Tag: Silvio Guindane

  • Crítica | Simonal

    Crítica | Simonal

    Wilson Simonal foi um ícone muito grande da música popular brasileira. Era mais que um simples cantor, era um artista indiscutivelmente diferenciado, um sujeito que tinha uma performance quase mágica e que teve uma derrocada cujos motivos são muito discutíveis, como já foi mostrado em Simonal: Ninguém Sabe o Duro Que Dei, documentário de 2009. A versão cinebiográfica ficcional é comandada por Leonardo Domingues, acostumado a montar e editar filmes, comandando o projeto desde o Festival do Rio de 2013 onde fez uma reunião nos bastidores e começou a discutir sobre como faria a biografia do artista. Apesar de não ser perfeito e de só ter a estréia prevista para 2019, Simonal é curiosamente bem atual, por falar em questões políticas, fake news e até mesmo delação.

    O momento inicial do filme é quase um epílogo, mostrado em um plano sequência lindíssimo no backstage de um show de retorno de Simonal, em 1975, no auge da Ditadura Militar e de sua rejeição. Assim que Fabrício Boliveira aparece cantando, ele começa a ser vaiado e ao menos em seu começo, Domingues torna seu filme poderoso, o problema é a condução a seguir.

    O roteiro de Victor Atherino volta quinze anos no tempo, e mostra o antigo conjunto musical do protagonista, e sem qualquer preparação, o Simonal de Boliveira já é mostrado como um homem ousado, ao entrar na piscina de sunga, mesmo sendo um mero serviçal como músico, em uma festa da alta sociedade. Essa sequência é bem passível de ter ocorrido, mas ela é apresentada de maneira caricatural e isso é uma constante no longa. Não demora a aparecer personagens importantes na história do cantor, Leandro Hassum faz Carlos Imperial, o homem que o descobriu como cantor solo (e a caracterização é bem feita, a despeito do péssimo desempenho de Hassum em comédias recentes como Candidato Honesto 2) e de Teresa, sua futura esposa interpretada pela deslumbrante Isis Valverde que já havia feito par com Boliveira em Faroeste Caboclo. A grande questão é que a história do cantor é tudo, menos chapa-branca e o filme de Domingues flerta com um lado pudico muito forte.

    Boliveira é indiscutivelmente um ótimo ator, mas não consegue capturar o caráter carismático de Simonal, e nem replica o mesmo molejo e pilantragem, ao menos na maior parte dos momentos, seu desempenho é repleto de altos e baixos. Toda a sequencia da historia no beco das garrafas é muito boa, e João Velho faz uma versão de Luis Carlos Miele maravilhosa e faz acreditar ali que ele é o Sinatra com melanina, em compensação as partes onde ele grava no estúdio são péssimas, com um lyp sync vergonhoso. Quando o protagonista flerta com mulheres, Boliveira acerta mais, soando natural, e especialmente, em suas performances no palco. Há um brilho especial do ator nesses momentos.

    Há uma cena em específico que é primorosa, onde Simonal está cantando, faz o público entoar um coro, vai andando pela saída lateral e se retira do teatro para tomar uma pinga no bar do lado, retornando depois, mais uma vez utilizando um plano sequencia. Domingues mostra que sabe filmar e sabe inserir momentos grandiosos em seu filme, por mais que não seja perfeito, ele é bem correto.

    O filme é um bocado refém das datas marcantes e se repete muito nesses ciclos e apesar de tudo tem momentos divertidos, e traz algumas discussões sobre afirmação do negro e do consumismo. Ele cai em alguns panfletarismos baratos, em especial quando o personagem de Silvio Guindane retorna a vida do biografado, e também não dá a importância devida a algumas questões pontuais, como o vício em remédios de Teresa, na verdade, referencia muito essa questão mas não dá uma importância real, só sugere algo.

