o filme uma espécie de clássico cult e referência para o cinema independente.
Psicopata Americano conta a história de Patrick Bateman, um jovem executivo de Nova York que esconde fortes tendências assassinas. De dia, Bateman senta em seu escritório, almoça no clube e compara cartões de visita, durante a noite ele tortura e esquarteja prostitutas e rivais.
O personagem de Bateman é apresentado enquanto realiza sua rotina cosmética diária. A precisão com que ele cita cada passo e principalmente cada produto, e a luz dourada que enquadra Bale como uma espécie de quadro ou deus grego deixam claro o que é Patrick Bateman: uma imagem. E no plano final da sequência, ao simbolicamente retirar uma máscara do seu rosto, o personagem confessa que sabe disso.
Patrick Bateman é uma imagem, uma casca cuidadosamente construída, mas sem nada do lado de dentro. Nada, exceto a obsessão com essa imagem. A cena em que diversos executivos comparam seus cartões de visita é didática: eles são todos iguais, ainda assim cada um precisa ser o melhor.
O filme é extremamente irônico e o distanciamento de Bateman é tratado de forma precisa e sutil, com destaque para os momentos em que ele discorre longa e academicamente sobre bandas da época, enquanto assassina alguém, assiste duas prostitutas transando ou se prepara para torturá-las. Mary Harron, a diretora do filme, acerta ao contar a história pelo ponto de vista de Bateman sem avisar o espectador disso, o que permite a surpresa e ambiguidade finais.
A ironia confere ainda um ar absurdo a coisa toda: a violência de Bateman se torna extremamente caricata e no final até improvável; a forma como ele nunca faz nada em seu escritório, exceto palavras cruzadas; a noiva, interpretada por Reese Whiterspoon, que podia facilmente ser a “barbie anos 80”. O filme é uma crítica ácida, mas irônica, que equilibra violência e humor e talvez por isso tenha se tornado tão comentado.
A direção de arte, os enquadramentos e a trilham reforçam a caricatura. Os figurinos são exatamente aquilo que diz o estereótipo dos anos 80, a direção usa planos e recursos datados, como o zoom e efeitos de transição na montagem e a trilha parece algum tipo de compilação de “top hits” da época. Tudo é extremamente anos 80, os yuppies, a cocaína, as roupas.
Psicopata Americano critica fortemente o capitalismo e uma sociedade obsessivamente voltada para a imagem. Mas o faz de forma sarcástica e quase auto-acusatória (afinal, o cuidado da direção de arte do filme ecoa o de Bateman com seu corpo), ao contrário do que David Cronenberg fez em Cosmópolis, Psicopata Americano não se apoia em discursos, mas na imagem. Isso tudo, quando aliado ao final duvidoso do filme, parece querer falar de uma loucura que não é só de Bateman, mas própria do sistema.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.
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