Tag: Daniel de Oliveira

  • Crítica | Batismo de Sangue

    Crítica | Batismo de Sangue

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    Violento, visceral e equilibrado nas funções entre ser uma denúncia e um produto artístico intimista, Batismo de Sangue é um interessante retrato sobre os traumas causados pela tortura que recaia sobre os opositores da Ditadura Militar brasileira. Baseado no livro de Frei Betto, a história contada pelo diretor Helvecio Ratton mostra a insurgência de lideranças religiosas católicas romanas no final dos anos sessenta contra o regime militar instaurado.

    Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Fernando (Léo Quintão), Oswaldo (Angelo Antônio) e Ivo (Odilon Esteves) são os freis que resolvem engrossar o coro revolucionário, apoiando a logística do Ação Libertária Nacional, organização de Carlos Marighella (Marku Ribas),pessoa importante na luta armada com o qual alguns dos religiosos tem contato direto. O roteiro mostra de maneira didática a resistência dentro do clero a esses cincos religiosos, bem como a intimidade da militância.

    O filme não se acovarda tampouco teme dar nome aos bois no referente aos personagens chave do jogo político vigente. As atuações são realistas e dedicadas enquanto Ribas é tímido como Marighella, Cassius Gabus Mendes faz do seu delegado Fleury um sujeito agressivo, servindo a perfeição como o “homem  forte” do Esquadrão da Morte. As reações intempestivas e violentas casam bem com todas as descrições que fazem a respeito do militar.

    Ao contrário do que ocorreu em Zuzu Angel, filme de temática semelhante e regulado em época com este, as cenas de tortura são fortes e não suavizam em nada para o público, de modo que causa no espectador um sufocamento semelhante ao ocorrido com os flagelados. Não estilização do martírio dos presos, tampouco preocupação preciosista em mostrar ângulos obtusos, as sequências são cruéis e viscerais, causando incômodo em quem as assiste.

    A operação para assassinar Marighella leva em conta a versão comumente levantada por defensores, amigos e parentes próximos do revolucionário, como já foi muito discutido no documentário Marighella, de Isa Grinspun Ferraz. Esses eventos e a tortura pelos quais passam os religiosos marcam a vida de Tito, ao ponto dele perder a fé na vida, humanidade e até no Divino. A apreciação e digestão que o padre faz dos dias que passaram são reflexivas, interessantes e muito humanas, condizentes com a realidade de alguém que tem sua liberdade cerceada e seus sonhos violados. Mesmo no exílio, ele acha que Fleury o encontrará e sua solidão vai além até da distância de seu país natal.

    Blat se entrega ao papel de uma jeito tocante e delicado, e pontua como um dos elementos mais interessantes e profundos do longa-metragem. Esse aspecto aliado a performance vilanesca de Gabus Mendes além modo direto como Ratton dirige seu filme fazem de Batismo de Sangue uma das melhores manifestações modernas a respeito dos anos de chumbo, mostrando tanto alguns dos defeitos dos militantes, quanto a total falta de respeito com a vida e direitos humanos empregadas pelos ditadores.

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  • Crítica | Romance Policial

    Crítica | Romance Policial

    Romance Policial - Poster

    A ficção, e suas vertentes variadas, se mantém como uma realidade desenvolvida em representação de um tempo ou um momento, sendo comum a inspiração em vidas específicas como matéria-prima narrativa, com muitos autores transformando seus diários ou relatos pessoais em uma obra duradora. Como a narrativa em si não apresenta nenhum método específico, o jogo é livre para o autor criar à sua maneira, e o tempo se torna responsável por eternizá-los ou enterrá-los sem sucesso – parte da angústia de ser um escritor.

    Romance Policial, novo longa de Jorge Durán, parceiro de Hector Babenco em diversas produções, chega aos circuito três anos depois de sua produção, com Daniel de Oliveira no elenco em uma história metalinguística sobre a criação literária. Na trama, Antônio é um funcionário público e escritor iniciante responsável pela publicação de um único conto. Em busca de inspiração, viaja até o Deserto do Atacama, no Chile, quando se envolve com uma misteriosa mulher e um crime sem suspeitos.

    A ambiguidade da produção se desenvolve desde o título, jogo narrativo que ecoa na vida da personagem e na sua procura por uma inspiração e uma história para narrar. Ao encontrar um corpo no deserto e se tornar um suspeito do crime, o escritor se torna tanto personagem de um romance policial como, ao se envolver com Florência, estabelece uma difícil relação amorosa.