    Toda a parte da derrocada e da crença que o contador está fazendo um rombo nas suas finanças ao menos acerta mais que o documentário de 2009, pois demonstra como ele era um sujeito impulsivo e não calculista. O roteiro compra o discurso de que Simonal foi vítima das circunstâncias, e tem momentos bem construídos, mas a ânsia por contar uma historia tão complexa não é recompensada com um filme completo, ao contrário, há muita pressa da produção por falar de muita coisa, e claramente 105 minutos não foram suficientes para comportar uma história tão complexa. Claramente, Simonal tem problemas e virtudes, mas acima de tudo possui alguma alma.

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  • Crítica | É Fada!

    Crítica | É Fada!

    O crescimento da popularidade dos youtubers causou no ideário brasileiro uma necessidade de exploração destes personagens, fazendo-os migrarem para outras plataformas. Esse é o caso de É Fada!, último filme de Cris D’amato, diretora já veterana em comédias com protagonistas femininas, como Linda de Morrer e S.O.S. Mulheres ao Mar. Dessa vez, a trama acompanha a atriz Kéfera Buchman, que interpreta a fada recém-desempregada Geraldine, que perde seu último trabalho após a perda do Brasil na Copa de 2014.

    Júlia (Klara Castanho) é uma menina cujos pais são divorciados e de classes sociais completamente diferentes. A menina é transferida de escola e entra em choque com a classe média alta adolescente do Rio de Janeiro. Ao ter um encontro com sua nova fada madrinha ela começa a agir de maneira fútil e interesseira. É curioso como o foco dramático é no glamour dos ricos. As intenções do longa se confundem, porquê essa glamourização esbarra na trilha sonora bastante popular, composta por músicas famosas de Anitta, Ludmila e demais estrelas do funk, que destoam de todo arquétipo pseudo-burguês que o filme tenta propagar.

    Os poderes de Geraldine ocorrem de acordo com sua vontade, e suas atitudes são egoístas e vazias, semelhantes demais as atitudes de Alice (Mariana Santos), sua mãe que insiste em tentar sofisticar a herdeira, basicamente para afastá-la do estereótipo do pai da menina, Vicente (Silvio Guindane), um sujeito de rotina simples e batalhadora, diferente do que Alice julga ser o ideal para Júlia.

    Após algumas viradas de roteiro bastante forçadas, a menina dá volta por cima e consegue atingir seus objetivos, abusando de uma fórmula típica das comédias da Sessão da Tarde, com a diferença de que não há qualquer carisma neste exemplar, ao invés disso, há um uso exagerado de efeitos visuais mal utilizados e um montante de piadas fracas, que provavelmente, só funcionariam com os fãs da youtuber.

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  • Crítica | Metanoia

    Crítica | Metanoia

    Metanoia 1

    Evocando um sensacionalismo abissal, usando a questão do vício em crack, o filme de Miguel Nagle se inicia com narrações em off em áudios de pessoas depondo sobre a condição dos adictos no tóxico. De nome grego, a origem da palavra Metanoia se faz no sentido de “mudança de pensamento” de seu cerne, e o termo é utilizado por muitos segmentos da igreja evangélica brasileira.

    O roteiro é narrado em primeira pessoa pelo personagem Dudu, vivido na fase adulta por Caique Oliveira e na infância/adolescência por um menino bastante diferente, sem qualquer preocupação da produção com a clara mudança de etnia entre um ator e outro. O pouco compromisso com a congruência visual é assistida nas outras personificações de pessoas em passagens de tempo. A continuidade é nula, assim como a esdrúxula troca de atores em períodos longos de tempo. Desde cedo, o rapaz sofre com sonhos e alucinações bizarras, que associam a simples desobediência infantil ao contato com demônios e figuras monstruosas.

    Produzido pela Companhia Jeová Nissi, o argumento até tenta ganhar alguma sobriedade com a presença de atores famosos, como Caio Blat, Silvio Guindane e Solange Couto. No entanto, nem a presença de profissionais gabaritados consegue salvar o texto da mediocridade. A adição aos entorpecentes é completamente demonizada, filmada em condições toscas, com situações forçadas e convenientes, a fim de fazer um discurso vazio anti-drogas.

