Tag: Homofobia

  • VortCast 41 | A Representatividade nos Quadrinhos

    VortCast 41 | A Representatividade nos Quadrinhos

    Vortcast 41Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Thiago Augusto Corrêa (tdmundomente), Jackson Good (@jacksgood), Filipe Pereira (@filipepereiral) Rafael Moreira (@_rmc) recebem a convidada Caroline Bardese, do site Setor 2814, para comentar a respeito da importância da diversidade e a representatividade nos quadrinhos de super-heróis.

    Duração: 84 min.
    Edição: Victor Marçon
    Trilha Sonora: Victor Marçon
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • A Guerra Civil entre Leitores da Marvel

    A Guerra Civil entre Leitores da Marvel

    Guerra Civil

    Os camaradas do Vortex Cultural, cientes de minhas bravatas via rede social, me convidaram gentilmente para este breve conjunto de palavras formulando, neste perigoso mundo dos textos indevidos, escritos às pressas, popularmente chamados de textão, impressões sobre o recente movimento editorial da Marvel Comics baseado em impressões das impressões. Ou seja, uma análise daquilo que observei nas redes sociais nos últimos dias referente à nova notícia do estúdio, formuladas nestes artigos postados em Pop Liberal e outro em Contra 52 e no vídeo do Canal do Colecionador, envolvendo um novo personagem a assumir o manto de Homem de Ferro: uma garota – !!!!!!!!!!! – negra – !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! – de quinze anos – !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.

    A vontade de continuar este texto inserindo palavras de expressão popular, coerente com o estilo dos textões tenta escapar de meu pensamento. Seriam muito mais fáceis a ironia e o exagero para explicitar meu incômodo (as exclamações do parágrafo anterior, aliás, são meramente enfáticas e irônicas, tentando simbolizar a reação que observei na rede). Porém, reconheço que colocar em caixa-alta certas palavras, forçar o excesso de exclamações e outros recursos serviram apenas para empobrecer meu discurso. Este não é um daqueles textos que se possa chamar de estúpido. Naturalmente, você pode me chamar de estúpido, mas minha intenção é que você, o leitor, ao menos diga: ei, esse cara é um estúpido mas ele tem um ponto de vista.

    Dito isso, registro o quanto os quadrinhos ainda se mantêm como uma potente força de expressão. Não fosse isso, a nova divulgação da Marvel não causaria tanto rebuliço na internet. Pontuo a expressão “na internet” por não ter acesso a outros materiais que não o virtual; e quando digo internet, restrinjo-me à manifestação de possíveis leitores de quadrinhos, não de críticos ou analistas internacionais com uma sólida carreira no ramo.

    Dois espectros distintos de opinião se destacam na discussão contemporânea dos quadrinhos: a representatividade de certos personagens e certa rejeição – para não dizer uma espécie de ódio sentimental – à qualquer mudança, mesmo que insignificante, na narrativa quadrinesca. Aqueles que defendem a representatividade apoiam um conceito multicultural de que o Universo Marvel, como reflexo da realidade, deve ter espaço a etnias diversas, crédulos diversos e sexo diversos. Outros registram que a tradição destas obras foi fundamentada sem representação de certos grupos – para não dizer a maioria deles – e que assim é bom, afinal qualquer mudança trairia a própria tradição.

    É necessário ponderar o que exatamente estes grupos querem dizer nestas afirmativas. Vamos a elas.

    Primeiro caso: é necessário representatividade nos quadrinhos

    Bobny - XMenSim, é necessário. Porém, não cabe aos editores impôr esta representatividade. A Marvel sempre foi uma editora que refletiu acontecimentos globais direta ou indiretamente. Em época em que o órgão de controle de quadrinhos americano pedia reformulações sobre roteiros, a editora encontrava uma maneira de abordá-las de maneira diferente: invasões extraterrestre, crises existenciais, metáforas que revelavam não só o talento de seus roteiristas, como inventividade para manipular essa espécie de censura. O tempo trouxe mais liberdade aos quadrinhos e, com isso, a possibilidade de discutir temas difíceis como, em um exemplo recente, o Onze de Setembro, quando seus heróis também choraram e Capitão América lidou com as dores da perda pessoalmente.

