Crítica | Chappie
A cotação é maior do que o filme realmente merece. As três estrelas são por todas as boas ideias e sacadas que mereciam ter sido melhor exploradas no roteiro. Boas intenções não fazem um bom filme, mas achei que valiam ao menos para incrementar a nota dada à história de um engenheiro – Deon (Dev Patel) – que, depois de ser o responsável pela invenção de droides autônomos, utilizados como força policial, esforça-se para desenvolver uma inteligência artificial que consiga replicar a consciência humana. Frustrado com a executiva da empresa onde trabalha, – Michelle Bradley (Sigourney Weaver) -, mais interessada em vender armas que poetas, resolve agir por conta própria.
Desde Distrito 9, o público espera que Neill Blomkamp repita a dose do que se tornou sua “especialidade”: misturar ficção científica com crítica social. Elysium parecia promissor, mas deixou bastante a desejar. E este, apesar da boa premissa, também não chega aos pés do maior sucesso do diretor/roteirista.
A maior falha é o roteiro não saber para que lado vai. A narrativa não se decide entre fazer graça, fazer crítica social ou partir para cenas de ação. Sem contar a infinidade de incongruências tecnológicas que deixam qualquer nerd indignado. Ok, é uma obra de ficção, mas um mínimo de bom senso e verossimilhança ajudam muito a mergulhar o espectador no universo da história. E o roteiro falha ostensivamente nisso. Vale reparar que essa “indecisão” vem desde os trailers. O primeiro dá impressão de que é um filme quase infantil, algo como Wall-E + ET. Enquanto o segundo já parte para a pancadaria, mais parecendo Robocop, dando enfoque ao vilão, Vincent Moore (Hugh Jackman).
Inicialmente, parece que o roteiro irá focar na discussão sobre a substituição do contingente humano por um robótico no policiamento e em suas consequências, boas ou ruins. O filme avança mais um pouco, e o foco passa a ser a evolução da inteligência artificial, a possibilidade de construir máquinas (quase) à nossa imagem e semelhança, com capacidade para aprender e sentir. O espectador pensa “Ah, o filme é sobre a ética da IA.”. Ledo engano. Alguns minutos se passam, e o enfoque é o preconceito, a aceitação (ou não) de estranhos ou ‘diferentes’ em um grupo social. Mais adiante, é sobre a capacidade de adaptação e aprendizado de um ser inteligente não-biológico. Nesse meio tempo, o tom da narrativa também muda, mas de forma irregular e pouco consistente. Nenhuma história, nenhuma pessoa é séria ou cômica o tempo inteiro. Porém, neste roteiro o que fica nítida é a indecisão quanto à forma de contar a história de Chappie. Essa variação no tom mostra-se pouco “orgânica” – para usar um termo da moda. E incomoda quem assiste. Pois uma coisa é ir ao cinema achando que é um filme infanto-juvenil sobre um robô engraçadinho e descobrir logo nos primeiros minutos que é algo mais sério e violento. Outra coisa é o filme mudar essa perspectiva a cada cena.
Falando dos personagens, apesar de algumas falhas na construção – perdão pelo trocadilho – Chappie é de longe o personagem mais bem estruturado, com mais profundidade. Os demais, em sua maioria, são estereotipados e, em alguns casos, pouco críveis. Michelle Bradley, diretora da OCP, digo, Tetravaal, é apenas uma executiva padrão. Ou até menos, pois que executivo não se apegaria à possibilidade de testar uma nova tecnologia que o deixaria à frente da concorrência? Deon Wilson é o engenheiro responsável pela criação do modelo de robôs policiais similares a Chappie. É um nerd típico que passa a noite em claro programando e movido a energéticos. E, convenhamos, por mais nerd que seja, ninguém deixaria sua própria criação, um salto tecnológico em IA, nas mãos de qualquer um. A gangue que “acolhe” Chappie – Ninja, Yolandi (Ninja e Yo-Landi Visser, vocalistas da banda sul africana de rap-rave Die Antwoord, responsável pela trilha sonora) e Yankie (Jose Pablo Cantillo) – está longe de ser ameaçadora, mais parece um grupo de comédia pastelão. Mas mesmo assim, em termos de complexidade e identificação com o público, estão anos-luz à frente de Vincent Moore. Mais clichê impossível. O engenheiro com ideias diametralmente opostas às de Deon, não é apenas um estereótipo, mas uma caricatura. Chega a ser chato, de tão previsível. Sua animosidade em relação a Deon é exagerada demais, teatral demais. Enfim, apesar dos personagens deixarem a desejar, não há o que reclamar do elenco, que faz o que pode com o material que tem em mãos.
E há, como dito anteriormente, inconsistências, não apenas tecnológicas, que certamente atrapalham a suspensão de descrença necessária para comprar a ideia do filme: Douglas, parceiro no blog Cafeína Literária ajudou a lembrar as mais gritantes:
1- O departamento, ou empresa, que cuida da segurança da Tetravaal deveria ser inteiramente dispensado. Que (falta de) segurança é aquela? Em que praticamente qualquer um tem acesso ao chip responsável pela programação dos robôs. Em que um funcionário consegue sair das instalações levando não apenas material da empresa mas também armas. E para que servem as câmeras de segurança que filmam essas ações, se aparentemente não há ninguém assistindo a elas?
2- Como um capacete feito para ler ondas cerebrais – de novo, ce-re-brais – consegue ler o “cérebro” de um robô? Ok, são pulsos eletromagnéticos, mas até mesmo um leigo sabe que os pulsos emitidos por uma máquina, um forno micro ondas por exemplo, são beeeem diferentes da ondas emitidas pelo cérebro humano
3- Se, como afirma Deon, Chappie tem poder de aprendizado acima da média, conseguindo inclusive descobrir como transferir a consciência de uma pessoa para um pendrive, por que continua falando como criança ou usando as gírias tolas de seus colegas de bando? Poderia, ao menos, sair falando feito He-man.
É uma premissa muito boa, perdida em um roteiro mal construído. Na torcida para que o próximo Alien seja melhor que isso.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.