    A cena em que Jeffe – personagem de Caio Blat  é introduzido caracteriza a síntese da má construção da fita. Jeff oferece um baseado enorme, sem qualquer cerimônia, para o pobre Dudu, volúvel e suscetível à pressão exercida por seus malvados amigos. O torpor da erva faz enxergar as pessoas sem rosto, como o sonho de outrora, como se sub-consciente o alertasse do que ocorreria com ele no futuro. Sua condição de não usuário para internado em uma clínica de reabilitação é automática. Não há qualquer construção mínima até então, somente uma estrada curta, retilínea e ordinária.

    Mesmo os dramas terríveis, de agressão dos viciados aos seus familiares, são conduzidos de modo torto, estúpido e gratuitamente chocante. As reações de ataques tanto de abstinência às substâncias quanto aos excessos do uso são constrangedoras, mesmo para os astros conhecidos.

    Mesmo o bom desempenho de Silvio Guindane, especialmente quando através do contato com Solange Couto, que interpreta sua mãe, é interessante como o viciado vivido pelo ator consegue manter uma barba retilínea e muitíssimo bem aparada, mesmo morando na rua por quatro anos, vestido em trapos e com os pés sujos e maltratados pelo contato direto com o asfalto. Os elementos visuais pesam contra as sequências, banalizando os takes que deveriam ser as melhores de toda a duração da fita, excessiva aliás, beirando os cento e vinte minutos.

    As intenções do produtor, roteirista e protagonista Caique Oliveira são ótimas, mas a tentativa de valer a palavra cristã acima dos problemas de um toxicômano se perde em meio a uma história mal contada e confusa, tropeçando normalmente nas próprias pernas, corrida por uma narração tola que só faz idiotizar o argumento que já não era forte. A direção de Nagle até tenta em vão salvar algumas sequências, com ângulos panorâmicos, mostrando a desgraça em que Eduardo se metia ao afundar no consumo do crack.

    A segunda hora é dedicada ao assistencialismo e a tentativas de reabilitação. As passagens de tempo são confusas, emulando a perda de noção de hora que Eduardo tem ao fumar. Nota-se uma gama enorme de vícios de linguagem teatral na produção do filme, especialmente nos repentes que ocorrem, mudando posturas de personagens sem qualquer construção e deixando de fazer qualquer sentido na proposta fílmica.

    Talvez, as sequências sem amarras cronológicas mostradas em Metanoia, “poderiam” (muitas aspas) funcionar em uma humilde peça de igreja evangélica, onde o crivo não é grande e a exigência é nula. Mas, em meio a um circuito de cinema tão seletivo e difícil, é um verdadeiro abuso que o longa consiga ser distribuído para as salas comerciais.

    O último ato da peça/filme revela de maneira sepulcral a condição do homem, no caso, através do causo de Eduardo, um ser diminuto e ínfimo diante do Divino, sem direito sequer ao livre arbítrio, mesmo que esta condição seja um evento garantido até mesmo nas sagradas escrituras. Os sonhos que tinha quando criança denotam que toda a derrocada que sofreria quando adulto já era prevista, e mesmo próximo de muitas pessoas ligadas à religião, nem ele, nem os fiéis tiveram a clarividência do que ocorreria.

    As intenções de Caique Oliveira ao produzir tal texto são claramente positivas, mas o viés que escolheu para apresentar o drama é equivocado ao extremo, tornando uma situação grave e clamorosa em motivo de piada e propaganda religiosa barata. Um desperdício tanto em relação ao potencial da Companhia Jeová Nissi quanto em relação ao cenário cinematográfico brasileiro mainstream. A falha de Metanoia talvez faça seus produtores amadurecerem, mas possivelmente fechará outras tantas portas para o mercado de vídeo cristão.