    Sendo assim, é natural que se busque uma representatividade coerente com a massa de leitores. Reproduzir um grupo variável não só mantém a identificação de cada grupo distinto de leitores como, culturalmente e socialmente, evita predispor uma cultura acima da outra, evitando qualquer possível sensação de etnocentrismo.  Porém, e este porém é aquele que sempre causa discórdia, a editora não pode obrigar os leitores a aceitarem que os personagens canônicos mudem. E assim, chegamos à segunda questão.

    Segundo caso: não se deve mexer em personagens consagrados

    Spider Man Verse

    Antes de qualquer afirmativa ou negativa sobre isto, é necessário pensarmos como um personagem é criado. Uma base de preceitos, quem ele é, o que pensa, sua filosofia, é fundamentada para que, diante de histórias diversas, a estrutura não seja destruída. É como uma tábua de mandamentos a serem seguidos. Alguns personagens do estúdio foram tão explícitos neste tema que seu lema é capaz de defini-los. Um exemplo? Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Qualquer grande dilema de Peter Parker permeia esta questão. Observe em qualquer edição, quando o Aranha precisa tomar uma decisão, uma decisão das grandes: os grandes poderes e as grandes responsabilidades estão em suas entrelinhas.

    As personagens funcionam, em geral, por conta dessa base bem fundamentada. Permite que diversos roteiristas escrevam sobre um mesmo herói – alguns escrevendo muito bem, outros mal e outros apenas sendo toscos e resultando naquele meh sonoro após a leitura de uma história ruim – sem que a essência se perca. Esta afirmação é funcional para a criação de qualquer personagem e, com um abuso de representação metafórica, para as pessoas em geral. Reflita sobre si mesmo e pense: qual minha essência? Qual fator eu não gostaria de mudar em mim? Bom, se você fosse um personagem em quadrinhos, além de ser algo super legal, essa seria sua base, sua filosofia de composição.

    É por conta dessa base fundamentada que leitores se incomodam com modificações. As personagens devem usar os mesmos uniformes, ter as mesmas ações, as mesmas namoradas porque, afinal, as mudanças são sempre incômodas. São, filosoficamente exagerando, uma ruptura e qualquer novidade sempre causa espanto. Principalmente porque o novo é também potencialmente desconhecido. Assim, surgem as naturais reclamações sem nenhum conhecimento sobre a qualidade da história. E, no final, o que temos é uma genuína Guerra Civil, sem Stark ou Rogers para nos apoiar.

    Mas o que você quer dizer com tudo isso, (seu estúpido)?

    Marvel Comics - All New

    Os quadrinhos funcionam como uma mídia mista. É naturalmente autoral mas atende a um mercado. Quando falamos em mercado, consideramos uma quantidade vasta de material em diversas áreas culturais distintas: cinema, literatura, televisão, competindo de maneira agressiva com os quadrinhos. A mudança se torna fundamental para que leitores se mantenham como compradores das edições, falando bem ou falando mal.

    Porém, qualquer leitor de quadrinhos além daquele esporádico sabe que, em uma grande editora como a Marvel, nada é para sempre. Sim, alguns personagens mortos nunca voltaram à vida e que os deuses da Marvel mantenham o velho tio Ben ainda como memória – boatos dizem que há uma futura série que ele pode voltar – , mas, geralmente eles voltam. E como voltam. Ed Brubaker trouxe Bucky de volta em O Soldado Invernal em meio a reclamações de leitores que hoje reconhecem a excelência de sua fase à frente de Capitão América. O próprio Capitão morreu e voltou, talvez quicou entre a morte e a existência; Frank Castle foi pro céu e voltou, aliás Bem Vindo de Volta, Frank; Elektra morreu. E voltou. E morreu de novo. E voltou. Eu já disse que ela morreu? Wolverine está – ao menos na cronologia brasileira – mortinho mas, ah, vocês já sabem.

