Tag: Maurício Zacharias

  • Crítica | Melhores Amigos

    Crítica | Melhores Amigos

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    A carreira de Ira Sachs como diretor normalmente toca em temas relacionados a questão da homossexualidade. Seus últimos dois filmes tratam de fases da vida bastante diferentes, sendo o último O Amor é Estranho, focado na relação de dois homens já maduros e no fim da vida, e Deixe a Luz Acesa um episódio sobre a juventude. Ambos tem a qualidade bastante questionável, em especial pelo uso contínuo de clichês, e seu novo produto Melhores Amigos também incorre na mesma questão chave, dessa vez usando crianças como parâmetro para seu drama.

    A história é contada a partir do cotidiano de Jake Jardine (Theo Taplitz), um menino de apenas 13 anos que se muda para a casa do avô recém falecido. Entre brigas familiares pelas posses do local, ele conhece Tony (Michael Barbieri), o filho da moça que tem uma loja na residência nova da família Jardine. Entre brigas com os pais das duas crianças e a descoberta do um amor dúbio, se constrói uma relação sólida em seus laços afetivos, mas confusa na direção que ela toma.

    A intenção por detrás do roteiro de Sachs e Maurício Zacharias é maravilhosa, uma vez que esse é um ponto-chave  da homossexualidade. Uma boa parcela da comunidade gay tem ou teve dificuldade de assumir sua identidade sexual quando muito jovem, mesmo que já tivessem certeza e consciência da orientação ainda cedo. O problema é a maneira nada sutil com que isso é retratado, não soando tão maniqueísta e simplória quanto em Deixe A Luz Acesa, mas ainda assim é rasa, não propiciando qualquer debate, nem gerando carisma nas personagens que façam com que o público se importe com os dramas mostrados em tela.

    Os erros do texto se assemelham muito aos vistos em King Cobra, filme de temática gay recente. Ambos tem posturas muito normativas e tratam o assunto central de maneira tímida, perdendo a oportunidade de escancarar o quão hipócrita é a sociedade com essa minoria e o quanto as pessoas excluídas realmente sofrem. A favor do longa, há o fato do script tratar os personagens masculinos como homens sem atitude, em especial o pai do protagonista, Brian (Greg Kinnear), que é um sujeito apático e ideologicamente impotente, que recebe ordens de toda e qualquer mulher que o cerca. Ainda assim, não há um trabalho para mostrar esse fator como um sintoma à quebra do patriarcado como força vigente na sociedade, ao contrário, o aspecto está lá exposto e não há maiores preocupações com ele.

    Afora o tom morno do filme durante toda sua exibição, há uma tentativa de emular filmes clássicos de John Hughes, ainda que a referência recente mais explicita seja a de Micróbio e Gasolina, de Michel Gondry, acrescido obviamente o fato do despertar sexual. Fatalmente o episodio recente da filmografia de Sachs soa menos inspirado e sentimental que o anterior, resultando em mais um produto que tenta chegar a um ponto de profundidade mas que não o alcança.

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  • Crítica | O Amor é Estranho

    Crítica | O Amor é Estranho

    O Amor é Estranho - Love is Strange - Poster Internacional

    Dois anos após a beleza poética de Deixe a Luz Acesa, o americano Ira Sachs retorna às telas versando, mais uma vez, sobre o amor. O roteiro escrito em parceria com Mauricio Zacharias aborda a história de um casal que, após 39 anos vivendo junto, decide se casar oficialmente.

    Ben e George, interpretados pelos sempre excelentes Alfred Molina e John Lithgow, são homens maduros que possuem a rotina, coerência e estabilidade de um casal que há muito se conhece. Vivem naquele momento em que podem falar a respeito de tudo com o outro e se conhecerem intimamente, sem necessidade de julgamentos, nem mesmo para reclamações cotidianas.

    Ao efetuar o matrimônio, a profissão de George sofre um abalo. Músico de uma escola católica, ele é convidado a se retirar de suas atividades por não mais seguir o código cristão estabelecido pelo local. Mesmo que sua relação nunca tenha sido um segredo para pais, filhos e professores, cientes sobre seu parceiro, a personagem reconhece a impossibilidade de ir contra uma sagrada instituição que ainda condena tais relações.

