Em agosto de 2012 a editora Panini lançou As Tiras Clássicas do Pelezinho – Vol. 1, seguindo o mesmo formato de livros em que publicou as primeiras historinhas da Turma da Mônica quatro anos antes. No mesmo mês, as bancas brasileiras veriam a revista As Melhores Histórias do Pelezinho, republicando mensalmente conteúdo publicado 40 anos antes pela Editora Abril. A proximidade com a Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, pode ter sido o motivo para que Pelezinho – a adaptação para os quadrinhos do mais famoso jogador de futebol do mundo – voltasse dos anos 70 em pleno século 21!
Mas antes de falar sobre a edição em si, vamos tirar o elefante da sala de estar: muito conteúdo desse material seria impensável nos dias de hoje, por conter elementos hoje considerados politicamente incorretos e estereótipos racistas e sexistas. Não que as histórias sejam preconceituosas em si, mas tanto a representação do personagem principal quanto dos seus amigos coadjuvantes negros, estão hoje bastante datados e podem soar até mesmo ofensivos. Logo na primeira página de quadrinhos vemos a expressão “a conversa ainda não chegou na cozinha”. Em outras tirinhas, piadas com os lábios de personagens negros, com meninas que não entendem de futebol, crianças falando palavrões, pessoas armadas, e gags baseadas em características físicas dos personagens (baixinho, gordo, etc.). A própria representação do rosto do personagem Pelezinho – sem nariz e com um círculo ao redor da boca para representar lábios grossos – foi abolida pela Mauricio de Sousa Produções a partir de dezembro de 2013, quando essas características foram redesenhadas nas republicações. Mas é importante lembrar que essas tirinhas são produtos de uma época e, mesmo apresentando tais estereótipos, foi significativo por ter em bancas durante muito tempo histórias em quadrinhos com um protagonista negro (ainda que Pelezinho e sua turma não interagissem com os personagens de Mauricio do Bairro do Limoeiro). Ressalte-se que, ao fim da edição existe um trabalho de contextualização. Dito isso, sigamos para a análise das histórias.
Pelezinho é retratado como um garoto de sete anos que ama futebol e tem um chute muito potente. É interessante notar o quanto o tema futebol é abrangente o suficiente para se fazer diversas tirinhas humorísticas sem se tornar algo cansativo. Mesmo com a repetição de situações (recurso comum no humor), cada tirinha tem seu jeito peculiar, sua graça, sua beleza e leveza. Pelezinho comemora seus gols (e de outros jogadores, quando ouve a narração em um radinho de pilha colado ao ouvido) com seu famoso pulinho socando o ar. Esse simples gesto gera várias piadas, nas quais o pulo alça cada vez maiores alturas, ou o “soquinho” no ar acerta algo inadivertidamente. O mesmo vale para seus poderosos chutes, que quebram não apenas vidraças, mas muros, paredes, e derrubam até aviões! O chute do Pelé (como ele é chamado nas primeiras tiras, com o tempo mudando para o diminutivo) rivaliza em potência com uma coelhada da Mônica!
O elenco coadjuvante vai, aos poucos, demonstrando suas características e, lá pelo meio do volume, já sabemos o que esperar de cada um. Frangão, um garoto mais alto e magro que o resto da turma, é o goleiro que nunca consegue segurar uma bola chutada por Pelezinho, e vez por outra é também o árbitro das partidas. Cana Braba é o garoto rústico e um tanto lento para entender as coisas ao seu redor, que fala muito palavrão e leva tudo ao pé da letra. A voluptuosa Bonga é uma garota com corpo um tanto desenvolvido para a sua idade, que chama a atenção dos meninos do bairro com sua aparência sem perceber. Rex é o cachorro semi-antropomórfico e um dos poucos personagens cujas histórias se permitem fugir do tema futebol (geralmente caindo no cliché do cão que foge da carrocinha).
As tirinhas não apresentam data de publicação, mas é possível perceber a evolução do traço dos personagens, que começam com as famosas bochechas “pontudas” e passam a ter traços mais arredondados ao fim do volume. É possível perceber, perto do fim, a contribuição de diferentes desenhistas – principalmente nas tirinhas que apresentam personagens mais “fofinhos” e com tomadas de cena em ângulos diferentes, típicos do final dos anos 70. Infelizmente, à época da publicação, a MSP não creditava seus artistas em cada história como tem sido feito hoje em dia nas revistas mensais. O prefácio é escrito pelo próprio Pelé, e conta como foi se tornar um personagem de quadrinhos na época. Além disso, há notas explicativas ao fim do volume (poucas, mas necessárias).
As Tiras Clássicas do Pelezinho é um ótimo material, mas pode precisar de alguma contextualização, principalmente para os leitores mais jovens. Afinal, existem gírias e expressões de sua época, bem como termos e jargões do futebol – e da “pelada” de rua – que podem soar estranhas hoje em dia. Os diálogos foram reeditados para as normas atuais da língua portuguesa, e o trabalho de diagramação não deixa nada a desejar. O álbum tem potencial para agradar fãs de quadrinhos e de futebol de todas as idades!
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