    Assim, a grande mudança significativa do novo Homem de Ferro é formatada justamente para isso: causar burburinho, polêmica e vender. Assim, me espanta que os leitores – ou aqueles que se denominam leitores e estão vociferando na rede – estejam incomodados com uma modificação que com certeza será breve e, considerando o sempre bom roteiro de Brian Michael Bendis, de qualidade. Afinal, o que é que este grupo tanto teme assim?

    Há pelo menos dois textos brasileiros ou traduzidos no país elencando uma fase negra dos quadrinhos americanos. Para isso, utilizam números como argumento. A revista X não vende mais do que ano passado; não vende mais desde 1970; não vende mais desde que Stan Lee tinha cabelos pretos – sim, em algum momento Stan – The Man – Lee portava um irado cabelo preto adornando aquela linda cabecinha cheia de ideias. Mas os números são mesmos confiáveis? Os leitores de quadrinhos caíram de maneira geral ou somente a Marvel perdeu leitores? Se perderam, para quem? Quem está roubando os leitores da editora? A DC Comics? As outras mídias? Um dado isolado inserindo em um texto pode ser um possível parâmetro de uma análise inicial. Fora isso, é tão insustentável quanto um texto sem ele, feito pelo completo achismo.

    Para afirmarmos de fato uma queda das vendas da Marvel além de números absolutos, teríamos que verificar variáveis tanto no mercado quanto na economia do país. Afinal, em um pais em crise, é de se esperar que um salário curto precise enfocar somente aspectos básicos, afinal Grandes poderes… já sabem. Além disso, a própria contextualização da época presente se revela ineficaz. Se analistas consideram difícil o estudo do presente, digamos, dos últimos dez anos, que dirá da especulação narrativa a respeito dos futuros dos quadrinhos?

    Como, então, afirmar com precisão que a época em que vivemos, na qual dois destes textos afirma existir uma era negra dos quadrinhos, sendo um inferindo e outro definindo? O argumento central dos textos e replicado por muitos leitores é a modificação narrativa, personagens representativos que estariam tirando o lugar de destaque de nossos heróis consagrados. Mas há um erro. Não, diversos.

    E quais são?

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    Nenhum herói será substituído. Principalmente, porque são eles os responsáveis pelas vendas. Wolverine não aparece em diversas histórias do estúdio porque ele é um baixinho peludo e bonitão. Mas porque ele alavanca as vendas mesmo se sua participação for diminuta. Mesmo se suas garras aparecessem no último quadro da página 21, no lado direito. Esse mesmo, está vendo? Isso, esses três risquinhos são a participação do Wolverine. E uma parcela de leitores comprou para ver esse baixinho nervoso. Vendas.

    Em seguida, nenhum personagem, ao menos até aqui, foi modificado. Sim, reconheço que há pontuais modificações ativas de personagens e que estas modificações me causaram incômodo. Refiro-me aqui a Alan Scott, o Lanterna Verde. A princípio achei uma modificação arbitrária, porém sustentei-a com o pensamento a seguir. Por quê? Devido à construção da personagem à qual mencionei. Se um herói X muda sua sexualidade, ele não estaria apenas representando uma parcela de leitores, mas, dependendo de seu histórico, entrando em contradição com sua própria história, vamos dizer, sua própria história de vida. O exemplo é delicado, para não dizer ruim. Afinal, a sexualidade pode ser cambiante e descoberta em qualquer idade, sendo assim ainda é possível que um personagem x, outrora hétero, descubra-se homossexual. Em nível narrativo, não haveria contradição. Psicologicamente muito menos. Mas estamos lidando com personagens de uma tradição de leitores, e qualquer modificação neste status tem de ser, no mínimo, coerente para que seja aceita. E não por questões sociais, apenas coerente com a construção de seu personagem.