    A estrutura da narrativa policial, tradicional em muitos romances, é transportada para um conceito de maior drama em uma ambientação que difere da comum do gênero. Os tradicionais ambientes noturnos são modificados pela claridade evidente do deserto, local distante do ambiente urbano, uma das referências do inicio da narrativa noir americana. Uma atmosfera que mantém personagens tipificados que carregam dubiedade como a mulher fatal, o policial possivelmente corrupto e outros que parecem esconder parte de sua trajetória, amplificando o suspense.

    No papel de um escritor novato, Oliveira se destaca diante de um dilema central para qualquer escritor: o conflito entre o escritor e sua obra, a busca pela inspiração e a compreensão de que parte da composição narrativa vem tanto de uma parcela de inspiração quanto de vivências externas, um tema que também se apresentou no recente Entre Nós. Uma força que cada escritor encontra na maturidade reconhecendo que é possível contar uma história sem necessariamente vivê-la. Buscando sua inspiração a todo custo, o personagem mantém as dúvidas sobre o crime pela necessidade de escrever sua história, como um leitor que se debruça sobre um livro de mistério desejando ir até o fim da narrativa.

    O jogo narrativo do roteiro esconde surpresas – afinal, sem elas, a essência de um enigma seria perdida – mas mantém uma vertente dramática que explora maiores problemas nas relações das personagens, indo além da resolução de um crime. Um efeito duplo eficiente que finaliza tanto a vertente investigativa da trama como o drama por trás dela. Como a história é narrada sob o ponto de vista do escritor, com direito a algumas falas em off como uma narrativa literária, a realidade e o imaginário se diluem e ressaltam a motivação da composição do roteiro demonstrando o quão delicado é o que se considera real e palpável diante de uma ficção capaz de transformar a realidade. O efeito circular entre realidade e ficção.

  • Crítica | A Estrada 47

    Crítica | A Estrada 47

    055 - A Estrada 47

    Praticamente desconhecida no mundo, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com seus 25 mil pracinhas da FEB enviados por Getúlio Vargas em troca de apoio material dos EUA, começou a ganhar atenção no Brasil nos últimos anos, especialmente após a grande propaganda do livro 1942: O Brasil e sua Guerra Desconhecida, publicado por João Barone, membro dos Paralamas do Sucesso e filho de um dos soldados brasileiros da FEB.

    A campanha brasileira na Itália sempre foi motivo de sarro para muitas pessoas, que desdenhavam da falta da capacidade material e humano do país frente ao grande número de combatentes dos outros países envolvidos. Porém, se esquecem de que os soldados que enfrentaram o inverno italiano não tinham nada a ver com isso, e suportaram privações enormes em uma guerra que mal tinha a ver com o Brasil, até então. É este contexto que o filme de Vicente Ferraz tenta trazer ao espectador, o lado humano dos combatentes brasileiros no conflito.

    A história (fictícia) gira em torno de um destacamento de soldados brasileiros que fogem de uma missão, ocasionando algumas mortes. Os envergonhados sobreviventes Guima (Daniel de Oliveira), Piauí (Francisco Gaspar), Tenente Penha (Júlio Andrade) e Laurindo (Thogun Teixeira) junto com o jornalista Rui (Ivo Canelas), decidem então retirar as minas terrestres de uma estrada chamada 47, a qual os americanos precisavam passar com tanques para liberar uma cidade italiana.

    Após renderem o desertor do exército italiano Roberto (Sergio Rubini) e capturarem o também desertor alemão Jurgen Mayer (Richard Sammel), o filme acompanha a viagem a pé dos soldados até encontrarem a estrada, que só Mayer sabia onde ficava. Ao invés de se utilizar de maniqueísmos, a relação entre todos eles é estabelecida de acordo com as narrativas do que é sabido sobre os brasileiros na Itália: a cordialidade, afinal, ao entrar em uma guerra no final, não estavam contaminados com a atmosfera de ódio reinante no conflito. Porém, sem não esbarrar em cenas levemente incômodas, como o sargento negro Laurino se mostrar obviamente um sambista e cantar para Mayer.

    No entanto, o que se destaca em Estrada 47 é o aspecto técnico. Rodado no inverno italiano utilizando materiais e veículos originais, a produção confere um realismo pouco visto no cinema nacional, onde o intenso frio está estampado na cara dos atores, que passaram por treinamentos intensos parecidos com a dos soldados brasileiros. Todo o figurino ajuda a compor um visual belíssimo.

    Porém, o que não ajuda é o vício do cinema nacional de utilizar a narração. Utilizando a voz de Daniel de Oliveira como Guima, ao ler cartas que enviava a seu pai relatando sua covardia no início e depois a tentativa de retratação, a narração retira a atenção do que está acontecendo no filme em todo momento que entra em cena, tornando-se desnecessária, uma vez que justamente o forte do filme é seu visual.

