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  • Review | Devilman Crybaby

    Review | Devilman Crybaby

    Quando este anime apareceu na Netflix, muita gente não ligou o nome à pessoa. Devilman é um personagem clássico, criado por Nagai Go no mangá homônimo publicado nos anos 1970. Devilman Crybaby é uma espécie de releitura/remake da obra original, trazendo para os dias atuais e, claro, modernizando um pouco a estética e a narrativa. Ao mesmo tempo que respeita o original, traz coisas novas.

    A trama gira em torno de dois amigos, Akira e Ryo. Akira é chorão e extremamente bondoso, mora com a família Nakamura enquanto seus pais, médicos renomados, viajam o mundo ajudando pessoas. Ryo tem um ar mais frio e fez muita fama e fortuna na área acadêmica nos Estados Unidos. Quando os amigos finalmente se reencontram no Japão, Ryo leva Akira a uma festa estranha com gente esquisita e lá ocorre uma carnificina por conta de possessões demoníacas. No meio do caos, o poderoso demônio Amon possui Akira, entretanto o garoto chorão mantém sua consciência humana – mas herdou o apreço pelas lutas de seu possuidor. Akira oblitera os seres demoníacos do local e se descobre uma nova raça, um híbrido de humano e demônio com enormes poderes: Devilman.

    Ryo e Akira aproveitam o grande poder de Devilman para iniciarem uma cruzada para erradicar os demônios que, sorrateiramente (às vezes nem tanto), estão chegando no mundo dos homens. O desenrolar da história alterna entre vários núcleos de personagens, inclusive vilões, e existe um bom desenvolvimento dos personagens. Akira muda drasticamente de aparência após a possessão, adquirindo um corpo atlético e personalidade forte, semelhante ao mangá.

    Por outro lado, notamos algumas diferenças. No mangá, Ryo sempre morou no Japão e quem descobriu informações sobre os demônios foi seu pai arqueólogo. Alguns demônios emblemáticos aparecem no anime em situações diferentes, porém mantém aparência e poderes bem semelhantes à obra original. Sua “irmã adotiva” Miki é uma atleta popular na escola, bem diferente do mangá. E claro, o uso de tenologias atuais (computadores, celulares etc), que inexistiam nos anos 1970.

    Além da violência gráfica, o anime traz muitas cenas  sexuais quase explícitas, algumas beirando aos hentais bizarros. Em uma primeira análise, parece tudo muito gratuito, mas no contexto geral, faz muito sentido (ainda que não sejam determinantes para a narrativa). A obra original é extremamente violenta, mas não possui conteúdo sexual.

    Crybaby usou a trilha sonora de forma interessante, principalmente o hip hop com letras que complementam a narrativa. As músicas incidentais são muito boas, uma espécie de eletrônico, e o tema principal é excelente para os momentos de impacto e tensão. Akira e Ryo são bem desenvolvidos ao longo da série. As revelações vão moldando cada um deles, além dos coadjuvantes, também bem explorados.

    Um dos vários fanservices referenciando a série original

    O ponto mais memorável de Devilman é a reta final da história. Acontecimentos brutais seguidos de revelações bombásticas e um final arrebatador. O anime foi bastante fiel nesse ponto, mas o cerne da discussão mudou um pouco. Enquanto que na obra original existe uma dúvida se o grande vilão estava certo, aqui a questão principal gira em torno da própria crueldade dos humanos. Analisando com mais profundidade, podemos dizer que o anime aliviou um pouco em relação ao mangá, mesmo mantendo a brutalidade. Isso não tira o mérito do anime, pelo contrário, mantiveram a essência, criaram algo novo mas respeitaram (e muito) o que Nagai Go criou nos anos 1970.

