Destaque como uma narrativa universal situada na época natalina, Um Conto de Natal de Charles Dickens é uma dessas obras atemporais cujo alcance do público se tornou forte o para ser relembrada e recontada em outras mídias. O cinema, para citarmos somente uma das artes, já reverenciou a obra em clássicas adaptações e versões contemporâneas, sempre mantendo a mensagem-símbolo da narrativa.
Leitor de Dickens, Lee Bermejo presta uma homenagem explícita ao autor em Batman – Noel, ao inserir o conto do autor dentro de uma história de Batman, representado como Scrooge, como um homem sovina que recebe na noite de Natal três espíritos.. A história foi lançada pela Panini Comics em edição especial de capa dura de acessível preço que, provavelmente, atrairá muitos leitores devido à arte de Bermejo e ao custo-benefício de uma leitura com história fechada.
Com uma arte primorosa que se destaca desde a primeira página, o roteirista escolhe um narrador onisciente que dialoga com seu leitor, invocando a mesma intenção de Dickens em sua obra. Simultaneamente à narrativa, acompanhamos o Homem-Morcego em uma captura de um homem pertencente à gangue do Coringa, vilão que acaba de fugir do Arkham. Devido ao frio de Gotham, o herói pega um resfriado e, combalido, recebe a visita de três personagens. A Mulher-Gato representando o passado, o amigo Superman representando o presente e Coringa como o futuro. São estes três personagem que durante sua visita levaram o Morcego a uma jornada dentro de si e de seus medos.
A concepção do roteiro erra ao tentar se aproximar da narrativa original, correlacionando o velho Scrooge, do original, a Bruce Wayne. Mesmo que a personagem seja sombria e pouco transpareça suas emoções, é incoerente a descrição feita pela trama de Wayne como um homem sovina que ignora os festejos, paga mal funcionários e parece não reconhecer sua própria condição solitária. Uma descrição que nunca serviu à personagem, afinal, a moral e a luta a favor do bem em detrimento a sua jornada pessoal são a base da composição da personagem.
Não houve preocupação em criar uma história que utilizasse a mesma base sem parecer uma mera releitura superficial. Ao tentar colocar Um Conto de Natal no universo do morcego, Bermejo encaixou forçadamente personagens de ambos os universos, entregando um produto sem uma visão original além de incoerente, modificando conceitos-chave da personagem somente para que ela se encaixasse na história original.
Se o roteiro falha, a arte é grande sustentação que fornece o ambiente para a narrativa fraca. Como uma tela pintada que se destaca pelas cores em tons pasteis de Barbara Ciardo, a atmosfera de Gotham ganha uma poética urbana entre sua sujeira e corrupção. A escolha dos uniformes corrobora uma visão realista com cores sóbrias e uma roupa que se destaca por parecer mais próxima de um uniforme militar, com direito a coturno e outros acessórios demonstrando preparo para além da mera capa assustadora. Um retrato do Morcego que desmitifica uma figura noturna para dar vazão a um Batman tão urbano quanto a cidade que o criou.
Como desenhista, Bermejo trabalha como ninguém a composição das cenas, dando-lhes um diferencial em perspectiva e composição dos quadros, porém, ao se apoiar demais na obra de Dickens, não alcançou a metáfora da obra original, nem mesmo fez uma homenagem competente a uma história clássica devido à falta de equilíbrio entre o conto original e a mitologia existente do Homem-Morcego.
O resultado está distante da obra-prima mencionada pela capa e pelos elogios de Jim Lee, que assina o prefácio da edição. Uma história que se sustenta apenas pelo talento visual. Desequilibrado por um argumento mal costurado, mesmo que inspirado por um clássico.
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