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  • Resenha | Ogiva

    Resenha | Ogiva

    Quadrinho idealizado e escrito pelo editor do Pipoca e Nanquim, Bruno Zago, Ogiva é uma historia brasileira pós apocalíptica desenhada por Gulherme Petreca. O começo do gibi é desolador, mostra crianças com fome procurando suprimentos em uma casa abandonada. Do lado externo há um cenário de fim do mundo, e logo depois acontece um evento catastrófico em níveis pessoais. Um dos adultos apresenta em uma fala o tom da narrativa: esse mundo não é mais nosso.

    Não se sabe ao certo os motivos desse cenário. A informação é escassa nesses tempos e as criaturas que agora habitam o mundo podem ou não serem as causadores de todo esse mal. O que se tem ciência é que a tragédia tem proporções globais e, obviamente, interfere na rotina familiar de muitas pessoas, especialmente de Pilar e Vitoria, que vestem as máscaras de mentora e pupila.

    Os cenários são repletos de detalhes. Baratas e outros insetos povoam os móveis das casas, fomentam a ideia de abandono dos lugares urbanos, abutres voam ao redor das casas prenunciando a morte dos homens. O tom em preto e branco ajudar a fortalecer a sensação de tragédias sucessivas ocorrendo. Nesse ponto, o traço de Petreca serve bem ao propósito do quadrinho, uma vez que seus trabalhos anteriores como Galho Seco ou o filme Uma História de Amor e Fúria não tem absolutamente nada a ver nem temática nem espiritualmente com o que se lê aqui. Por mais que a ação não pareça ser a especialidade do quadrinista, há bem mais acertos que escorregões. O trabalho do artista é competente, compensando os momentos de ação com os outros em que a melancolia e o sentimentalismo prevalece.

    O letreramento de Arion Wu normalmente é bem elogiado nos outros trabalhos da editora. No caso de Ogiva ajuda demais. Faz parte dramaticamente da narrativa, reflete angústia, medo e o suspense na busca pela sobrevivência. O texto é reflexivo, especialmente na pressa em trabalhar e consumir, exemplificada de forma extrema com o futuro inexistindo praticamente, mas sem apelar para clichês baratos.

    Além de elementos óbvios de Mad Max: Estrada da Fúria, há também semelhanças com O Eternauta e O Eternauta 2, além de Um Lugar Silencioso. Por mais que a historia não seja extraordinária, é uma boa aventura sobre humanidade e sobre como se deve e não se deve agir em situações limite. Além disso, a mistura de quadrinhos alternativos fortificada pelo traço de Petreca com elementos populares em obras como The Walking Dead é um bom tempero do que seria o futuro de 2049, uma época implacável, mas que ainda assim não consegue esmagar todas as esperanças dos sobreviventes. Por mais piegas que seja essa conclusão, ainda assim faz sentido dentro da premissa defendida. Fica a curiosidade por mais histórias dos autores, seja dentro ou não desse agridoce universo brasileiro pós fim do mundo.

  • Resenha | O Fim e o Começo – Bruno Sanches

    Resenha | O Fim e o Começo – Bruno Sanches

    A estreia de um novo autor sempre é carregada de expectativa. Uma obra inicial é um convite aos leitores rumo a um novo universo literário. Traz o carinho do autor como se desse luz a um primeiro filho e se apresenta como um cartão de visitas a procura de leitores e leituras atentas.

    O lançamento de O Fim e o Começo marca duas estreias em paralelo. Ao mesmo tempo, inicia formalmente a carreira do bauruense Bruno Sanches no universo narrativo (anteriormente participou apenas de antologias), como também é uma obra lançada no primeiro ano da recém-fundada Mireveja, de João Correia Filho. Uma expectativa em dobro.

    Nos treze contos que compõe o livro, observamos um narrador atento ao mundo contemporâneo, ciente de certa condição combativa do mundo, mesmo nos menores sinais. Como um analista da sociedade atual, Bruno destaca a selva de pedra em personagens reconhecíveis por qualquer leitor: vigaristas, mentirosos, amantes, preconceituosos, e outros conflitos infelizes de nossa sociedade. Todos compostos em um estilo narrativo que mistura um relato atual, como crônica, e intenso como conto.

    Se a estrutura do conto é evidentemente diferente do romance pelo espaço temporal, a delimitação entre conto e crônica não é tão nítida. Antonio Prata, um dos grandes cronistas contemporâneos, demonstra em seus livros a falta de definição precisa entre os relatos citados.  A narrativa de Sanches trabalha no mesmo escopo. A brevidade narrativa e a reprodução dos fatos cotidianos se alinham a crônica, a observação filosófica dos fatos vem da veia do conto, com uma narrativa que fisga o leitor nas primeira linhas. Narrativas com punch, como define Julio Cortazar em sua teoria sobre contos.

    A unidade narrativa entre eles advém de um autor atento, levemente irônico, que faz o leitor refletir se a fidelidade das situações narradas são frutos de sua criatividade ou um reflexo de suas observações pela selva de pedra. Qualquer resposta para essa pergunta é corromper uma das graças da literatura.

    Quando não observa o cotidiano, o autor também dá vazão a sua paixão pela música, não apenas nas presentes citações a títulos e trechos de canção como em dois contos especiais: O lado escuro da lua, uma viagem tão transcendental como os ácidos que a banda Pink Floyd tomava para realizar seus discos psicodélicos, apresentando uma fictícia (será?) entrevista com Alan Parsons, técnico de som da banda, para uma análise sobre teorias da conspiração e arrebatamento musical. Além dele, um dos contos mais sensíveis do livro, Silent Lucidity, mantém a tônica musical em um drama que é impossível terminar a leitura sem os olhos embargados.

    As narrativas em cada conto se alinham também com a estética da obra como livro físico: uma capa em cores fortes, viva, destacada com ilustrações de larvas e borboletas, tanto em sua capa, quanto em páginas internas. Fins e começos narrativos, registrando ciclos. Os meios ficam a cargo do leitor. Nessa jornada, o livro de estreia de Sanches tem muito a dizer, sem perder qualidade em nenhuma das narrativas.

    Compre: O Fim e o começo – Bruno Sanches