Crítica | A Estrada 47
Praticamente desconhecida no mundo, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com seus 25 mil pracinhas da FEB enviados por Getúlio Vargas em troca de apoio material dos EUA, começou a ganhar atenção no Brasil nos últimos anos, especialmente após a grande propaganda do livro 1942: O Brasil e sua Guerra Desconhecida, publicado por João Barone, membro dos Paralamas do Sucesso e filho de um dos soldados brasileiros da FEB.
A campanha brasileira na Itália sempre foi motivo de sarro para muitas pessoas, que desdenhavam da falta da capacidade material e humano do país frente ao grande número de combatentes dos outros países envolvidos. Porém, se esquecem de que os soldados que enfrentaram o inverno italiano não tinham nada a ver com isso, e suportaram privações enormes em uma guerra que mal tinha a ver com o Brasil, até então. É este contexto que o filme de Vicente Ferraz tenta trazer ao espectador, o lado humano dos combatentes brasileiros no conflito.
A história (fictícia) gira em torno de um destacamento de soldados brasileiros que fogem de uma missão, ocasionando algumas mortes. Os envergonhados sobreviventes Guima (Daniel de Oliveira), Piauí (Francisco Gaspar), Tenente Penha (Júlio Andrade) e Laurindo (Thogun Teixeira) junto com o jornalista Rui (Ivo Canelas), decidem então retirar as minas terrestres de uma estrada chamada 47, a qual os americanos precisavam passar com tanques para liberar uma cidade italiana.
Após renderem o desertor do exército italiano Roberto (Sergio Rubini) e capturarem o também desertor alemão Jurgen Mayer (Richard Sammel), o filme acompanha a viagem a pé dos soldados até encontrarem a estrada, que só Mayer sabia onde ficava. Ao invés de se utilizar de maniqueísmos, a relação entre todos eles é estabelecida de acordo com as narrativas do que é sabido sobre os brasileiros na Itália: a cordialidade, afinal, ao entrar em uma guerra no final, não estavam contaminados com a atmosfera de ódio reinante no conflito. Porém, sem não esbarrar em cenas levemente incômodas, como o sargento negro Laurino se mostrar obviamente um sambista e cantar para Mayer.
No entanto, o que se destaca em Estrada 47 é o aspecto técnico. Rodado no inverno italiano utilizando materiais e veículos originais, a produção confere um realismo pouco visto no cinema nacional, onde o intenso frio está estampado na cara dos atores, que passaram por treinamentos intensos parecidos com a dos soldados brasileiros. Todo o figurino ajuda a compor um visual belíssimo.
Porém, o que não ajuda é o vício do cinema nacional de utilizar a narração. Utilizando a voz de Daniel de Oliveira como Guima, ao ler cartas que enviava a seu pai relatando sua covardia no início e depois a tentativa de retratação, a narração retira a atenção do que está acontecendo no filme em todo momento que entra em cena, tornando-se desnecessária, uma vez que justamente o forte do filme é seu visual.
Todas essas características se juntam para formar um resumo do que foi a participação brasileira na guerra. Apesar de parecer insignificante, os brasileiros tiveram um papel importante na libertação da Itália, de acordo com a sua limitada capacidade técnica. O filme faz uso deste elemento utilizando como símbolo o empenho dos soldados em liberar a Estrada 47, que era pequena, mas essencial, um dever que demandou muito esforço.
Se não é uma produção perfeita, ao menos é honesta no que se propõe, sem esbarrar em um nacionalismo barato, tampouco na nossa típica síndrome de vira-lata, erros muito comuns em produções do tipo. Estrada 47 presta uma homenagem singela aos combatentes enquanto fornece entretenimento de qualidade, apesar de suas limitações.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.