    O que se apresentou até aqui foram apenas novos personagens trazendo representatividade tanto na Marvel quanto na DC Comics. Negros, asiáticos, gays e qualquer tipo de grupo que a mídia e as pessoas comumente tem chamado pejorativamente de minorias. E estas inclusões não são de hoje: mulheres que assumem o manto erigido por homens, e também personagens que assumem a identidade heroica de outros – citei Capitão América anteriormente e me mantenho nele: Steve Rogers, Bucky Barnes e Sam Wilson já estrelaram fases do herói. E outros criados no momento certo, dialogando com assuntos da época, como Pantera Negra: surgido na onda de protestos por igualdade racial nos Estados Unidos e um dos personagens mais coesos do Universo Marvel, ou simbolizando outras dificuldades técnicas: Matt Murdock é um herói cego. Tony Stark é alcoólatra. Natasha Romanov uma assassina. A lista de imperfeições segue de acordo com a memória de cada um.

    Tais novos personagens trazem ganhos para aumentar o universo de cada herói. Como produto mercadológico, gerarão novas fases que podem ou não cair no gosto do público e, se forem bem recebidos e aceitos, permanecerão em cena e, se houver um bom roteirista, se tornarão grandes. É um tremendo exagero, um gigantesco exagero, pontuar estas modificações e incursões de nova personagem como um período negro nos quadrinhos. É especular demais sobre tramas vindouras e revelar um preciosismo de leitores que estão acostumados com modificações que nunca tiraram seus medalhões dos holofotes. Porém, estes textos se replicam facilmente na internet.

    Como os quadrinhos ainda se destacam, é natural que a mídia reproduza suas modificações e com eles surjam notícias e textos analisando tais mudanças – afinal, é o que estou fazendo aqui. Porém, até onde pude observar, os dois textos citados anteriores se valem mais de uma opinião de fora do que de um leitor assíduo, daqueles que já reconhecem traços parecidos entre si lembrando nome e sobrenome dos desenhistas. Os textos citam momentos específicos com ilustrações de uma página sem contextualizar a história, os acontecimentos anteriores e posteriores. Assim, tudo parece exagerado, uma estratégia, por assim dizer, para corroborar com a narrativa imposta pelo texto. A Marvel está falindo, veja os números. Estão cedendo ao politicamente correto, veja essas fotos. Porém, como mencionei na problemática da amostragem de um único número sobre as vendas, uma página diante das diversas publicadas mensalmente pela editora é uma amostragem pequena demais para que se tire qualquer conclusão. Muito barulho por nada, ou quase nada.

    A tradição versus mudanças

    Captain America - Hydra

    A tradição se mantém coerente na construção das personagens e não no engessamento eterno delas. Modificações são naturais em qualquer processo e, consequentemente, são inseridas nas trajetórias das personagens. Trata-se de saber se elas irão ou não modificar sua essência e trair sua composição. Se a resposta a essa pergunta for um sonoro não, mude. Assim como você, leitor, era diferente anos atrás, as personagens também se modificam, afinal, elas são um espelho de nossa realidade, uma mímesis projetada de nós. Se a resposta for sim, melhor repensar. O caso da mudança de Capitão América é emblemática neste aspecto. É evidente que quando o personagem assume ser da Hydra há uma descaracterização de sua essência. Porém, esta é a intenção da trama. Não tenham dúvidas de que deve haver uma revelação futura sobre manipulação, cubo cósmico, ou outro argumento que explique a mudança do Capitão. Afinal, narrativamente, personagens que quebram sua essência são fracos. Assim como nos chamam de incoerentes quando agimos de uma maneira e pensamos de outra.

