Tag: Ruben Östlund

  • Crítica | The Square: A Arte da Discórdia (2)

    Crítica | The Square: A Arte da Discórdia (2)

    The Square: A Arte da Discórdia é um filme que alterna na sua longa duração momentos marcantes inclusive para as próprias realidades que encapsula, e que, numa narrativa multiplot com diversos personagens entrecruzando seus caminhos, consegue emblemar muito bem nessas relações todo o espírito libertino e por vezes irracional das artes contemporâneas que parece querer entender, seja num espaço propício a elas como num museu quase que destituído de visitantes (e que quando presentes não observam as artes, mas ironicamente só fazem discursar sobre si mesmos como se fossem mais importantes que o exposto, algo típico da nossa sociedade), seja também no ganhar de outros espaços histriônicos que performances artísticas possam vir a galgar, como num jantar para a elite sueca ou numa simples praça, lugar público onde o polêmico e forjado assassinato de uma menina tem o seu significado subvertido para ser chamado, na era da web 3.0, de ”Arte”.

    Nota-se que há uma constante iminência no filme, uma urgência dramática que nos faz ansiosos para saber o que vai acontecer. Em determinada cena, por exemplo, e ouso chamá-la de uma das melhores no contexto do longa, o protagonista, homem profundamente dividido entre seu trabalho e suas paixões, se vê obrigado pela missão de deixar várias cartas em cada um dos centenas de apartamentos de um prédio residencial, metaforizando desta forma a necessidade pluralista e esquemática do filme em tocar em vários assuntos do mundo das artes, ao encaixar ao longo da trama inúmeras referências artísticas como se fossem os cartões postais depositados nas soleiras das portas.

    O diretor Ruben Östlund consegue malabarizar bem suas influências, intenções e ambições, simbolizando-as nas ações e nas personalidades dos homens, mulheres e crianças (sendo que elas têm uma grande importância no filme, sendo o último plano dedicado a uma delas) que segue, entre cenários, diálogos, e uma elegância casada com um pedantismo intelectual típica ao cinema sueco que o mesmo vem seguindo desde antes do cinema de Ingmar Bergman.

    O grande vencedor da palma de ouro em Cannes emula, portanto, com o arrebate de um ator de teatro iniciante muito daquilo que se vê como Arte, a velha Arte, hoje em dia, num mundo de desumanização galopante no real das ruas, tão impiedosa e mortal quanto uma apresentação artística extremista pode ser. Muitos vão chamar de irregular, satírico, exagerado, longo demais, forte demais, mas pra “The Square” eu fico com hipnotizante mesmo.

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  • Agenda Cultural 63 | Mindhunter, Quadrinhos Europeus e Cinema

    Agenda Cultural 63 | Mindhunter, Quadrinhos Europeus e Cinema

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) retornam para um novo episódio da Agenda Cultural – depois de um longo inverno – para comentar sobre o que rolou de mais interessante nos cinemas em janeiro, além de comentar sobre a série Mindhunter e dois quadrinhos europeus lançados pela editora SESI-SP.

    Duração: 102 min.
    Edição: Caio Amorim
    Trilha Sonora: Caio Amorim
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Review Mindhunter – 1ª Temporada
    Livro sobre a série: Mindhunter: O Primeiro Caçador de Serial Killers Americano, de John Douglas e Mark‎ Olshaker – Compre aqui

    Cinema

    Crítica Viva: A Vida é Uma Festa
    Crítica 120 Batimentos Por Minuto
    Crítica Me Chame Pelo Seu Nome
    Crítica The Square: A Arte da Discórdia
    Crítica Jumanji: Bem-Vindo à Selva
    Crítica Artista do Desastre
    Crítica The Post: A Guerra Secreta

    Quadrinhos

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  • Crítica | The Square: A Arte da Discórdia

    Crítica | The Square: A Arte da Discórdia

    Após apresentar um filme polêmico, com qualidades indiscutíveis – Força Maior – o diretor sueco Ruben Östlund traz à luz o vencedor da última Palma de Ouro de Cannes, The Square: A Arte da Discórdia, um misto de drama com elementos de humor rasgado que se foca nos dias e intimidade de Christian (Claes Bang), um curador de um famoso museu na Suécia.

    O filme demonstra o quão efêmera e vazia pode ser a vida da alta cúpula européia, mesmo em meio a um cenário onde a arte é o principal chamariz. A cultura que as pessoas tem acesso não necessariamente garante uma elevação espiritual, intelectual ou de caráter para qualquer uma delas, em especial o protagonista.

    Na trama, Christian dá uma entrevista a uma repórter chamada Anne (Elisabeth Moss), a partir de então essa quase relação se faz notar algumas coisas básicas sobre a insegurança do protagonista. Esses problemas pelo qual ele passa soa engraçado, mas na maior parte das vezes só revelam o quão patético e desinteressante é acompanhar os dias dessa pessoa, seja nas recusas a relações sexuais ou na tentativa de reaver os seus pertences furtados.