    A estrutura de vida do casal é modificada. O casamento, que deveria ser a consagração máxima deste equilíbrio, produz, inconsequentemente, uma separação física. O casal se vê obrigado a vender o apartamento em que mora e, até conseguir um bom local para viver sob novas condições financeiras, se hospeda em casas de parentes. George permanece na casa de um casal de policiais, moradores do mesmo antigo prédio; enquanto Ben vive na casa de um sobrinho, ao lado de esposa e filho.

    A distância do casal demonstra as dificuldades que qualquer relação, mesmo que longa e duradoura, pode passar. As personagens estão fora de seu ambiente natural, em um momento sensível após o casamento, e sentem-se desconfortáveis por viver uma rotina que não a delas. Um local com festas quase diárias, no caso de George; um quarto dividido com o afilhado, sem um local para dedicar-se à sua arte, caso de Ben. Dia a dia, os dois tentam superar a distância obrigatória.

    O roteiro de Sachs/Zacharias aprofunda-se nas personagens sem deslocá-las das rotinas que as cercam, demonstrando nestes locais como situa-se o universo íntimo de cada família. Tanto o casal quanto a esposa do sobrinho de Ben trabalham com a arte. Um ambiente carregado de dedicação criativa que, normalmente, necessita de um espaço próprio para desenvolver-se. Passando boa parte do tempo em casa, Ben não encontra um local adequado para inspirá-lo, algo que também impede Kate (Marisa Tomei), esposa do sobrinho, dar prosseguimento ao seu novo romance. De maneira suave, o longa também faz essa breve reverência ao labor artístico.

    A trama apresenta a história sem focá-la em um drama específico. Os conflitos são vistos com naturalidade e se destacam também em um dos diálogos de George, em uma carta dedicada à sua escola: “A vida tem seus obstáculos, mas aprendi cedo que é melhor enfrentá-los com honestidade”. Um recurso rápido e explícito de apresentar a intenção por trás da história. Uma ciência de que os problemas na vida são naturais, e de que espetáculos dramáticos a respeito devem ser evitados para serem resolvidos da melhor maneira possível.

    Sachs trabalha também com qualidade a composição das imagens. Se no filme anterior prevaleciam ambientes escuros apoiando a indecisão da personagem central, neste as cores são sempre claras e os ambientes iluminados, como se representassem pelas imagens a maturidade estável e o brilho do amor do casal.

    (Para uma análise mais completa da obra, a partir deste momento revelações do filme serão apresentadas. Sendo assim, pare imediatamente se não quiser saber sobre o desfecho da produção).

    O estilo escolhido para representar a morte de um dos pares é bonito, metafórico e simples. Impressiona pelo impacto posterior ao descobrirmos a morte por intermédio de seu sobrinho em um diálogo. Na referida cena, o casal se despede em frente à escadaria do metrô, ainda vivendo em casas separadas. A personagem que sairá de cena é quem desce as escadas rumo ao subsolo para o transporte. Bonita metáfora de travessia acompanhada por um longo fade out que parece anunciar o final do filme. Mas esta cena encontra um par com o momento final, do sobrinho caminhando de skate ao lado de uma garota. Durante a trama, o garoto revelou ao tio Ben uma paixão por uma garota desconhecida. Assim, não só inferimos que a personagem encontrou-a novamente como o passeio é apresentado de maneira hábil, com a câmera posicionada às costas deste novo casal e contra a luz do sol. Uma metáfora oposta à anterior, explicitando a sensação de paz e iluminação do garoto ao ter este encontro.

    Litgow e Molina, que sempre se destacam pelas boas interpretações, apresentam um bonito casal maduro que transparece a cumplicidade mútua e um amor raro de muito anos. O Amor é Estranho é um drama bem equilibrado que não transforma a idade ou união em uma carga desnecessária de sentimentos, produzindo a naturalidade e a capacidade de lidar com as adversidades da vida de maneira orgânica, com apurada narrativa poética.