    A mudança se destaca para manter a coerência com o tempo. As histórias de Stan Lee são brilhantes, mas não funcionam mais nos dias de hoje, são puras demais, com textos reflexivos em excesso, sem contrabalanço com parte das imagens. Os leitores eram diferentes, as tensões mundiais eram outras. Hoje consumimos televisão diariamente e nos acostumamos com a narrativa ágil. Fora de suas histórias, os quadrinhos mudaram e evoluíram. Por que não podem mudar em seu interior com novas personagens que demonstre uma paleta mais diferenciada do que a consagrada? Grande parte da literatura de uma época reflete seu tempo, e se hoje há uma defesa ampla de igualdade e de representatividade, é natural que as obras artísticas reflitam isso. Se a tendência futura será maior ou menos neste aspecto, somente 50 anos no futuro dirão. É um tanto incoerente pedir que uma obra e um universo, que refletem um mundo possivelmente real, evitem a representatividade.

    Assim, vamos à revisão.

    Personagens serão modificados? Nunca mais lerei Tony Stark como Homem de Ferro? Não. Primeiro, porque, devido à tradição, eles são rentáveis. Além disso, os quadrinhos se sustentam em arcos, modificando temporariamente muitas personagens para que, na volta, eles retornem em alta classe. E nestas modificações, o que temos? Vendas! Elas são más? De jeito nenhum, mantém a empresa ativa e lançando edições, estas histórias que amamos tanto e reclamamos quando qualquer outro ser humano deseja tocar em nossa coleção. Se qualquer personagem nova criada for ruim, os leitores a rejeitarão e ela sairá naturalmente de cena.

    Por que mudar personagens consagrados? Não quero ficar sem os heróis que eu cresci lendo. Nenhuma grande mudança acontecerá. Lembre-se, eles são rentáveis. Os heróis continuaram lá se o público desejar. A vertente dos quadrinhos americanos de heróis se pauta em seus roteiristas e nos leitores como uma criação parcialmente coletiva. Veremos somente um universo ainda maior como novos personagens que, independente de credo e raça, serão bons se os roteiristas forem bons, nada mais. Se nós gostarmos, veremos-os de novo, se não, vão virar lenda, como aquele Carro-Aranha.

    Estamos entrando em uma era decadente dos quadrinhos? As vendas estão diminuindo. É necessário dados de frontes diversas para analisarmos essa afirmativa. Se o mercado está retraído, a economia pode também estar em uma retração. Caso não esteja, quais seriam os fatores para que isso tenha ocorrido? Histórias? Personagens? Mudanças? É necessário pensar de maneira interdisciplinar para que se evitem falácias ou você seja tendencioso.

    Nunca mais lerei a Marvel, estou certo? Cabe a você decidir ler ou não. Porém, gosto da discussão. Ela é funcional para o mercado porque gera leitores, e se com isso começarmos a não tratar como skrulls o conceito de representatividade e qualquer outra modificações nos quadrinhos, talvez possamos compreender melhor suas dinâmicas entre obra, autor e público. Riri Iron Man

    Texto de autoria de Paulo Fonseca.

  • Crítica | Tangerine

    Crítica | Tangerine

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    Tangerine é um filme tão à parte da normatização do cinema americano (e mundial) que não tem como passar despercebido. É uma alegoria por si só, nua e crua, filtrada pelas lentes de três iPhones 5s e camadas de cores quentes, evidenciando um universo tão sexual para quem o observa de fora, e frio para quem nele sobrevive. Não é fácil vencer a vida do jeito que as transgêneras quase conseguem – ensaiam melhor dizendo, entre muita correria e baldes de urina na peruca – aqui, o drama tem preço e custa caro. A vida na América é cada vez mais plural, na América e no mundo, e Tangerine é um manifesto, parada gay realista de 90 minutos sobre representação (a palavra da vez) e lugar de fala.

    Porque hoje, num contexto de Twitter, todos podem falar, mas aptos a ouvir nós nem sempre estamos, fala sério. Sabemos tudo, ou não é? Apenas alguém que conhece e entende um universo tão rico e marginalizado quanto dessas mulheres, mulheres que lutam para ser reconhecidas como tal, ou como não-binárias (orientação avessa à construção social de masculino-feminino, o que remete ao clássico de Godard), e principalmente para não terem sua honra destruída, sequer cogitaria em montar um retrato tão sincero e vibrante do quebra-cabeças que é o mundo LGBT.