    Devilman Crybaby não tem apelo ao grande público. Sua estética e temáticas podem ofender muitas pessoas. A própria qualidade da animação presume um orçamento menor (mesmo não sendo tão fluida, o desenho é bem animado). Várias cenas também são estranhas até para quem está acostumado com as bizarrices dos animes. Após assistir pela primeira vez, li o mangá e depois reassisti. Posso dizer que passei a apreciar ainda mais Crybaby. Os dez episódios fluíram muito melhor, pude notar os diversos easter eggs e referências à obra original que, mesmo sendo fan service, mostram o respeito que tiveram por Nagai Go. Por isso, sugiro fazer o mesmo: assista Crybaby e leia o mangá, não necessariamente nesta ordem. São obras viscerais que merecem ser conhecidas por todos os apreciadores de anime e mangá. Sugiro não assistirem com a dublagem brasileira, a qualidade deixou a desejar e pode prejudicar sua experiência.

    https://www.youtube.com/watch?v=Cah-BDyTtSg

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  • Resenha | Devilman

    Resenha | Devilman

    Em 1972, o autor japonês Nagai Go iniciaria um dos mangás mais clássicos já feitos. Estou falando de Devilman, obra que rende discussões e novos produtos até hoje. Devilman teve grande inspiração na obra anterior de Nagai, Demon Lord Dante.

    O início do mangá mostra uma guerra brutal entre anjos e demônios, sem diálogos, apenas violência e sangue. Esta guerra ocorreu nos primórdios do tempo. Séculos depois, na década de 1980, um grupo de pesquisadores encontram demônios congelados no Himalaia (referência indireta a Lovecraft?) que se libertam e, provavelmente, se espalharão pelo mundo. Interessante que, até aqui, o estilo de arte é mais realista e detalhado. Nas páginas seguintes, tudo fica mais estilizado.

    A história avança para dias mais atuais. O jovem estudante Akira Fudo vai à casa de seu melhor amigo, Ryo. Ele quer mostrar a Akira alguns objetos de estudo de seu falecido pai, que era arqueólogo. Um estudo sobre demônios. Eles começam a se envolver demais em descobrir outras coisas sobre as criaturas e, em determinado momento, Akira sofre uma possessão. Porém, sua natureza humana prevalece e ele não perde o controle de si. Nasce aí o primeiro ser de uma espécie híbrida de humano e demônio: Devilman.

    Akira sempre foi uma pessoa muito boa, daí o aparente motivo pelo qual o demônio não tomou sua consciência. Com tamanho poder em suas mãos e sabendo que os demônios pretendem se espalhar na Terra, ele e Ryo iniciarão uma caçada aos seres do inferno.

    “Um super-herói demônio bondoso”, você deve pensar. Eis a genialidade de Nagai Go. Em um primeiro momento, somos levados a crer que Devilman será um grande herói que lutará contra os demônios maus. E de fato o faz ao longo de todo o mangá. Mas no decorrer da obra, as coisas seguem para rumos inesperados. Inclusive o gosto de Devilman pelo combate, herança de seu demônio possuidor Amon.

    Tanto a arte quanto o estilo narrativo do mangá remetem à sua época. Os traços são precisos e conseguem retratar as cenas de forma muito competente. O estilo dos personagens podem gerar estranheza para quem está acostumado aos animes e mangás mais atuais. A narrativa é bem explicada (até demais), o que por um lado facilita a leitura e compreensão, mas que por outro pode cansar alguns leitores. O ritmo é mais lento, os capítulos têm, em média, 50 páginas, diferente dos mangás atuais,  que geralmente se mantém entre 20 e 30. A vantagem é que boa parte dos quadros não tem falas, então a leitura não se torna cansativa.

    De início, os demônios estão invadindo a Terra de forma discreta, possuindo humanos para se infiltrarem sem chamar tanta atenção. A partir daí, Akira e Ryo passam a caçar esses demônios. Vale destacar o design das criaturas, uma mais bizarra que a outra, algo que somente os japoneses conseguem fazer. O grotesco body horror é muito presente na obra, além de muita violência explícita.

    Dentre as inúmeras possessões, ocasionalmente, algumas fusões de pessoas e demônios originam outros devilmen, mas que não ganham tanto destaque até os momentos finais da trama.

