Crítica | O Riso Dos Outros
O começo do documentário de Pedro Arantes remete a uma famosa fala de Goethe: “Nada descreve melhor o caráter dos homens do que aquilo que eles acham ridículo”. Logo depois, o realizador começa a provar seu ponto, exibindo um Stand Up Comedy com um número bobo, argumentando sobre tipos de risadas, ao mesmo tempo, que brinca com estereótipos de sorrisos.
Em meio ao relato de muitos humoristas brasileiros, há uma exemplificação do porquê uma piada funciona e quais são os fatores que fazem a plateia rir. A conclusão chegada pelo montante de falas é que a vida do homem comum é tediosa, ao passo que o humor libera endorfinas, faz a existência ser menos dramática. Ver a tragédia sem se compadecer só acontece porque o trapalhão não teve uma morte ou sofrimento, é sobre esta égide que se posiciona a zombaria
Da multiplicidade de discursos, retira-se uma outra conclusão, a de que o humor é matemático, calculável, portanto tendo linhas claras do que funciona num palco de comédia em pé e que alguns desses pontos não necessariamente agradariam em televisão ou cinema. O gênero Stand Up Comedy conta a com a facilidade e espontaneidade do texto próprio e figura própria, sem maquiagem ou máscara.
Mas a discussão é o cerne do filme, que põe no centro do diálogo a necessidade do estereotipo para a realização das piadas. Estereotipo normalmente é usado pelos comediantes como uma muleta, serve para fazer o público rir, ao menos para começar o burburinho, dialogando com o preconceito alheio. O humor carrega uma dose de crueldade, busca o defeito, o pior, a caricatura baseado em uma característica que até determina identidade, mas reverbera o “ruim”, onde o desrespeito é comum.
Alguns dos entrevistados relembram que os humoristas não são os responsáveis pelas mazelas sociais. No entanto, a leviandade da piada há que ser vista, especialmente pelo fato justificado pelo deputado e ativista gay Jean Willys, que destaca que o homem q faz a piada homofóbica é hetero. Mas é possível argumentar sem reforçar o preconceito.
O cartunista André Dahmer é um dos poucos que vão na contramão das falas de Danilo Gentilli e companhia, de que o importante é avacalhar. Dahmer assume que em uma piada há sempre uma vítima, mas destaca que se é pra bater é melhor bater em quem merece, mulher e negro sempre foram perseguidos.
O lado escolhido pelo documentarista é de que o motivo que faz a piada machista ser proferida é a clara tentativa de naturalizar a inferioridade da mulher ao homem, em um argumento claramente misógino. O sexismo reforça o lado oposto a luta do feminismo, na busca por respeito. Apelar pro lugar comum só retorna ao público o que possivelmente pensa, que além de não combater o preconceito, reforça a pensamento baixo do homem comum, reverberando o comodismo de ser conservador e opressor.
Os depoimentos põem dois lados distintos, a manutenção do status quo, com piadas que mantém tudo igual, do outro lado, a defesa do politicamente correto, que por sua vez é taxado de careta. A questão é que o reforço da desigualdade seria mesmo o símbolo de caretice? A opressão é absolutamente invertida, pondo a intolerância na parte que costuma reforçar arquétipos tolos. A chamada “patrulha” é ambígua, se é chamada assim somente por discordância de ideia, o que normalmente se lê como o combate a desqualificação de grupos sociais.
A comédia é politica, defende ponto de vistas e ideologias. O discurso de O Riso dos Outros reforça a pecha de que o humor real e positivista é o irônico, que bate no carrasco e não na vítima, rindo do patético comum ao conservador, que faz o senso comum bobo rir, normalmente por consenso do público, normalmente pouco exigente e pouco afeito a transgressões. A busca eterna pelo riso da plateia é um exercício fútil aos olhos de Arantes, e completamente anacrônico, fora de qualquer escopo de modernidade, destacado pelo som característico das primeiras fitas do cinema mudo.