    A partir de uma aventura bem simples, no calcanhar de duas prostitutas em Los Angeles, onde o sol não é para todos, onde Hollywood aloja uma parte ainda mais simples e invisível, digna do cinema drogado e marginal de um brasileiro feito Sganzerla ou Andrea Tonacci, podemos sentir o empoderamento de personagens à beira da sociedade, à beira de uma cidade de Angelinas e Brad Pitts na qual nunca ganharam o brilho que, só por continuarem na luta, já seriam dignas de tê-lo. Como diria Rocha: Um iPhone na mão e uma ideia na cabeça. Pena que no tempo de A Idade da Terra ainda não havia iPhone para expandir, ironicamente, o potencial de uma realidade.

    Mas se hoje, em 2016, temos 56 opções de gênero no Facebook, por que ainda precisamos de Tangerine? Pela mesma razão que os niggas americanos quiseram boicotar esse Oscar, e pelo mesmo motivo que David Bowie, em 1971, atualizou as definições de gênero – na cara da sociedade, e de salto alto. Nem tudo é cor, brilho e Beyoncé no mundo arco-íris, e no uso de metáforas intrínsecas a história (e narrativa), o diretor e roteirista Sean Baker traça um mosaico contemporâneo sobre as vísceras e o DNA que habitam e compõem os símbolos máximos das diferenças sociais: as travestis, os negros e os pobres. Os gomos da mexerica a ser descascada e assim remoída, com suas sementes analisadas e degustadas com caráter de emergência, de pressa, como se o mundo e os armários pegassem fogo e não houvesse tempo pra estereótipos. Nada é hilário, tampouco ordinário para nós, os cúmplices dos passos de quem destila as gírias e os palavrões dos guetos, na certeza dupla que 1) sempre haverá realidades dispostas a se apresentar a cada esquina, e que 2) sempre existirá lugar para todas no Cinema.

    Uma das melhores ambiguidades do filme diz respeito a própria identidade sexual dos personagens. Em nenhum momento especula-se se alguém, na história, já se submeteu a mudança de sexo ou não, ou seja, seriam elas transsexuais ou travestis? Nada disso importa, contudo, à medida que o filme especula as proezas e os altos e baixos de uma narrativa que abraça os detalhes e os tons mais claros e escuros de um universo curioso, que atrai e causa repulsa na maioria do povo. Como não se emocionar com o apelo de Alexandra para que sua parceira de guerra, Sin-Dee, a perdoe pelos erros do passado? Não há outro universo para os aliens da heteronormatividade vigente, e às vezes deveras indecente. Como diria a internet: o dia é da mulher, mas a noite é da travesti.

    As atrizes Mya Taylor e Kitana Rodriguez merecem os aplausos e a admiração que o público em 2015 só achou válido dar a Eddie Redmayne por sua Garota Dinamarquesa. Isso porque em Tangerine é nítido como a escolha certa de um elenco melhora o que já nasceu brilhando feito ouro, e gostoso feito fruta proibida, quando um elenco tem e ostenta (naturalmente) total propriedade de encarnar suas personas, mas não como as preparações de Daniel Day-Lewis e outros atores: vivem o personagem muito antes do filme sequer ser imaginado. Na pele.

    E não é para menos. Acredito 100% ser necessário negritude na veia para ser fiel com o público no papel de um escravo africano, por exemplo. Pois por melhor que seja Gael García Bernal em Má Educação, assistir a Mya Taylor rasgando na tela os dramas de alguém com seu perfil é, descartando amadores, o puro espetáculo de um espetáculo puro! Tangerine é isso: é carnaval sem fantasia, cara sem maquiagem, é mais um degrau para a visibilidade do leque sexual humano, é bicha preta com orgulho tanto de sua condição quanto de sua força e de seu caráter transformadores, mas, acima de tudo, não reforça, pelo contrário, humaniza a imagem caricatural de quem veste e é o símbolo máximo das liberdades sociais e de expressão individuais.