    O fato de trabalhar num museu que reúne obras de diversos artistas permite ao roteiro brincar com os formatos e manifestações de artes. Em uma delas, é mostrado um homem primitivo, o mesmo que estampava seu rosto em um vídeo em uma sala vazia, preenchida basicamente pelo público. Em um jantar o sujeito é levado a conviver com os membros da alta sociedade e lá age como um animal silvestre, praticando selvagerias quase que sem qualquer restrição, exceto quando está claramente em desvantagem e os homens velhos e caquéticos conseguem imobilizá-lo após lidar de maneira abusiva com uma mulher. A tentativa de soar metalinguístico é bastante banal, soando de maneira nada sutil, o que causa até uma certa estranheza em quem vê, já que o filme gosta de brincar com indiscrições.

    O formato episódico do filme esgota a paciência do espectador logo, e ele não é tão irritante ou despropositado quanto foi Eu, Daniel Blake que venceu o prêmio no outro ano, mas contém alguns elementos em comum, sendo esse menos carente de nuances, mas igualmente despropositado nos temas que aborda, talvez até mais que o filme de Ken Loach, um vez que ele parece não ter uma identidade muito definida para si. The Square: A Arte da Discórdia mais parece uma coletânea de idéias que em alguns pontos funciona e em outros não..

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  • Crítica | Força Maior

    Crítica | Força Maior

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    A empatia com os protagonistas de Força Maior é praticamente automática, visto que a história se passa em um comum ambiente de férias familiares. Tomas (Johannes Kuhnke) tem uma relação aparentemente perfeita com sua esposa Ebba (Lisa Loven Kongsli). A uniformidade de pensamento apresenta-se até nos trajes de dormir, todos azuis, mostrados em cima da mesma cama que os pais dividem com os filhos Harry  (Vincent Wettergren) e Vera (Clara Wettergren). Feliz, o clã se instala em um hotel caro nos Alpes suecos, em localização próxima de uma montanha gélida, onde costumam ocorrer avalanches de médio porte.

    Em um evento natural de desmoronamento, a neve invade o hall descoberto, onde os hóspedes se alimentavam, assustando todos. A cena demonstra a firmeza de caráter de Tomas, que já no início não teme largar os seus, fugindo rapidamente para sua própria sobrevivência, enquanto sua esposa permanece com as crianças. A covardia ficou mais evidente e vergonhosa quando se percebe que o fenômeno foi de pequeno porte, sem vítimas. No entanto, apesar do descontentamento primário, a costumeira hipocrisia faz com que as partes retornem ao convívio, numa referência clara ao conceito defendido por Nelson Rodrigues de que é preciso muito cinismo para permanecer casado.

    Ruben Östlund faz uma direção contemplativa, exibindo a bela paisagem fria, que causa por si só uma estranha sensação de isolamento e obrigatória reflexão. Reflexão que só não atinge o espaço comercial hoteleiro, o qual funciona como uma bolha, livrando os que estão instalados de qualquer sensação inconveniente ou incômoda, exceto, é claro, pela possibilidade de deslizamento de neve.

    A “derribada imaginária” do local e a discussão com outras casais fazem Ebba conversar finalmente sobre o que aconteceu, desabafando, enfim, sobre o abandono que sentiu ao ficar sozinha no deck. A câmera enquadra-os normalmente em plano americano, mas de modo tão invasivo quanto um close na figura desnuda do homem, já que a intimidade dos dois é escancarada e mostrada como algo vil e traiçoeiro a partir daquele momento. Negação e frustração andam juntas, fazendo refletir sobre o que realmente fez unir aquele casal no sagrado matrimônio e o que os motiva a prosseguir juntos.

    A crise existencial finalmente acomete Tomas, que, mesmo no período de interrupção de sua rotina, busca ajuda para retornar à normalidade de pensamento e ação. Sua relação antes límpida e angelical ganha conotações reais, nuances e defeitos capazes de serem sepultados rapidamente. O descuido do patriarca inviabiliza sua permanência como figura de respeito e respaldo, invertendo o paradigma em que ele vivia nos últimos anos, obrigando-o a revisar o próprio modo de agir e encarar o mundo, sem ter nem de longe a mesma complacência de antes, por parte de Ebba.

    Após ficar longe dos seus por um período breve, o marido retorna ao lar somente para encontrar um ambiente demasiado hostil, semelhante ao de casais que tentam se reconciliar após uma das partes trair a outra. A sensação que predomina na esposa é de exata infidelidade, mas não física, e sim de alma e ideologia. Um perdão é quase inviável, seja por qual via ele corra, tanto do culpado quando do culposo.

    A indecisão impera nas cabeças da família numa tentativa irremediável de negar a realidade depressiva que a envolve. Os acordes clássicos, sempre interrompidos quando tocados ao longo do filme, finalmente têm sua música prolongada após a resolução da situação familiar, que enfim sai da letargia para a vida comum. O conjunto de ações do elenco, especialmente no embate entre Johannes Kuhnke e Lisa Loven Kongsli, é o sustentáculo da tragédia do fim de uma relação há muito construída, e da trágica sensação de paranoia que impede o homem de raciocinar além de seus antigos traumas. Força Maior cruelmente brinca com a sensibilidade do espírito humano.