    Todas essas características se juntam para formar um resumo do que foi a participação brasileira na guerra. Apesar de parecer insignificante, os brasileiros tiveram um papel importante na libertação da Itália, de acordo com a sua limitada capacidade técnica. O filme faz uso deste elemento utilizando como símbolo o empenho dos soldados em liberar a Estrada 47, que era pequena, mas essencial, um dever que demandou muito esforço.

    Se não é uma produção perfeita, ao menos é honesta no que se propõe, sem esbarrar em um nacionalismo barato, tampouco na nossa típica síndrome de vira-lata, erros muito comuns em produções do tipo. Estrada 47 presta uma homenagem singela aos combatentes enquanto fornece entretenimento de qualidade, apesar de suas limitações.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Latitudes

    Crítica | Latitudes

    Viver dentro de um relacionamento amoroso é, normalmente, algo complicado, seja pelos altos e baixos comuns à gangorra emocional inerente à vida ou às dificuldades em conviver com as diferenças. Latitudes, segundo filme longa-metragem de Felipe Braga, foca em Olívia e José, que são vividos – intensamente – por Alice Braga e Daniel de Oliveira, personagens que têm a única chance de suas vidas de contar uma história realmente interessante.

    A trajetória dos dois é mostrada através de encontros casuais, sendo o primeiro deles em Paris, quando José age como um perfeito cavalheiro, acompanhando a dama que parecia ébria, até o hotel onde ela estava hospedada. Na intimidade, eles trocam carícias e credenciais pós-coito, uma vez que jamais haviam se visto, e decidem se encontrar novamente, para compreender melhor qual era a real química entre os dois.

    À medida que o roteiro avança, aumenta também o nível da discussão entre eles. Ao mudar de cidade, José e Olivia acabam se encontrando novamente, e a cada paragem, há mais um degrau percorrido na ligação. Quando se encontram em Londres isso fica ainda mais claro, quando discutem se vale a pena continuarem a se ver, ainda que as cenas intercaladas possam contradizer a fala dita pela mulher. O homem, apesar de se resguardar, deixa transparecer em seu rosto a vontade de que aquilo não termine, já que tudo aquilo se configura como um fruto proibido, e a volúpia o move para frente, para querer mais.

    Ao passear em uma das gôndolas de Veneza, José demonstra ter um olhar espaçado e voltado para o nada, refletindo e, ao mesmo tempo, olhando-se internamente, analisando a vaziez e a completude de sua própria vida. Uma vez em terra firme, ele vai em direção àquela que o faz sentir a plenitude do seu espírito. Os momentos em que o casal trava as conversas mais inspiradas são os que ocorrem após suas relações carnais, onde o medo da intimidade inexiste.

    Longe da civilização e longe de suas casas, acontece a primeira discussão entre eles, devido a um gesto inofensivo. É o estopim para que ambos comecem a transparecer a miséria emocional em que estão inseridos em suas vidas normais, deixando que isso resvale naquela ligação emocional e carnal que não compreende uma relação verdadeira.

    Pela primeira vez dentro da fita, a lente chega em solo brasileiro. Em São Paulo, há uma demonstração de como é a vida de José, fundamentada no mundo real, onde finalmente revela a sua cônjuge o que acontece nos intervalos entre um voo e outro, durante seus muitos trabalhos de fotógrafo. O destino dele se completa, já que a relação primária do filme é a dele com Olívia. As poucos, os dois universos, que antes eram separados por eras e eras de distância emocional, começam a colidir e a se misturar. José é corajoso em se revelar, em mostrar seus sentimentos, ainda que essa coragem possa ser facilmente confundida, ou associada, com impulsividade.

    Após mergulhar na vida do moço, a intimidade de Olívia é mostrada, com seus escrúpulos sendo justificados por ter outras situações semelhantes às que tem com José. Os diálogos inspirados resumem toda a estafa e confusão da psiquê da mulher, que não consegue dar vazão a sua própria vontade, ao menos não de modo pleno ou de maneira boa o suficiente para os seus próprios desejos. Apesar de negar com todas as suas forças, Olívia não consegue fugir de si mesma, da vontade de pertencer e de ter a posse de uma pessoa.

    Após alguns atritos, as duas partes se aceitam e começam a se conhecer de verdade, pulando de encontro em encontro, muito longe da realidade de estarem juntos. José é para Olívia o que ela é para ele, um oásis, a calmaria que curiosamente sobrevive à aridez do cotidiano, o paraíso em meio a uma existência desértica, insossa e sem sentido, o bom motivo que ambos têm para continuarem vivos, e talvez, o único momento em quem ambos podem ser sinceros, verdadeiros, sem qualquer característica hipócrita ou máscaras, onde somente as almas e os corpos nus prevalecem.