     

  • Crítica | O Riso Dos Outros

    Crítica | O Riso Dos Outros

    O Riso dos Outros 1

    O começo do documentário de Pedro Arantes remete a uma famosa fala de Goethe: “Nada descreve melhor o caráter dos homens do que aquilo que eles acham ridículo”. Logo depois, o realizador começa a provar seu ponto, exibindo um Stand Up Comedy com um número bobo, argumentando sobre tipos de risadas, ao mesmo tempo, que brinca com estereótipos de sorrisos.

    Em meio ao relato de muitos humoristas brasileiros, há uma exemplificação do porquê uma piada funciona e quais são os fatores que fazem a plateia rir. A conclusão chegada pelo montante de falas é que a vida do homem comum é tediosa, ao passo que o humor libera endorfinas, faz a existência ser menos dramática. Ver a tragédia sem se compadecer só acontece porque o trapalhão não teve uma morte ou sofrimento, é sobre esta égide que se posiciona a zombaria

    Da multiplicidade de discursos, retira-se uma outra conclusão, a de que o humor é matemático, calculável, portanto tendo linhas claras do que funciona num palco de comédia em pé e que alguns desses pontos não necessariamente agradariam em televisão ou cinema. O gênero Stand Up Comedy conta a com a facilidade e espontaneidade do texto próprio e figura própria, sem maquiagem ou máscara.

    Mas a discussão é o cerne do filme, que põe no centro do diálogo a necessidade do estereotipo para a realização das piadas. Estereotipo normalmente é usado pelos comediantes como uma muleta, serve para fazer o público rir, ao menos para começar o burburinho, dialogando com o preconceito alheio. O humor carrega uma dose de crueldade, busca o defeito, o pior, a caricatura baseado em uma característica que até determina identidade, mas reverbera o “ruim”, onde o desrespeito é comum.

    Alguns dos entrevistados relembram que os humoristas não são os responsáveis pelas mazelas sociais. No entanto, a leviandade da piada há que ser vista, especialmente pelo fato justificado pelo deputado e ativista gay Jean Willys, que destaca que o homem q faz a piada homofóbica é hetero. Mas é possível argumentar sem reforçar o preconceito.

    O cartunista André Dahmer é um dos poucos que vão na contramão das falas de Danilo Gentilli e companhia, de que o importante é avacalhar. Dahmer assume que em uma piada há sempre uma vítima, mas destaca que se é pra bater é melhor bater em quem merece, mulher e negro sempre foram perseguidos.

    O lado escolhido pelo documentarista é de que o motivo que faz a piada machista ser proferida é a clara tentativa de naturalizar a inferioridade da mulher ao homem, em um argumento claramente misógino. O sexismo reforça o lado oposto a luta do feminismo, na busca por respeito. Apelar pro lugar comum só retorna ao público o que possivelmente pensa, que além de não combater o preconceito, reforça a pensamento baixo do homem comum, reverberando o comodismo de ser conservador e opressor.

    Os depoimentos põem dois lados distintos, a manutenção do status quo, com piadas que mantém tudo igual, do outro lado, a defesa do politicamente correto, que por sua vez é taxado de careta. A questão é que o reforço da desigualdade seria mesmo o símbolo de caretice? A opressão é absolutamente invertida, pondo a intolerância na parte que costuma reforçar arquétipos tolos. A chamada “patrulha” é ambígua, se é chamada assim somente por discordância de ideia, o que normalmente se lê como o combate a desqualificação de grupos sociais.

    A comédia é politica, defende ponto de vistas e ideologias. O discurso de O Riso dos Outros reforça a pecha de que o humor real e positivista é o irônico, que bate no carrasco e não na vítima, rindo do patético comum ao conservador, que faz o senso comum bobo rir, normalmente por consenso do público, normalmente pouco exigente e pouco afeito a transgressões. A busca eterna pelo riso da plateia é um exercício fútil aos olhos de Arantes, e completamente anacrônico, fora de qualquer escopo de modernidade, destacado pelo som característico das primeiras fitas do cinema mudo.