    Ao longo da jornada, a situação piora, e demônios cada vez mais fortes aparecem. Os capítulos finais são de uma brutalidade absurda, Nagai Go não teve medo de jogar na sua cara o lado mais podre do ser humano. Este é o grande mérito de Devilman. O autor, de forma brilhante, mostra que o ser humano pode ser pior que um demônio, e que, ironicamente, o humano-demônio (Akira/Devilman) talvez seja o personagem mais humano da história! Um caos generalizado ocorre nos capítulos finais, e isso desperta a podridão da humanidade, gerando um verdadeiro apocalipse.

    Podemos dizer que o ponto central de Devilman é analisar até onde o instinto selvagem do ser humano pode chegar, até onde a histeria coletiva pode destruir a tudo e a todos. E mais, que o grande vilão talvez tenha razão! Será que a humanidade é a vítima da situação?

    Devilman é uma obra visceral, cruel, pesada, herege, brutal e tantos outros adjetivos negativamente positivos. Por mais que o mangá seja bem antigo, vale muito a pena correr atrás e ler sem receber spoilers. Não há uma publicação oficial no Brasil, mas enfim, dê o seu jeito e aprecie um dos mangás mais importantes já publicados. Mas vale deixar avisado: a obra pode ofender a fé de algumas pessoas devido às abordagens de símbolos religiosos.

    Se interessou pelo mangá? Ótimo! Pare por aqui e vá buscar a obra original. Caso não se importe com spoilers, segue abaixo o que acontece na reta final da trama.

    Ryo vai a uma grande emissora de TV e revela diversas informações sobre os demônios. Porém, distorce muitas delas. Por exemplo, diz que qualquer pessoa pode se tornar um demônio, sendo possível identificar a partir de mudanças de personalidade. Para dar mais credibilidade a esta afirmação, Ryo exibe um vídeo de Akira se transformando em Devilman. Essa foi a chave para criar uma histeria coletiva e derrubar o mundo inteiro no absoluto caos. Inicia-se uma Caça às Bruxas onde qualquer um se torna um alvo. A humanidade começa a se auto-eliminar, pessoas comuns se tornam assassinos loucos, a carnificina se espalha pelo mundo.

    No meio da histeria, a família e amigos de Akira são cercados em sua casa, e todos são brutalmente assassinados. Suas cabeças são espetadas em hastes de madeira enquanto os assassinos dançam insanamente em volta da casa em chamas, numa espécie de festividade bestial. Akira vê aquilo e cai em desespero. Ele percebe que os verdadeiros demônios são a própria humanidade.

    Akira vai atrás de Ryo para questionar o motivo pelo qual revelou informações falsas que levou a humanidade àquele caos. Aqui temos a grande revelação da obra: Ryo era, na verdade, o próprio Satanás. Nos primórdios do tempo, os demônios nasceram por um erro de Deus. O Criador quis eliminar esses “erros”, porém Satanás não aceitou. Por que eliminar os demônios sendo que são sua própria criação? Com isso, Satanás se rebela contra Deus e se isola.Quando finalmente retorna ao mundo, percebe que uma nova raça está parasitando o planeta: os HUMANOS! Com o objetivo de eliminar essa raça e garantir a sobrevivência dos demônios, Satanás traça um plano: descobrir a fraqueza da humanidade e, com isso, eliminá-la. A forma mais eficaz seria se tornar um humano para entender essa raça. A partir daí, ele criou uma situação para que Akira fosse possuído, e o resto vocês já sabem.

    Após a revelação destruidora, Akira declara guerra a Satanás e passa muitos anos recrutando todos os devilmen remanescentes da Terra. Uma batalha sangrenta é travada, e Satanás sai vitorioso.

    A cena final é emblemática: Satanás e Akira estão deitados no chão, a céu aberto, cercado pelo mar. Satanás é um ser assexuado, mas nutre uma paixão por Akira. Ele reconhece que eliminar a humanidade foi um ato similar àquele que Deus faria com os demônios. Ele pede perdão a Akira, mas, quando a “câmera” se afasta um pouco, vemos que o amigo está morto, e sem a metade inferior de seu corpo. Satanás venceu a batalha contra os humanos, mas chora pela morte de Akira. Então, um exército de anjos aparece no céu para arrebatar o que sobrou das forças de Satanás.

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