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  • Crítica | Rogéria: Senhor Astolfo Barroso Pinto

    Crítica | Rogéria: Senhor Astolfo Barroso Pinto

    De Pedro Gui, estreante em longas, Rogéria: Senhor Astolfo Barroso Pinton busca desmistificar de certa forma a famosa perfomancer, atriz e artista Rogéria, ao mesmo tempo em que quase beatifica sua figura, elevando-a ao status de divindade, sem descuidar do seu alter-ego masculino e identidade civil Astolfo Barroso Pinto. A história é contada pela própria Rogéria, que infelizmente faleceu antes do filme ser finalizado.

    O filme que teve uma produção iniciada há quatro anos é a ultima entrevista de Rogéria, que pretendia viajar a Paris e a outros lugares onde ela veio a se apresentar no passado. O início do longa parte de uma dramatização que faz a obra variar entre ficção e documentário, e essa faceta destoa demais do restante do material, com entrevistas de figuras como Jô Soares, que não costuma participar de documentários e só aceitou por se tratar de quem era.

    No entanto, é nas pessoas do passado de Astolfo que mora a riqueza do filme, não só pelos seus irmãos, como de algumas das Divinas Divas, Jane di Castro e Brigitte De Buzios, a quem também é dedicado o filme postumamente. Aqui se percebe duas coisas fundamentais, o pequeno “Tolfo” fazia bullying com os valentões do colégio, quando o chamavam de maricas, e ele o fazia como mecanismo de defesa e jamais parou de se defender desse modo. E o segundo é ainda mais importante, que era dona Eloá, a mãe de Rogéria foi a base que o fez conseguir ser quem era, exatamente como gostaria de ser, sem represálias, dando a força que precisava para crescer sem traumas e sem maiores sofrimentos, ao menos no que diz respeito ao seio familiar.

    Há momentos hilários, como quando Jô Soares diz que ela era goleira de futebol de praia, jogava de biquíni e em alguns momentos o “pinto” dela pulava para fora. Também se destaca que desde cedo, Astolfo queria ser artista, cantando Núbia Lafayette com apenas 10-11 anos. A função que cumpriu como maquiadora das estrelas na TV Rio era apenas um trampolim, onde pôde conhecer pessoas que seriam íntimas até o fim dos seus dias, como Betty Faria e Rita Cadillac. Aliás, a ex-chacrete disse que quem a ensinou a se enfeitar e andar de salto, foi Rogéria.

    Apesar de haver problemas sérios com as partes encenadas, o resgate da identidade e da irreverência da artista é muito bem flagrado, desde sua vida sexual, descrita como bastante intensa, até o fato dela não renegar seu lado masculino. Rogéria era uma pessoa extremamente amada e extremamente generosa com os que a cercavam, e o modo de condução da direção favorece demais a rica história que a personagem-título tem, sempre controversa e extremamente positiva.

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  • Crítica | Divinas Divas

    Crítica | Divinas Divas

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    Divinas Divas segue uma estilização mais pessoal e íntima do que o convencional, e busca ser tão transgressor quanto as suas biografadas, ainda que seu clima de louvor não tenho o mesmo caráter de discussão e interferência na ordem como foi o caso das oito divas drag queens retratadas no longa. Após uma longa luta dos diretores para finalmente conseguir exibição do filme, o resultado é um produto singelo, sentimental, explicativo ao seu modo sem ser explicito, mas ainda uma ótima introdução a quem não compreende absolutamente nada sobre este universo.

    A atriz Leandra Leal conduz o filme, uma vez que a questão de registrar uma biografia já na idade a avançada de Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Marquesa e Brigitte de Búzios era uma opção pessoal, já que era no Teatro Rival do seu avô Américo Leal que ocorriam os shows das mulheres que buscavam seu espaço. É curioso notar que existe um padrão de vida entre elas, tendo algumas delas nascido em bairros suburbanos, como Piedade, Oswaldo Cruz e Madureira, bem distantes dos cartões postais da cidade do Rio de Janeiro, o que faz se tornar ainda mais curiosa a ascensão dessas ao patamar de estrelas,  uma vez que viver na periferia torna proibitivo uma serie de atividades na Cidade Maravilhosa, por causa da distância e agravada pelo transporte precário nos anos sessenta e setenta.

    Em comum entre elas, havia o desejo quase que originário de se tornar mulher. A identidade civil masculina é desconstruída em uma bela montagem introdutória, que justapõe as fotos como meninos ainda, na juventude, cortando para suas identidades como vedetes. Ao contrário do que qualquer pré-julgamento via intuição pode supor, os detalhes em relação a aceitação da família de cada uma é bem diferente, bem como o passado financeiro de todas, mostrando personagens tanto de origem humilde e trágica, assim como retrata figuras como Rogéria, que teve uma vida abastada e jamais foi rejeitada por qualquer membro de sua família.

    Leal escolheu para seu filme o mesmo formato de Diário de Uma Busca, de Flávia Castro, onde a aproximação de realizador com biografado é enorme e a interferência dele é muito grande. Neste estilo o cineasta acaba fazendo parte da trama principal, invadindo o espaço do filme. Filmes como esses se notabilizaram por contar histórias da Ditadura Militar, como Marighella e Os Dias Com Ele, entre outros, como Dzi Croquettes, que tem inclusive uma temática parecida. A despeito de qualquer comparação esdrúxula, cada uma dessas histórias tem seus próprios detalhes, emoções e intimidades, e as personagens de praticamente todos esses filmes merecem uma análise mais detalhada sobre suas histórias e carreiras, haja visto a construção da identidade nacional que todos esses ajudaram a formar.

    O show que seria o revival das já sexagenárias artistas é muito bem acompanhada pela câmera comandada por Leal, e o registro engloba múltiplas mensagens, desde a desconstrução do conservadorismo da época, que pregava a proibição do amor dessas pessoas, até a terrível aceitação de muitos preconceitos, por medo de violência corriqueira e da repressão da Ditadura Militar. Uma das entrevistadas fala que não se pode ser contra a sociedade, se não elas viram animais em extinção, e a sensação é exatamente essa, de que as oito foram mulheres que gozaram de privilégios que a maioria da sua classe não teve. A mostra desses fatores faz da experiência em Divinas Divas algo transcendental e tocante, além de um registro necessário e reverencial.

    https://vimeo.com/77186623